segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Ensina-me a viver

Não, não é sobre um antigo filme homônimo lançado em 1971 que fala esta postagem, e sim sobre uma recente reportagem-entrevista homônima publicada na edição de 21, 22 e 23 de dezembro de 2018 do jornal Valor, em seu tablóide EU & FIM DE SEMANA, na época da visita ao Brasil do filósofo suíço Alain de Botton, criador de The School of Life. Uma reportagem-entrevista assinada por Adriana Abujamra da qual gostei tanto que resolvi fazer uma postagem com uma compilação de fatos e de ideias nela apresentados.
Ensina-me a viver
Alain de Botton nasceu em Zurique, na Suíça, e aos 8 anos foi levado para Londres. "Meus pais eram grandes sonhadores e tinham uma ideia romântica sobre o sistema educacional do país. Eles amavam a Inglaterra de uma forma que só quem não é da Inglaterra pode amar", diz, com ironia.
Quando ele era pequeno, os pais o mandaram para um internato. "Fiquei na escola inglesa até completar 18 anos. Completamente infeliz e sonhando pela liberdade. Mas eu era um bom menino. Na verdade, eu era um ótimo menino. Sempre fiz tudo que me pediam, era um estudante exemplar, mas, internamente, continuava muito triste."
Seus pais dedicavam-se um ao outro e não eram lá muito "interessados em crianças". Coube à babá, Bertha, criar o menino e sua irmã. Vinda de uma pequena aldeia na Suíça e sem nenhuma educação formal, ela é considerada por Botton uma das pessoas mais sábias com as quais já conviveu. Nos conflitos, ela o incentivava a se colocar no lugar do outro. "Até hoje (Bertha está com 87 anos), quando tenho algum problema, ligo para ela".
Aos 23 anos, escreveu "Ensaios de Amor", relato autobiográfico em que analisa as etapas de um relacionamento amoroso (com a namorada da ocasião, Chloe), do começo ao fim. O livro fez bastante sucesso e foi vendido em diversos países. "Foi uma surpresa – e assustador."
Será que os fatos citados acima podem ter contribuído para despertar em Alain de Botton o desejo de criar uma escola que possa ensinar as pessoas a viver? - eis uma pergunta que deixo para vocês, e que de mim recebe resposta afirmativa.
O nome The School of Life é uma provocação à arrogância intelectual das universidades, diz Botton. Muitas vezes os locais de ensino transformam o conhecimento em mero exercício acadêmico, em vez de usá-lo como guia para ajudar alunos a lidar com as questões práticas. "Atuamos justamente sobre ações, não só ideias. Ideias que são colocadas em prática. Nossos cursos giram em torno das decisões importantes da vida."
No início da School of Life, Botton convocou os melhores professores universitários para dar aulas, mas não deu certo. Foi um "de-sas-tre!", recorda, e repete: "de-sas-tre!". Os acadêmicos, diz, eram frios e esnobes. Sabiam a teoria, mas eram completamente inábeis para lidar com questões práticas. O corpo docente, então, passou a ser selecionado com o auxílio de uma série de testes. A maior parte tem familiaridade com psicoterapia, mas os talentos vêm também de lugares não convencionais. Gente que fez teatro, criou os filhos, trabalhou em banco e pescou nos fins de semana. O essencial, diz, é que seja alguém capaz de criar um ambiente acolhedor na sala para que o grupo se sinta à vontade para se expor. A School of Life seria "a casa da vulnerabilidade honesta", diz.
Em um dos eventos da escola, participantes são convidados a escreverem sobre seus problemas em um pedaço de papel. A gama de queixas é impressionante, segundo Botton. "Meu Deus! São pessoas cultas, com dinheiro e saúde, mas se você visse o que aparece... Vício em drogas, em sexo. Separação, demissão. A maioria de nós usa máscaras e não mostra o que está por trás. Temos receio de ser ridicularizados e taxados de esquisitos. Mas, se tirássemos a máscara, a vida seria tão mais gentil com a gente, sabe? Isso é o que significa amizade."
Ele não tem pudor em assumir que sua escola é de autoajuda, mas faz questão de se diferenciar dos gurus da área, principalmente os americanos. A cultura de autoajuda nos Estados Unidos, diz, é excessivamente otimista, acredita na perfeição e prega que basta o sujeito acreditar em si mesmo e correr atrás de seus objetivos para alcançar tudo o que deseja.
