quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A vida é curta

Levando em consideração o curto fôlego para leituras que caracteriza os tempos atuais, esta postagem apresenta uma versão mais curta de um texto homônimo publicado na edição de 11 de fevereiro de 2019 da revista Época. Segundo a revista, o texto é de autoria de Paul Graham, ensaísta inglês, formado em ciência computacional, e foi originalmente publicado em seu blog. A tradução é de Mariana Nântua.
A vida é curta
Uma reflexão profunda sobre a importância de deixar as bobagens do dia a dia de lado e mergulhar nas coisas que realmente importam
Não é apenas uma figura de linguagem dizer que a vida é curta demais para algo. Se você se pega pensando que a vida é curta demais para alguma coisa, deveria tentar eliminá-la, se possível.
Quando eu me pergunto para que a vida é curta demais, uma palavra que me vem à cabeça é "bobagem".
Se você se pergunta com que bobagens você perde seu tempo, provavelmente já sabe a resposta. Reuniões inúteis, disputas sem sentido, burocracias, afetações, lidar com os erros das outras pessoas, engarrafamentos e passatempos que são viciantes, mas não compensam.
Esse tipo de coisa entra em sua vida de duas maneiras: ou ele lhe é imposto ou o engana. Até certo ponto, você tem de aguentar bobagens impelidas pelas circunstâncias. Você precisa ganhar dinheiro, uma atividade que consiste basicamente de realizar tarefas. De fato, a lei da oferta e da procura assegura que, quanto mais gratificante for o tipo de trabalho, mais barato as pessoas vão cobrar por ele. Entretanto, pode ser que haja menos bobagens impostas do que você pensa. Sempre há um fluxo de pessoas que renegam a labuta diária e vão viver num lugar onde as oportunidades são escassas, no sentido convencional, mas a vida parece ser mais autêntica. Isso poderia se tornar comum.
Você pode fazer isso em menor escala, sem se mudar. A quantidade de tempo que se perde com bobagens varia dependendo dos empregadores. A maioria das grandes organizações – e muitas pequenas – está imersa em bobagens. Mas, se você conscientemente priorizar evitá-las em vez de outros fatores como dinheiro e prestígio, provavelmente vai encontrar patrões que vão desperdiçar menos seu tempo.
Mas apesar de uma parte da bobagem ser inevitavelmente imposta, aquela que entra furtivamente em sua vida ao enganá-lo não é culpa de ninguém além de você mesmo. E, ainda assim, a bobagem escolhida pode ser mais difícil de eliminar do que a bobagem forçada. Coisas que seduzem você a perder tempo têm de ser muito ardilosas. Um exemplo familiar a muitas pessoas é discutir na internet. Quando alguém contradiz você, de certa forma o ataca. Algumas vezes abertamente. Seu instinto, ao ser atacado, é se defender. Mas, como muitos instintos, esse não foi projetado para este mundo em que vivemos. Por mais estranho que pareça, na maior parte do tempo é melhor não se defender. Se não, essas pessoas estão literalmente tirando sua vida.
Discutir na internet é apenas viciante por acaso. Há coisas mais perigosas do que isso. Como já escrevi, uma consequência do progresso tecnológico é que coisas das quais gostamos têm a tendência de se tornar mais viciantes. Isso significa que, cada vez mais, teremos de fazer um esforço consciente para evitar vícios – sair de dentro de nós mesmos e nos perguntar: "É desse jeito que eu quero passar meu tempo?".
Assim como evitar bobagens, devemos seriamente procurar coisas que importam. Coisas diferentes importam para pessoas diferentes, e muitas delas têm de aprender o que é importante para elas. Poucos são sortudos e percebem, cedo, que amam matemática ou cuidar de animais ou escrever e, em seguida, descobrem uma maneira de passar grande parte do tempo fazendo isso. A maioria das pessoas começa com uma vida que é uma mistura de coisas importantes e coisas não importantes e somente após um tempo aprende a diferenciá-las.
