"Pense
nisso: O que fazemos conosco agora é o mais importante para o amanhã. Se não
fizermos nada para mudar nossa atitude e o nosso modo de atuar, amanhã parecerá
ontem, exceto pela data".
(Moshé
Feldenkrais [1904 – 1984], engenheiro israelense fundador do Método
Feldenkrais)
Imaginar como será a vida
neste insano planeta após o "controle" da atual pandemia,
eis um exercício que uma enorme quantidade de pessoas talvez esteja fazendo
nestes tempos. Publicar o resultado de suas imaginações, eis o que celebridades
intelectuais e profissionais das áreas de comunicação, de ciências humanas e de
tecnologia talvez se vejam na obrigação de fazer. Refletir sobre imaginações publicadas
que considere interessantes e espalhá-las por um blog cuja intenção é espalhar
idéias que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez
melhor, eis uma tarefa que me propus nestes tempos sinistros. Sendo assim,
segue um texto de Daniel Aarão Reis, 74, historiador brasileiro
e professor titular de História Contemporânea na Universidade Federal
Fluminense, publicado na edição de 15 de maio de 2020 do jornal O Globo.
O dia
depois
Como será o dia
depois da pandemia?
Há opiniões
positivas: Michel Maffesoli, sociólogo, fala do reencantamento do mundo.
Artistas anunciam dias melhores. Mais preocupação com a saúde, a ecologia, a
organização das cidades. E também reconhecimento do papel do Estado na
regulação dos mercados e, sobretudo, na organização dos serviços públicos
essenciais – saúde, educação e segurança, em contraste com a degradação
progressiva, evidenciada no combate ao maldito vírus, mesmo em sociedades
opulentas, como os EUA. Pesquisa realizada na França aponta para a expectativa
de um mundo mais solidário, sóbrio, democrático, preocupado com o meio
ambiente.
São perspectivas
construtivas, animadoras, viáveis. Em tese. Se forem enfrentadas e neutralizadas
outras tendências, ameaçadoras.
Uma delas é o
assustador crescimento da concentração da renda e das desigualdades sociais.
Como demonstrou Thomas Piketty, um processo de décadas. Aprofundado com a crise
de 2008. Ganha velocidade no curso da pandemia atual e, se as coisas
continuarem assim, a situação pode piorar. Stéphane Lauer, em recente artigo,
apontou para uma economia em crise face a sólidos mercados financeiros. Milhões
de desempregados, dezenas de milhares de mortos, parentes, amigos e entes
queridos angustiados e enlutados, empresas em dificuldades, à beira da
falência. Entretanto, as bolsas de valores vão bem, obrigado. O índice Dow
Jones está 25% superior ao que era há alguns anos. Os lucros das grandes
empresas suscitam euforia. A especulação com títulos e moedas corre livre e sem
freios.
É razoável? Não,
não é razoável.
Enquanto
pesquisadores tentam encontrar uma vacina, os bancos e os investidores já têm a
sua, graças à intervenção dos principais bancos centrais. A receita formulada
para combater a crise de 2008 é adotada mais uma vez. Produzirá os mesmos
resultados: os ricos ficarão mais ricos. Os poderosos mais fortes. Thomas
Philippon, da New York University, registrou que apenas cinco empresas –
Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft – detinham, em 2019, 20% da riqueza
acumulada pelas maiores 500 empresas norte-americanas. São elas as que mais
crescem no curso da pandemia.
Ao mesmo tempo, multiplicam-se as ameaças às
liberdades e à democracia. Na China e em outros países, aperfeiçoam-se
softwares, disseminam-se câmeras para monitorar cidadãos através do
reconhecimento facial. Adverte Noah Harari: "tecnologias
imaturas e perigosas estão sendo utilizadas".
Os governos ampliam poderes "especiais"
de controlar, investigar, perseguir, multar e pôr na cadeia. Operadoras
telefônicas informam sobre a circulação e compartilham dados de geolocalização.
Cidadãos são estimulados a delatar comportamentos "impróprios".
Houve lugares em
que se cogitou autorizar a polícia a entrar em domicílios privados, sem
autorização judicial, para saber se os residentes estariam contaminados.
Aconteceu na idílica Dinamarca, mas a "medida" não chegou a ser
autorizada.
Nestes horizontes
sombrios, contudo, há luzes piscando.
Na Holanda, 170
intelectuais assinaram um manifesto propondo caminhos a serem considerados no
futuro imediato: questionar a economia obcecada com o crescimento do PIB,
selecionar o que deve ou não crescer, segundo as necessidades das pessoas;
redistribuir a riqueza; transformar a agricultura, valorizando a biodiversidade
e a produção local; reduzir o consumo e as viagens; congelar as dívidas de
trabalhadores, pequenos empresários e países mais pobres. O italiano Franco
Berardi, o Bifo, propõe meditar sobre uma sociedade livre da compulsão da
acumulação e do crescimento econômico: "precisamos de comida, afeto e
prazer, ternura, solidariedade e frugalidade". Revalorizar o útil, o valor
de uso em contraposição à abstração do valor de troca imposto pela dinâmica de
um sistema capitalista predador.
Para depois da
pandemia, à espera das que virão, Bifo e os holandeses sugerem sendas. Não será
fácil tomá-las. Se tomadas, porém, mais do que salvar vidas, poderão tornar a
vida melhor.
*************
"Como será o dia depois da
pandemia?", eis a
indagação usada por Daniel Aarão Reis para iniciar seu instigante
artigo.
Que ninguém seja capaz
de saber o que ocorrerá em tempos futuros é algo que considero perfeitamente
compreensível, até porque é simplesmente impossível saber.
Que a imensa
maioria não seja capaz de entender que o que ocorrerá em tempos futuros em
determinado lugar (uma instituição, uma cidade, um país, um planeta) será
sempre resultante do conjunto das ações e omissões de todos os integrantes de
tal lugar, é algo que considero simplesmente lamentável.
Portanto,
considerando que a responsabilidade pela nova vida "normal" neste
planeta, após o "controle" da pandemia, cabe a todos e a cada um de
seus integrantes, em relação direta com o grau de suas capacidades (intelectual,
emocional, moral, financeira etc.), creio que refletir sobre tal
responsabilidade é algo do qual ninguém deve se eximir.
Sendo assim, creio
que refletir sobre o que é dito no texto de Daniel
Aarão poderá ajudar-nos a compreender
a imprescindibilidade de fazermos a nossa parte. Vocês conhecem a fábula do
beija-flor e o incêndio na floresta? Pois é. Aquele beija-flor compreendia algo
que a imensa maioria da autodenominada espécie inteligente do universo
demonstra dificuldade em compreender ou, o que é pior, em assumir.
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