Não deixe a grana tirar seu sono, recomenda Carol
Vaisman no título de uma reportagem em que apresenta uma entrevista com o
filósofo John Armstrong, autor do livro Como
Se Preocupar Menos com Dinheiro. Recomendação que, em tom mais contundente,
poderia ser - Não deixe a grana tirar sua
vida -, pois, embora não seja frequentemente divulgado pela mídia, é cada
vez mais frequente a ocorrência de suicídios motivados por dificuldades
financeiras.
Dificuldades financeiras! Eis um problema que
afeta a imensa maioria dos integrantes deste planeta. Dificuldades oriundas, numa
enorme quantidade de vezes, das facilidades de crédito oferecidas por
instituições inescrupulosas a indivíduos incautos que fascinados pela facilidade
para comprar não enxergam a dificuldade que terão para pagar. Indivíduos
incautos que fascinados pela liberdade para comprar jamais enxergarão a escravização
oriunda do endividamento.
Gostei demais da entrevista concedida pelo filósofo
e dela destaco os trechos apresentados nos dois parágrafos imediatamente abaixo.
(os grifos são meus)
"Cartão de crédito é uma invenção infeliz. Ele combina duas coisas que deveriam ser mantidas separadas: a facilidade de comprar e um empréstimo. Endividamento faz sentido para fins de investimento, para gerar riqueza, não para consumo. (...) O cartão de crédito nos dá a opção de compra de coisas que não podemos realmente pagar – e, portanto, de sacrificar o futuro pelo presente. Em um mundo ideal, as pessoas não seriam autorizadas a contrair empréstimos para consumo."
"Quando temos de pagar em dinheiro – em notas reais -, ficamos muito mais conscientes do que estamos gastando. Transações virtuais diminuem a dor dos gastos, o que provavelmente é uma coisa ruim, embora seja totalmente compreensível que queiramos diminuir essa dor. A dor é, biologicamente falando, um sinal de alerta sobre o perigo. Então, se você elimina a dor, você elimina o sinal de alerta."
E ao citar os dois parágrafos imediatamente acima,
o método das recordações sucessivas leva-me a reproduzir nos dois parágrafos imediatamente
abaixo algo que li na coluna de Márcia Dessen (planejadora financeira pessoal,
diretora do IBCPF [Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais
Financeiros] e autora do livro "Finanças
Pessoais: O que Fazer com meu Dinheiro") na edição de 28 de março de
2016 do jornal Folha de S.Paulo, em sua coluna semanal das
segundas-feiras.
"Só dinheiro. Para não gastar além do limite, pague tudo em dinheiro. Quando acabar, acabou. Você vai pensar três vezes antes de comprar se tiver de usar dinheiro. Ele é finito, se você comprar o sapato, vai faltar para o encontro com as amigas combinado há tanto tempo. Um exercício de escolha a cada compra."
"Cartão de crédito. Cancele, tranque numa gaveta e perca a chave, coloque em um copo com água no freezer. Saia de casa sem ele, desapegue. Pense que a maldita fatura chega e o pagamento mínimo não é opção. Pagar juros de 15% ao mês? Loucura! Quintuplicar o valor da bolsa que comprou? Você está brincando de "leve um e pague quatro", rasgando dinheiro."
"Leve
um e pague quatro", diz Márcia Dessen. "Possibilidade de usar o
plástico e não apenas dinheiro aumenta a disposição para pagar mais por um
produto.", diz o subtítulo de uma reportagem publicada na edição de 4 de
abril de 2016 do jornal Folha de S.Paulo, com a indicação de ter sido
publicada no The New York Times, sob o título Cartões
de crédito estimulam gasto maior.
Há uma frase que ouvi de um ex-colega de
trabalho que talvez seja uma ótima definição de cartão de crédito. "Cartão
de crédito é algo que as pessoas usam para comprar coisas das quais não
necessitam com dinheiro que não têm.".
Cartões de crédito é um tema sobre o qual já
tive oportunidade de publicar três postagens no blog Espalhando ideias e uma no blog Lendo e opinando. Para
evitar repetir aqui coisas já ditas em tais postagens, seguem os links para
aqueles que quiserem ler mais sobre o assunto. A
História Secreta do Cartão de Crédito (16 de setembro de 2011), Reflexões
provocadas pela história secreta do cartão de crédito (22 de setembro
de 2011), O
segundo do espanto (23 de setembro de 2011) e Cartões
de crédito estimulam gasto maior (30.04.2016).
Impressiona-me
demais a facilidade com que fascinadas por algo denominado praticidade as
pessoas passam a usar coisas que lhes são prejudiciais. Acrescente-se a esse
fascínio a vaidade que as leva a quererem ser vistas como indivíduos
perfeitamente adaptados a toda e qualquer novidade tecnológica que lhe seja
oferecida e a desgraça estará completa.
"Em
um mundo ideal, as pessoas não seriam autorizadas a contrair empréstimos para
consumo. (...) Quando temos de pagar em dinheiro – em notas reais -, ficamos
muito mais conscientes do que estamos gastando.", diz o filósofo John
Armstrong.
Ficar
conscientes do que estamos fazendo, eis uma condição imprescindível para a
construção de um mundo ideal. Um mundo em que seria desnecessária a repetição daquele
pedido feito por um mestre que por aqui passou há quase dois mil anos: "Pai,
perdoai-os ... eles não sabem o que fazem".
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