Levando em consideração
o curto fôlego para leituras que caracteriza os tempos atuais, esta postagem
apresenta uma versão mais curta de um texto homônimo publicado na edição de 11
de fevereiro de 2019 da revista Época.
Segundo a revista, o texto é de autoria de Paul Graham, ensaísta inglês,
formado em ciência computacional, e foi originalmente publicado em seu blog. A
tradução é de Mariana Nântua.
A vida é curta
Uma reflexão profunda sobre a importância de deixar as
bobagens do dia a dia de lado e mergulhar nas coisas que realmente importam
Não é apenas uma
figura de linguagem dizer que a vida é curta demais para algo. Se você se pega
pensando que a vida é curta demais para alguma coisa, deveria tentar eliminá-la,
se possível.
Quando eu me pergunto
para que a vida é curta demais, uma palavra que me vem à cabeça é "bobagem".
Se você se pergunta
com que bobagens você perde seu tempo, provavelmente já sabe a resposta.
Reuniões inúteis, disputas sem sentido, burocracias, afetações, lidar com os erros
das outras pessoas, engarrafamentos e passatempos que são viciantes, mas não
compensam.
Esse tipo de coisa
entra em sua vida de duas maneiras: ou ele lhe é imposto ou o engana. Até certo
ponto, você tem de aguentar bobagens impelidas pelas circunstâncias. Você
precisa ganhar dinheiro, uma atividade que consiste basicamente de realizar
tarefas. De fato, a lei da oferta e da procura assegura que, quanto mais
gratificante for o tipo de trabalho, mais barato as pessoas vão cobrar por ele.
Entretanto, pode ser que haja menos bobagens impostas do que você pensa. Sempre
há um fluxo de pessoas que renegam a labuta diária e vão viver num lugar onde
as oportunidades são escassas, no sentido convencional, mas a vida parece ser
mais autêntica. Isso poderia se tornar comum.
Você pode fazer isso
em menor escala, sem se mudar. A quantidade de tempo que se perde com bobagens
varia dependendo dos empregadores. A maioria das grandes organizações – e
muitas pequenas – está imersa em bobagens. Mas, se você conscientemente
priorizar evitá-las em vez de outros fatores como dinheiro e prestígio,
provavelmente vai encontrar patrões que vão desperdiçar menos seu tempo.
Mas apesar de uma parte
da bobagem ser inevitavelmente imposta, aquela que entra furtivamente em sua
vida ao enganá-lo não é culpa de ninguém além de você mesmo. E, ainda assim, a
bobagem escolhida pode ser mais difícil de eliminar do que a bobagem forçada. Coisas
que seduzem você a perder tempo têm de ser muito ardilosas. Um exemplo familiar
a muitas pessoas é discutir na internet. Quando alguém contradiz você, de certa
forma o ataca. Algumas vezes abertamente. Seu instinto, ao ser atacado, é se
defender. Mas, como muitos instintos, esse não foi projetado para este mundo em
que vivemos. Por mais estranho que pareça, na maior parte do tempo é melhor não
se defender. Se não, essas pessoas estão literalmente tirando sua vida.
Discutir na internet é
apenas viciante por acaso. Há coisas mais perigosas do que isso. Como já
escrevi, uma consequência do progresso tecnológico é que coisas das quais
gostamos têm a tendência de se tornar mais viciantes. Isso significa que, cada
vez mais, teremos de fazer um esforço consciente para evitar vícios – sair de
dentro de nós mesmos e nos perguntar: "É desse jeito que eu quero passar
meu tempo?".
Assim como evitar
bobagens, devemos seriamente procurar coisas que importam. Coisas diferentes
importam para pessoas diferentes, e muitas delas têm de aprender o que é
importante para elas. Poucos são sortudos e percebem, cedo, que amam matemática
ou cuidar de animais ou escrever e, em seguida, descobrem uma maneira de passar
grande parte do tempo fazendo isso. A maioria das pessoas começa com uma vida
que é uma mistura de coisas importantes e coisas não importantes e somente após
um tempo aprende a diferenciá-las.
