Não, não é sobre um
antigo filme homônimo lançado em 1971 que fala esta postagem, e sim sobre uma
recente reportagem-entrevista homônima publicada na edição de 21, 22 e 23 de
dezembro de 2018 do jornal Valor, em
seu tablóide EU & FIM DE SEMANA, na época da visita
ao Brasil do filósofo suíço Alain de Botton, criador de The School of Life. Uma reportagem-entrevista assinada por Adriana
Abujamra da qual gostei tanto que resolvi fazer uma postagem com uma compilação
de fatos e de ideias nela apresentados.
Ensina-me a viver
Alain de Botton nasceu
em Zurique, na Suíça, e aos 8 anos foi levado para Londres. "Meus pais
eram grandes sonhadores e tinham uma ideia romântica sobre o sistema
educacional do país. Eles amavam a Inglaterra de uma forma que só quem não é da
Inglaterra pode amar", diz, com ironia.
Quando ele era
pequeno, os pais o mandaram para um internato. "Fiquei na escola inglesa
até completar 18 anos. Completamente infeliz e sonhando pela liberdade. Mas eu
era um bom menino. Na verdade, eu era um ótimo menino. Sempre fiz tudo que me pediam,
era um estudante exemplar, mas, internamente, continuava muito triste."
Seus pais dedicavam-se
um ao outro e não eram lá muito "interessados em crianças". Coube à
babá, Bertha, criar o menino e sua irmã. Vinda de uma pequena aldeia na Suíça e
sem nenhuma educação formal, ela é considerada por Botton uma das pessoas mais
sábias com as quais já conviveu. Nos conflitos, ela o incentivava a se colocar
no lugar do outro. "Até hoje (Bertha está com 87 anos), quando tenho algum
problema, ligo para ela".
Aos 23 anos, escreveu
"Ensaios de Amor", relato autobiográfico em que analisa as etapas de
um relacionamento amoroso (com a namorada da ocasião, Chloe), do começo ao fim.
O livro fez bastante sucesso e foi vendido em diversos países. "Foi uma
surpresa – e assustador."
Será que os fatos citados
acima podem ter contribuído para despertar em Alain de Botton o desejo de criar
uma escola que possa ensinar as pessoas a viver? - eis uma pergunta que deixo
para vocês, e que de mim recebe resposta afirmativa.
O nome The School of
Life é uma provocação à arrogância intelectual das universidades, diz Botton.
Muitas vezes os locais de ensino transformam o conhecimento em mero exercício
acadêmico, em vez de usá-lo como guia para ajudar alunos a lidar com as
questões práticas. "Atuamos justamente sobre ações, não só ideias. Ideias
que são colocadas em prática. Nossos cursos giram em torno das decisões
importantes da vida."
No início da School of
Life, Botton convocou os melhores professores universitários para dar aulas,
mas não deu certo. Foi um "de-sas-tre!", recorda, e repete:
"de-sas-tre!". Os acadêmicos, diz, eram frios e esnobes. Sabiam a
teoria, mas eram completamente inábeis para lidar com questões práticas. O
corpo docente, então, passou a ser selecionado com o auxílio de uma série de
testes. A maior parte tem familiaridade com psicoterapia, mas os talentos vêm
também de lugares não convencionais. Gente que fez teatro, criou os filhos,
trabalhou em banco e pescou nos fins de semana. O essencial, diz, é que seja
alguém capaz de criar um ambiente acolhedor na sala para que o grupo se sinta à
vontade para se expor. A School of Life seria "a casa da vulnerabilidade
honesta", diz.
Em um dos eventos da
escola, participantes são convidados a escreverem sobre seus problemas em um
pedaço de papel. A gama de queixas é impressionante, segundo Botton. "Meu
Deus! São pessoas cultas, com dinheiro e saúde, mas se você visse o que
aparece... Vício em drogas, em sexo. Separação, demissão. A maioria de nós usa
máscaras e não mostra o que está por trás. Temos receio de ser ridicularizados
e taxados de esquisitos. Mas, se tirássemos a máscara, a vida seria tão mais
gentil com a gente, sabe? Isso é o que significa amizade."
Ele não tem pudor em
assumir que sua escola é de autoajuda, mas faz questão de se diferenciar dos
gurus da área, principalmente os americanos. A cultura de autoajuda nos Estados
Unidos, diz, é excessivamente otimista, acredita na perfeição e prega que basta
o sujeito acreditar em si mesmo e correr atrás de seus objetivos para alcançar
tudo o que deseja.
