quarta-feira, 17 de abril de 2019

Leonardo da Vinci, Jesus e Judas (final)

Continuação de sexta-feira
A tela teria como tema O Beijo de Judas. O grande artista não teve dificuldade em recompor a face de Jesus. Começou a pensar como seria Judas. Como seriam os olhos inquietos do traidor, a expressão da cobiça diante do dinheiro? Como era possível que ele estivesse com o Amigo que lhe confiara tudo, e já o tinha vendido aos Seus inimigos? Como seria esse homem, sua face, sua ambição, as marcas miseráveis do seu comportamento?
O grande artista começou a visitar penitenciárias, prisões, antros de prostituição, nos quais, certamente, estavam os piores criminosos imaginários.
Acreditava que o rosto de Judas era a máscara hedionda do horror, e por mais que desejasse conceber em uma criatura humana tanta vilania, tanta miséria, tanta traição, ele não conseguia imaginar aqueles olhos...
Já estava desistindo, quando soube de um presídio existente próximo à Milão onde estava um bandido que era tido como o mais execrando e traiçoeiro que a polícia havia enjaulado.
Resolveu visitar aquela instituição. Quando passou pela porta, teve sentimentos inusitados.
Sentimos, às vezes, algo estranho, seja do mal, seja do bem, que parece irá afetar-nos...
Ele parou diante da cela e observou. Olhando para fora pela janelinha gradeada, estava um homem recurvado, que parecia tresandar ódio, um sentimento de horror contra a Humanidade.
Ele então bateu palmas e o indivíduo virou-se. Quando se virou, ele teve um choque: era Judas!
Aquele homem era um monstro. O semblante era fescenino, o olhar, que não conseguia fitar, era inquieto e insano, parecendo lâminas cortantes, o queixo tremia, as mãos eram nervosas, crispadas...
Leonardo foi ao diretor da prisão e propôs:
- Eu necessito de pintar esse homem a qualquer preço! Pagarei ao presídio uma expressiva soma para poder registrar suas emoções.
Aquele presidiário, porém, constituía-se num terrível adversário da sociedade; ele era perigoso. Não obstante, o diretor veio à cela e fez a proposta ao bandido. Este, que era realmente terrível, aquiesceu, desde que recebesse uma bela soma, sem saber exatamente para que ou quem deveria posar.
Depois dos trâmites legais, o malfeitor foi algemado, aprisionado à parede e colocado defronte àquela janela para poder olhar o céu através da grade.
Na prisão, um tanto escura, Leonardo postou-se na parte da sombra, colocou o cavalete e a tela. O outro, a olhar para fora, enquanto o artista tentava captar a alma do bandido. Era o cenário do trabalho...
Um dia, dois dias. No terceiro, Leonardo inquiriu-o:
- O que se passa com você? Não é mesmo desde o momento em que o conheci! Seus olhos já não são tão traiçoeiros. O que acontece!?
O homem calmamente virou-se para o artista, e respondeu:
- Não posso mais. Eu o liberto do compromisso. O senhor não me deve nada. Não posso mais.
- Mas por que não pode? Volte a ser o bandido cruel de antes!
- Não posso! Não posso, porque à medida que o senhor está desenhando-me, estou voltando ao passado, quando o senhor me contratou para ser o rosto de Cristo.
Leonardo ficou estarrecido.
- Mas... como?! Você é aquele rapaz, o camponês? Aquele tocador de flauta, pastor de ovelhas? – perguntou o artista franzindo o cenho, com expressão de desconfiança.
- Sim, senhor.
- Mas o que aconteceu com você?
Preparando-se para a resposta, um tanto vacilante e dificultado, o presidiário apertou a testa com as mãos, como se estivesse tentando colocar os pensamentos em ordem.
- Eu era puro naquela ocasião. A minha pureza era feita de ingenuidade; não conhecia as misérias do mundo. Logo que recebi a pequena fortuna, fui cercado por pessoas desonestas, exploradoras, e por mulheres devassas que me corromperam. Terminei na pior situação moral da comunidade milanesa.
"Então, desci ao fundo do poço para poder defender minhas últimas moedas de ouro. Empenhei-me em lutas terríveis contra outros bandidos e matei um, matei dois, matei uma mulher miserável que se homiziara no meu coração para retirar-me a última gota de sangue, que eram as moedas que eu tinha; odiei-a e assassinei-a a punhal."
"A partir daquele dia, minha sede de sangue, o meu desejo de destruir o mundo, fizeram de mim o pior bandido da Itália. Mas agora, recordando-me do que fui, lembrando-me de como era puro, como era jovem e inocente, não posso posar mais..."
Segundo consta, a tela O Beijo de Judas demorou de ser concluída, porque Leonardo da Vinci teve dificuldade de encontrar um rosto, além daquele, que expressasse a miséria de um indivíduo, no mais baixo degrau da dignidade humana.
Esta história real, retrata a ingenuidade e a violência, as duas faces da mesma moeda.
*************
Uma história real com um final surpreendente e chocante, não?! Uma história que, como dito antes do início da narrativa de Divaldo Franco, "merece oportuna reflexão".

Nenhum comentário: