Desde o dia em que a conheci (há menos de um ano), passei a aguardar um
momento propício para espalhar uma maravilhosa história real que encontrei no
livro O Colar de Diamantes, em um capítulo intitulado A ingenuidade e
a violência. Um livro apresentado como uma "coleção de contos e
narrativas de Divaldo Franco" produzido por uma compilação de Délcio
Carvalho. Uma história que envolve Leonardo da Vinci, as figuras de Jesus e de
Judas e um anônimo e sinistro personagem que, no meu entender, deve ser
considerado seu protagonista.
Momento propício que chega agora, trazido pela época do ano em que
milhões de criaturas que se dizem cristãs costumam relembrar os momentos finais
da passagem de Jesus por esta dimensão. Com a intenção de não desestimular
leitores de curto fôlego, volto a usar o método Jack: vamos por partes. Sendo
assim, espalhada em duas partes, a primeira delas fala sobre Jesus; a segunda,
sobre Judas, e ambas falam sobre Leonardo da Vinci, e também sobre o anônimo e
sinistro personagem.
Dito isto, creio que seja conveniente acrescentar o seguinte:
independentemente das crenças de cada um que depare-se com essa história, creio
que deixar de lê-la não seja uma boa idéia. Por quê? Porque considero-a capaz
de provocar reflexões que ajudando-nos a interpretar melhor a vida podem
também provocar ações capazes de torná-la cada vez melhor.
A ingenuidade e a violência
Na arte da literatura, há uma história que merece oportuna reflexão.
Narra-se que Leonardo da Vinci, o extraordinário pintor, quando estava
estudando os planos para poder imortalizar o grande mural que se encontra na
cidade de Milão, na Itália, intitulado A Santa Ceia, começou a imaginar
como seria o rosto de Jesus. Qual a fisionomia, a face desse Homem que
modificou a história da Humanidade?
Ele estava desenhando as expressões de todas as personagens que iriam
compor o extraordinário mural.
Ele desejava encontrar um modelo, cuja face expressasse gentileza e
energia, amor e integridade, a coragem de negar e, ao mesmo tempo, a valentia
de amar.
Como seria este homem?!
Começou a procurar alguém com essas características nos lugares onde
deveriam estar pessoas de semblante sereno, de alma generosa.
Foi a alguns conventos masculinos e pôs-se a observar a reação dos
religiosos, sem o júbilo do êxito. Procurou-o em grandes educandários de Milão,
e por onde quer que passasse, a sua vista estava sempre buscando um rosto que
pudesse traduzir a grandeza incomparável da face de Jesus.
Já estava desanimando, quando, certo dia, caminhando pelos arredores da
cidade, no campo, escutou o som de uma flauta. Era uma melodia harmoniosa, de
alguém que estava pastoreando ovelhas.
Atraído por aqueles acordes, acercou-se do lugar e viu um jovem de
aproximadamente 25 anos, soprando o delicado instrumento.
Tratava-se de um moço de beleza incomum: tinha barbas bem-cuidadas, os
cabelos eram da tonalidade do mel, a descerem-lhe até os ombros, encaracolados,
partidos ao meio. Os dois olhos eram como dois pedaços de céu azul engastados
na beleza da face.
Havia tanta pureza naquele jovem que tocava uma flauta doce, que ele se
comoveu.
Perguntou ao moço onde ele vivia. – Ali mesmo! – respondera ele – onde
houvera nascido.
Indagou se ele tivera oportunidade de visitar a grande cidade, que era
Milão?
Ele respondera que não, e que tampouco tinha interesse, pois que seu
pai era pastor, ele nascera entre pastores e agora cuidava das ovelhas da
família, tarefa na qual conseguia o pão de cada dia.
Emocionado, o grande pintor deu-se conta que havia encontrado o rosto
de Jesus.
Então, convidou-o para posar, e, para tanto, se poderia ir até ao seu atelier,
para que pudesse retratar a sua serenidade. Dava-lhe um pequeno saco de veludo
com moedas de ouro.
O rapaz não sentiu a menor ganância. Vivia bem, estava satisfeito, não
aspirava a muitas coisas, mas a família induziu-o a posar por uma semana, ficar
sentado, olhando por uma janela na direção do céu e receber uma verdadeira
fortuna que não ganharia durante toda a vida; assim, ele deveria aceitar.
Ele terminou por concordar com a oferta, e foi levado para a residência
de Leonardo da Vinci. Era primavera, e em determinado dia, o grande pintor
encontrou na sua casa um lugar no jardim, suave, que podia recordar o campo
onde o pastor tocava a sua flauta. Pediu-lhe que relaxasse, que pensasse em
algo bom e apresentasse uma ternura preocupada com alguma coisa.
O jovem, que nunca posara para um artista, sentou-se, começou a
imaginar...
A mão hábil do mestre, com um crayon, começou a desenhar os
contornos da face, o zigoma, os lábios polpudos, o nariz alongado, os sobrecílios,
a testa larga, o cabelo caído...
Na terceira sessão, ao final da semana, ele havia composto o rosto de
Jesus. O rapaz foi dispensado e Leonardo da Vinci pintou o hoje célebre
afresco, isto é, colocava o gesso, ainda molhado, e pintava-o de imediato.
Através disso, a tinta entrava nos poros do gesso. Assim criou a obra mais
grandiosa no gênero que se conhece.
É uma obra tão extraordinária em uma parede imensa do refeitório de um
convento, que, durante a Segunda Guerra Mundial, as pessoas de Milão carregaram
sacos de terra para protegê-la, caso houvesse algum bombardeio que a pudesse
prejudicar.
Passaram-se os anos. Leonardo ficou célebre. Aproximadamente dez anos
depois, a mesma Ordem religiosa que o convidara para pintar o mural, propôs-lhe
que pintasse uma tela gigantesca, que deveria ser colocada na sacristia do
convento.
Termina na próxima
quarta-feira (...) com um desfecho imperdível!
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