Botton sugere que uma filosofia pessimista pode ser mais valiosa e define sua escola como uma "organização trágica". A arte trágica, tal como desenvolvida pelo teatro grego na Antiguidade, era essencialmente uma forma de arte dedicada a mostrar como a vida é imperfeita e como as pessoas fracassam e merecem compaixão. Talvez não haja "solução" para muitas de nossas aflições, diz Botton, já que elas são inerentes à vida, mas é possível encontrar "consolação", uma palavra mais modesta e mais afinada com sua filosofia.
Impaciência e raiva, diz, são questões prementes da vida contemporânea. Para ele, a raiva é um otimismo malogrado. O filósofo cita exemplos. Por que você grita no trânsito? Porque acreditou que as ruas estariam livres. Por que entra em pânico ao perder as chaves? Porque acredita que não irá perdê-las. Botton aconselha senso de humor e uma boa dose de pessimismo: quanto menor a expectativa, menor a frustração.
Lançado aqui pela editora Sextante na ocasião de sua visita, "Grandes pensadores" faz parte da série de livros da School of Life. É uma compilação de ideias encontradas nas obras de filósofos, teóricos políticos, psicanalistas, sociólogos e artistas. Ateu, Botton o define como uma espécie de Bíblia ou livro de receitas intelectuais que podem ser aplicadas na vida. Alguns capítulos são dedicados à filosofia oriental. O zen-budismo, explica, aprecia as imperfeições, valoriza os tombos e a capacidade de superá-los. "Para eles, o 'quebrado' não é terrível, pode ser consertado. A parte quebrada é mais preciosa do que a intacta. Sinal de experiência de vida, de sofrimento, parte intrínseca da condição humana.". A sabedoria e beleza, diz, é justamente a habilidade de colar os cacos de volta.
Os filósofos gregos também são contemplados em sua "Bíblia", pois embora tenham vivido há milênios, são ainda guias indispensáveis para a vida nas sociedades capitalistas, diz Botton. Epicuro (341 a.C. – 271 a.C.), por exemplo, salientava que o amor romântico, o sucesso profissional e o luxo seriam falsas fontes de felicidade. O essencial, para ele, era ter sempre bons amigos por perto. "A amizade é a defesa contra a tragédia", diz Botton.
A obra inspiradora do escritor francês Marcel Proust (1871 – 1922), "Em Busca do Tempo Perdido", é uma história repleta de ideias práticas e universalmente aplicáveis sobre como parar de desperdiçar a vida, diz Botton.
Autora de "Orgulho e Preconceito", a escritora inglesa Jane Austen (1775 – 1817), tinha aguda consciência das imperfeições humanas e um desejo profundo de melhorar as pessoas. Assim como Botton, entendia o amor como uma habilidade. "A pessoa certa para nós não é simplesmente a que nos deixa confortáveis, ela tem que ser capaz de nos ajudar a superar nossos defeitos e nos tornar mais maduros."
Dentre seus próximos projetos estão um livro elencando 20 discussões comuns entre casais e outro dedicado a ser um guia mental para crianças entre 8 e 12 anos. Todo mundo, no fim das contas, é profundamente problemático e difícil de conviver, diz Botton.
Ele diz acreditar que aplicativos de relacionamento, como o Tinder, vão na contramão da filosofia de sua escola. Neles, as pessoas apresentam sua melhor faceta e escondem suas falhas. Tivesse ele que criar um aplicativo do tipo, batizaria-o de Tinder Moletom. "Quando você gosta de uma pessoa, não a quer sempre toda arrumada, mas usando seu velho par de jeans. Acho triste uma cultura que considera que só é possível encontrar amor mentindo sobre quem se é. Essa é uma ideia inútil. Se eu tivesse que refazer o Tinder, o faria mais humano. Nele, seria possível mostrar quem realmente a pessoa é, e também aceitar o outro. Acho isso muito mais romântico", afirma.
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Será que a banda Titãs está certa quando, em uma bela canção lançada em 1998, afirma que "É preciso saber viver"? Será que o simples de fato de sermos seres, inevitavelmente, envolvidos com uma coisa chamada vida não deveria ser suficiente para despertar em nós um forte interesse em aprender a viver? Será que refletir sobre o que é dito por alguém que dedica sua vida a manter uma Escola da Vida é algo que deve interessar a todos nós? Afinal, como diz Alain de Botton na última frase do segundo parágrafo acima - "Todo mundo, no fim das contas, é profundamente problemático e difícil de conviver".

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