quinta-feira, 25 de junho de 2020

O dia depois

"Pense nisso: O que fazemos conosco agora é o mais importante para o amanhã. Se não fizermos nada para mudar nossa atitude e o nosso modo de atuar, amanhã parecerá ontem, exceto pela data".
(Moshé Feldenkrais [1904 – 1984], engenheiro israelense fundador do Método Feldenkrais)
Imaginar como será a vida neste insano planeta após o "controle" da atual pandemia, eis um exercício que uma enorme quantidade de pessoas talvez esteja fazendo nestes tempos. Publicar o resultado de suas imaginações, eis o que celebridades intelectuais e profissionais das áreas de comunicação, de ciências humanas e de tecnologia talvez se vejam na obrigação de fazer. Refletir sobre imaginações publicadas que considere interessantes e espalhá-las por um blog cuja intenção é espalhar idéias que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez melhor, eis uma tarefa que me propus nestes tempos sinistros. Sendo assim, segue um texto de Daniel Aarão Reis, 74, historiador brasileiro e professor titular de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense, publicado na edição de 15 de maio de 2020 do jornal O Globo.
O dia depois
Como será o dia depois da pandemia?
Há opiniões positivas: Michel Maffesoli, sociólogo, fala do reencantamento do mundo. Artistas anunciam dias melhores. Mais preocupação com a saúde, a ecologia, a organização das cidades. E também reconhecimento do papel do Estado na regulação dos mercados e, sobretudo, na organização dos serviços públicos essenciais – saúde, educação e segurança, em contraste com a degradação progressiva, evidenciada no combate ao maldito vírus, mesmo em sociedades opulentas, como os EUA. Pesquisa realizada na França aponta para a expectativa de um mundo mais solidário, sóbrio, democrático, preocupado com o meio ambiente.
São perspectivas construtivas, animadoras, viáveis. Em tese. Se forem enfrentadas e neutralizadas outras tendências, ameaçadoras.
Uma delas é o assustador crescimento da concentração da renda e das desigualdades sociais. Como demonstrou Thomas Piketty, um processo de décadas. Aprofundado com a crise de 2008. Ganha velocidade no curso da pandemia atual e, se as coisas continuarem assim, a situação pode piorar. Stéphane Lauer, em recente artigo, apontou para uma economia em crise face a sólidos mercados financeiros. Milhões de desempregados, dezenas de milhares de mortos, parentes, amigos e entes queridos angustiados e enlutados, empresas em dificuldades, à beira da falência. Entretanto, as bolsas de valores vão bem, obrigado. O índice Dow Jones está 25% superior ao que era há alguns anos. Os lucros das grandes empresas suscitam euforia. A especulação com títulos e moedas corre livre e sem freios.
É razoável? Não, não é razoável.
Enquanto pesquisadores tentam encontrar uma vacina, os bancos e os investidores já têm a sua, graças à intervenção dos principais bancos centrais. A receita formulada para combater a crise de 2008 é adotada mais uma vez. Produzirá os mesmos resultados: os ricos ficarão mais ricos. Os poderosos mais fortes. Thomas Philippon, da New York University, registrou que apenas cinco empresas – Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft – detinham, em 2019, 20% da riqueza acumulada pelas maiores 500 empresas norte-americanas. São elas as que mais crescem no curso da pandemia.
Ao mesmo tempo, multiplicam-se as ameaças às liberdades e à democracia. Na China e em outros países, aperfeiçoam-se softwares, disseminam-se câmeras para monitorar cidadãos através do reconhecimento facial. Adverte Noah Harari: "tecnologias imaturas e perigosas estão sendo utilizadas". Os governos ampliam poderes "especiais" de controlar, investigar, perseguir, multar e pôr na cadeia. Operadoras telefônicas informam sobre a circulação e compartilham dados de geolocalização. Cidadãos são estimulados a delatar comportamentos "impróprios".
Houve lugares em que se cogitou autorizar a polícia a entrar em domicílios privados, sem autorização judicial, para saber se os residentes estariam contaminados. Aconteceu na idílica Dinamarca, mas a "medida" não chegou a ser autorizada.
Nestes horizontes sombrios, contudo, há luzes piscando.
Na Holanda, 170 intelectuais assinaram um manifesto propondo caminhos a serem considerados no futuro imediato: questionar a economia obcecada com o crescimento do PIB, selecionar o que deve ou não crescer, segundo as necessidades das pessoas; redistribuir a riqueza; transformar a agricultura, valorizando a biodiversidade e a produção local; reduzir o consumo e as viagens; congelar as dívidas de trabalhadores, pequenos empresários e países mais pobres. O italiano Franco Berardi, o Bifo, propõe meditar sobre uma sociedade livre da compulsão da acumulação e do crescimento econômico: "precisamos de comida, afeto e prazer, ternura, solidariedade e frugalidade". Revalorizar o útil, o valor de uso em contraposição à abstração do valor de troca imposto pela dinâmica de um sistema capitalista predador.
Para depois da pandemia, à espera das que virão, Bifo e os holandeses sugerem sendas. Não será fácil tomá-las. Se tomadas, porém, mais do que salvar vidas, poderão tornar a vida melhor.
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"Como será o dia depois da pandemia?", eis a indagação usada por Daniel Aarão Reis para iniciar seu instigante artigo.
Que ninguém seja capaz de saber o que ocorrerá em tempos futuros é algo que considero perfeitamente compreensível, até porque é simplesmente impossível saber.
Que a imensa maioria não seja capaz de entender que o que ocorrerá em tempos futuros em determinado lugar (uma instituição, uma cidade, um país, um planeta) será sempre resultante do conjunto das ações e omissões de todos os integrantes de tal lugar, é algo que considero simplesmente lamentável.
Portanto, considerando que a responsabilidade pela nova vida "normal" neste planeta, após o "controle" da pandemia, cabe a todos e a cada um de seus integrantes, em relação direta com o grau de suas capacidades (intelectual, emocional, moral, financeira etc.), creio que refletir sobre tal responsabilidade é algo do qual ninguém deve se eximir.
Sendo assim, creio que refletir sobre o que é dito no texto de Daniel Aarão poderá ajudar-nos a compreender a imprescindibilidade de fazermos a nossa parte. Vocês conhecem a fábula do beija-flor e o incêndio na floresta? Pois é. Aquele beija-flor compreendia algo que a imensa maioria da autodenominada espécie inteligente do universo demonstra dificuldade em compreender ou, o que é pior, em assumir.

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