Principalmente para os mais novos, grande parte da confusão é induzida por situações artificiais nas quais se encontram. No ensino fundamental e no ensino médio, o que as outras crianças pensam de você parece ser a coisa mais importante do mundo. Mas, quando você pergunta para adultos no que eles erraram nessa idade, quase todos dizem que se importaram demais com o que outras crianças pensavam deles.
Uma heurística que serve para distinguir coisas que importam é se perguntar se você se preocupará com isso no futuro. Falsas coisas importantes normalmente têm um pico brusco de importância. É assim que elas enganam você.
As coisas que importam não são necessariamente aquelas que as pessoas chamariam de "importantes". Tomar um café com um amigo importa. Você não sentirá, mais tarde, que foi um desperdício de tempo.
Se a vida é curta, deveríamos esperar sua brevidade nos surpreender. E essa é a tendência. Você não dá valor às coisas e depois elas vão embora. Você acha que sempre vai poder escrever aquele livro ou escalar aquela montanha ou o que quer que seja e, então, percebe que a janela se fechou. As janelas mais tristes se fecham quando outras pessoas morrem. A vida delas também é curta. Depois da morte da minha mãe, eu desejei ter passado mais tempo com ela. Vivi como se ela fosse estar sempre ali. E, com seu jeito típico e quieto, ela encorajou a ilusão. Mas ainda era uma ilusão. Acho que muitas pessoas cometem o mesmo erro.
Uma maneira comum de evitar ser pego de surpresa por algo é estar consciente desse algo.
Como você vive afeta quanto você vive. A maioria das pessoas poderia melhorar. Inclusive eu. Mas você provavelmente pode potencializar o efeito ao prestar mais atenção ao tempo que tem. É fácil deixar os dias passarem. O "fluxo" que pessoas criativas tanto amam tem um primo mais sinistro que impede você de parar para apreciar a vida no meio dessa lama diária de tarefas e despertadores. Uma das coisas mais impactantes que eu li não estava dentro de um livro, mas era seu título: Dias intensos, de James Salter. No original, Burning the days (em tradução literal, Queimando os dias).
É até possível desacelerar o tempo. Eu melhorei nisso. Crianças ajudam. Quando você tem crianças pequenas, há tantos momentos perfeitos que é impossível não notá-los.
Também ajuda quando você sente que tirou tudo o que podia tirar de uma certa experiência. O motivo pelo qual estou triste por causa da minha mãe não é somente porque sinto falta dela, mas porque penso em tudo aquilo que poderíamos ter feito e não fizemos. Meu filho mais velho completará 7 anos. E, embora eu sinta falta de sua versão com 3 anos, pelo menos não tenho arrependimentos quanto ao que poderia ter sido. Nós nos divertimos tanto quanto um pai e um menino de 3 anos poderiam se divertir.
Reduza as bobagens sem piedade, não espere para fazer aquilo que importa e aprecie o tempo que você tem. É isso o que você faz quando a vida é curta.
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"Reduzir as bobagens, fazer aquilo que importa e apreciar o tempo que se tem", eis a recomendação de Paul Graham, autor do texto apresentado acima sob o título A vida é curta. Título e recomendação que me fazem lembrar uma frase que já vi atribuída a alguns autores, e que nesta postagem é apresentada atribuindo-a ao verdadeiro autor.
"Engrandecer a vida, eis uma tarefa que cabe, e caberá sempre, a cada um (a) daqueles (as) que receberam uma vida para aprenderem a viver adequadamente. E ao falar em aprender a viver adequadamente, me vêm à cabeça as seguintes palavras do "filósofo de rua" Eduardo Marinho ditas em um vídeo intitulado Dor sem drama (https://www.youtube.com/watch?v=vW_-RjYqPLs): "Aprender não é opcional, opcional é se você vai aprender de um jeito ou não; se você vai ter que precisar de outro, pois a maior função da vida é aprender."

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