Após uma postagem espalhando um texto que contém o que considero o melhor conceito de solidão e
onde a autora diz que há quem confunde saudade com solidão, esta espalha um
texto em que seu autor diz que "desafia qualquer um dar uma definição
melhor, mais direta e mais simples para a palavra saudade". Intitulado Definição de saudade, o texto é um
depoimento atribuído a Rogério Brandão, médico oncologista clínico, do qual tomei
conhecimento em 2010 e sobre o qual existem inúmeras versões na internet, umas completas
e outras resumidas.
Definição de saudade
Médico
cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional, com
toda vivência e experiência que o exercício da medicina nos traz, posso afirmar
que cresci e me modifiquei com os dramas vivenciados pelos meus pacientes.
Dizem que a dor é que ensina a gemer. Não conhecemos nossa verdadeira dimensão,
até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais
além. Descobrimos uma força mágica que nos ergue, nos anima, e não raro, nos
descobrimos confortando aqueles que vieram para nos confortar.
Um dia, um anjo
passou por mim...
No início da
minha vida profissional, sentindo-me atraído por tratar crianças, me
entusiasmei com a oncologia infantil. Tinha, e tenho ainda hoje, um carinho
muito grande por crianças. Elas nos enternecem e nos surpreendem com suas
maneiras simples e diretas de ver o mundo, sem meias verdades.
Nós médicos somos
treinados para nos sentirmos "deuses". Só que não o somos! Não acho o
sentimento de onipotência de todo ruim, se bem dosado. É este sentimento que
nos impulsiona, que nos ajuda a vencer desafios, a nos rebelar contra a morte e
a tentar ir sempre mais além. Se mal dosado, porém, este sentimento será de
arrogância e prepotência, o que não é bom. Quando perdemos um paciente,
voltamos à planície, experimentamos o fracasso e os limites que a ciência nos
impõe e entendemos que não somos deuses. Somos forçados a reconhecer nossos
limites!
Recordo-me com
emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como
profissional. Nesse hospital, comecei a frequentar a enfermaria infantil, e a
me apaixonar pela oncopediatria. Mas também comecei a vivenciar os dramas dos
meus pacientes, particularmente os das crianças, que via como vítimas inocentes
desta terrível doença que é o câncer.
Com o nascimento
da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento destas
crianças. Até o dia em que um anjo passou por mim.
Meu anjo veio na
forma de uma criança já com 11 anos, calejada, porém, por dois longos anos de
tratamentos os mais diversos, hospitais, exames, manipulações, injeções, e
todos os desconfortos trazidos pelos programas de quimioterapias e
radioterapia. Mas nunca vi meu anjo fraquejar. Vi-a chorar muitas vezes, mas
não via fraqueza em seu choro. Via medo em seus olhinhos algumas vezes, e isto
é humano, mas via confiança e determinação. Ela entregava o bracinho à
enfermeira, e com uma lágrima nos olhos dizia: faça tia, é preciso para eu
ficar boa.
Um dia, cheguei
ao hospital de manhã cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei
pela mãe. E comecei a ouvir uma resposta que ainda hoje não consigo contar sem
vivenciar profunda emoção.
Meu anjo
respondeu: - Tio, disse-me ela, às vezes minha mãe sai do quarto para chorar
escondida nos corredores. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita
saudade de mim. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta
vida!
Pensando no que a
morte representava para crianças, que assistem seus heróis morrerem e
ressuscitarem nos seriados e filmes, indaguei:
- E o que morte
representa para você, minha querida?
- Olha tio,
quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e no
outro dia acordamos no nosso quarto, em nossa própria cama não é?
(Lembrei minhas
filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, costumavam dormir no meu quarto e após
dormirem eu procedia exatamente assim.)
- É isso mesmo, e
então?
- Vou explicar o
que acontece - continuou ela: - Quando nós dormimos, nosso pai vem e nos leva
nos braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é?
- É isso mesmo
querida, você é muito esperta!
- Olha tio, eu
não nasci para esta vida! Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou
acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei
"entupigaitado". Boquiaberto, não sabia o que dizer. Chocado com o
pensamento desse anjinho, com a maturidade que o sofrimento acelerou, com a
visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei parado, sem ação.
- E minha mãe vai
ficar com muitas saudades de mim - emendou ela.
Emocionado,
travado na garganta, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei ao meu anjo:
- E o que significa
saudade para você, minha querida?
- Não sabe não
tio? Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos
de idade, desafio qualquer um dar uma definição melhor, mais direta e mais
simples para a palavra saudade: é o amor que fica!
...Um anjo passou
por mim...
Foi enviado para
me dizer que existe muito mais entre o céu e a terra, do que nos permitimos
enxergar. Que, geralmente, absolutizamos tudo que é relativo (carros novos,
casas, roupas de grife, joias) enquanto relativizamos a única coisa absoluta
que temos - nossa transcendência.
Meu anjinho já se
foi, há longos anos, mas deixou-me uma grande lição vinda de alguém que jamais
pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais esqueci.
Deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e
carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Hoje, quando a
noite chega e o céu está limpo, vejo uma linda estrela a quem chamo "meu
anjo", que brilha e resplandece no céu. Imagino ser ela, fulgurante em sua
nova e eterna casa.
Obrigado anjinho,
pela vida bonita que teve, pelas lições que ensinastes, pela ajuda que me
destes.
Que bom que
existe saudade! O amor que ficou é eterno.
*************
Algum (a) de vocês
aceita o desafio do doutor Rogério Brandão de dar para a palavra saudade uma
definição melhor, mais direta e mais simples do que - é o amor que fica?
Nenhum comentário:
Postar um comentário