Principalmente para os
mais novos, grande parte da confusão é induzida por situações artificiais nas
quais se encontram. No ensino fundamental e no ensino médio, o que as outras
crianças pensam de você parece ser a coisa mais importante do mundo. Mas,
quando você pergunta para adultos no que eles erraram nessa idade, quase todos dizem
que se importaram demais com o que outras crianças pensavam deles.
Uma heurística que
serve para distinguir coisas que importam é se perguntar se você se preocupará
com isso no futuro. Falsas coisas importantes normalmente têm um pico brusco de
importância. É assim que elas enganam você.
As coisas que importam
não são necessariamente aquelas que as pessoas chamariam de "importantes".
Tomar um café com um amigo importa. Você não sentirá, mais tarde, que foi um
desperdício de tempo.
Se a vida é curta,
deveríamos esperar sua brevidade nos surpreender. E essa é a tendência. Você
não dá valor às coisas e depois elas vão embora. Você acha que sempre vai poder
escrever aquele livro ou escalar aquela montanha ou o que quer que seja e,
então, percebe que a janela se fechou. As janelas mais tristes se fecham quando
outras pessoas morrem. A vida delas também é curta. Depois da morte da minha
mãe, eu desejei ter passado mais tempo com ela. Vivi como se ela fosse estar
sempre ali. E, com seu jeito típico e quieto, ela encorajou a ilusão. Mas ainda
era uma ilusão. Acho que muitas pessoas cometem o mesmo erro.
Uma maneira comum de
evitar ser pego de surpresa por algo é estar consciente desse algo.
Como você vive afeta
quanto você vive. A maioria das pessoas poderia melhorar. Inclusive eu. Mas você provavelmente
pode potencializar o efeito ao prestar mais atenção ao tempo que tem. É fácil deixar
os dias passarem. O "fluxo" que pessoas criativas tanto amam tem um
primo mais sinistro que impede você de parar para apreciar a vida no meio dessa
lama diária de tarefas e despertadores. Uma das coisas mais impactantes que eu
li não estava dentro de um livro, mas era seu título: Dias intensos, de James Salter. No original, Burning the days (em tradução literal, Queimando os dias).
É até possível
desacelerar o tempo. Eu melhorei nisso. Crianças ajudam. Quando você tem
crianças pequenas, há tantos momentos perfeitos que é impossível não notá-los.
Também ajuda quando
você sente que tirou tudo o que podia tirar de uma certa experiência. O motivo
pelo qual estou triste por causa da minha mãe não é somente porque sinto falta
dela, mas porque penso em tudo aquilo que poderíamos ter feito e não fizemos.
Meu filho mais velho completará 7 anos. E, embora eu sinta falta de sua versão
com 3 anos, pelo menos não tenho arrependimentos quanto ao que poderia ter
sido. Nós nos divertimos tanto quanto um pai e um menino de 3 anos poderiam se
divertir.
Reduza as bobagens sem
piedade, não espere para fazer aquilo que importa e aprecie o tempo que você
tem. É isso o que você faz quando a vida é curta.
*************
"Reduzir as
bobagens, fazer aquilo que importa e apreciar o tempo que se tem", eis a
recomendação de Paul Graham, autor do texto apresentado acima sob o título A vida é curta. Título e recomendação que
me fazem lembrar uma frase que já vi atribuída a alguns autores, e que nesta
postagem é apresentada atribuindo-a ao verdadeiro autor.
"Engrandecer a vida,
eis uma tarefa que cabe, e caberá sempre, a cada um (a) daqueles (as) que receberam
uma vida para aprenderem a viver adequadamente. E ao falar em aprender a viver
adequadamente, me vêm à cabeça as seguintes palavras do "filósofo de rua"
Eduardo Marinho ditas em um vídeo intitulado Dor sem drama (https://www.youtube.com/watch?v=vW_-RjYqPLs): "Aprender
não é opcional, opcional é se você vai aprender de um jeito ou não; se você vai
ter que precisar de outro, pois a maior função da vida é aprender."
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