Botton sugere que uma
filosofia pessimista pode ser mais valiosa e define sua escola como uma
"organização trágica". A arte trágica, tal como desenvolvida pelo
teatro grego na Antiguidade, era essencialmente uma forma de arte dedicada a
mostrar como a vida é imperfeita e como as pessoas fracassam e merecem
compaixão. Talvez não haja "solução" para muitas de nossas aflições,
diz Botton, já que elas são inerentes à vida, mas é possível encontrar
"consolação", uma palavra mais modesta e mais afinada com sua
filosofia.
Impaciência e raiva,
diz, são questões prementes da vida contemporânea. Para ele, a raiva é um
otimismo malogrado. O filósofo cita exemplos. Por que você grita no trânsito?
Porque acreditou que as ruas estariam livres. Por que entra em pânico ao perder
as chaves? Porque acredita que não irá perdê-las. Botton aconselha senso de
humor e uma boa dose de pessimismo: quanto menor a expectativa, menor a
frustração.
Lançado aqui pela
editora Sextante na ocasião de sua visita, "Grandes pensadores" faz
parte da série de livros da School of Life. É uma compilação de ideias
encontradas nas obras de filósofos, teóricos políticos, psicanalistas,
sociólogos e artistas. Ateu, Botton o define como uma espécie de Bíblia ou
livro de receitas intelectuais que podem ser aplicadas na vida. Alguns
capítulos são dedicados à filosofia oriental. O zen-budismo, explica, aprecia
as imperfeições, valoriza os tombos e a capacidade de superá-los. "Para
eles, o 'quebrado' não é terrível, pode ser consertado. A parte quebrada é mais
preciosa do que a intacta. Sinal de experiência de vida, de sofrimento, parte
intrínseca da condição humana.". A sabedoria e beleza, diz, é justamente a
habilidade de colar os cacos de volta.
Os filósofos gregos
também são contemplados em sua "Bíblia", pois embora tenham vivido há
milênios, são ainda guias indispensáveis para a vida nas sociedades
capitalistas, diz Botton. Epicuro (341 a.C. – 271 a.C.), por exemplo,
salientava que o amor romântico, o sucesso profissional e o luxo seriam falsas
fontes de felicidade. O essencial, para ele, era ter sempre bons amigos por
perto. "A amizade é a defesa contra a tragédia", diz Botton.
A obra inspiradora do
escritor francês Marcel Proust (1871 – 1922), "Em Busca do Tempo
Perdido", é uma história repleta de ideias práticas e universalmente
aplicáveis sobre como parar de desperdiçar a vida, diz Botton.
Autora de
"Orgulho e Preconceito", a escritora inglesa Jane Austen (1775 –
1817), tinha aguda consciência das imperfeições humanas e um desejo profundo de
melhorar as pessoas. Assim como Botton, entendia o amor como uma habilidade.
"A pessoa certa para nós não é simplesmente a que nos deixa confortáveis,
ela tem que ser capaz de nos ajudar a superar nossos defeitos e nos tornar mais
maduros."
Dentre seus próximos projetos estão um livro elencando 20 discussões
comuns entre casais e outro dedicado a ser um guia mental para crianças entre 8
e 12 anos. Todo mundo, no fim das contas, é profundamente problemático e
difícil de conviver, diz Botton.
Ele diz acreditar que
aplicativos de relacionamento, como o Tinder, vão na contramão da filosofia de
sua escola. Neles, as pessoas apresentam sua melhor faceta e escondem suas
falhas. Tivesse ele que criar um aplicativo do tipo, batizaria-o de Tinder Moletom.
"Quando você gosta de uma pessoa, não a quer sempre toda arrumada, mas
usando seu velho par de jeans. Acho triste uma cultura que considera que só é
possível encontrar amor mentindo sobre quem se é. Essa é uma ideia inútil. Se
eu tivesse que refazer o Tinder, o faria mais humano. Nele, seria possível
mostrar quem realmente a pessoa é, e também aceitar o outro. Acho isso muito
mais romântico", afirma.
*************
Será que a banda Titãs está certa quando, em uma bela
canção lançada em 1998, afirma que "É preciso saber viver"? Será que o
simples de fato de sermos seres, inevitavelmente, envolvidos com uma coisa
chamada vida não deveria ser suficiente para despertar em nós um forte
interesse em aprender a viver? Será que refletir sobre o que é dito por alguém
que dedica sua vida a manter uma Escola
da Vida é algo que deve interessar a todos nós? Afinal, como diz Alain de
Botton na última frase do segundo parágrafo acima - "Todo mundo, no fim das contas, é
profundamente problemático e difícil de conviver".
Nenhum comentário:
Postar um comentário