sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Partir com elegância

Neste dia "lembrativo" dos (as) que já partiram desta dimensão, segue um instigante texto extraído do livro "O Que Fazemos Neste Mundo?" de Richard Simonetti (1935 – 2018).
Partir com elegância
Não é de bom gosto, nem prudente, deixar este mundo pela porta falsa do suicídio, que apenas nos precipita em tormentos inenarráveis.
Há um aspecto interessante sobre o assunto, que merece nossa consideração.
Em 17 de abril de 1955, Albert Einstein (1879 – 1955), o grande físico alemão, foi internado em decorrência da ruptura de um aneurisma da aorta abdominal.
Anteriormente, em 1948, já havia sido operado por ameaça de problema semelhante.
Fazia-se necessária nova cirurgia, com urgência, complicada e imprevisível, em face de sua idade, mas Einstein recusou-se, dizendo:
É de mau gosto ficar prolongando a vida artificialmente. Eu fiz a minha parte, é hora de partir e vou fazê-lo com elegância.
Na manhã do dia seguinte desencarnou, aos setenta e seis anos, após uma existência dedicada à ciência, trabalhando sempre, até o último suspiro.
Interessante e sugestiva a expressão de Einstein: morrer com elegância.
O leitor perguntará se é possível ser elegante diante da grande ceifeira, já que as pessoas costumam agarrar-se com unhas e dentes à vida física, em base de daqui não saio, daqui ninguém me tira. Terminam por serem literalmente despejadas pela implacável senhora, que não dá a mínima para seus apelos, expulsando-as do corpo, situado como uma casa em ruínas.
Lamentável essa inútil resistência. Tudo o que o paciente conseguirá será prolongar a própria agonia.
Melhor soltar-se, partir com elegância.
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Na atualidade, os recursos da Medicina, extremamente sofisticados, podem prolongar a vida de um paciente terminal por dias, semanas e até meses, na UTI – Unidade de Terapia Intensiva.
Dificuldade para respirar?
Entubação.
Acúmulo de secreção, ameaçando sufocar o paciente?
Traqueostomia.
Não consegue comer?
Alimentação parenteral.
Rins paralisando?
Hemodiálise.
Coração fibrilando?
Eletrochoque.
Isso tudo torturando o paciente solitário na UTI, ambiente gelado, fios por todos os lados, tubos garganta adentro, dores no corpo pela imobilidade, escaras apontando, sensação de horror em momentos de despertar...
Por que tal empenho?
Por que essa batalha inglória?
Resposta simples: É para atender ao decantado respeito humano, que impõem combate sem tréguas à indesejável senhora, mesmo sabendo que se está investindo numa causa perdida, com ônus emocionais para todos, principalmente para o paciente.
Se é terminal, por que submetê-lo a torturas inúteis?
A UTI fica bem para pacientes que podem estar correndo risco de morte em virtude de acidentes, enfartos, infecção, ou que precisem desse tipo de assistência após uma cirurgia. Não são terminais.
***
Diante de um paciente idoso, câncer disseminado, prestes a sofrer falência múltipla dos órgãos, o médico conversou com a família:
- Se o internarmos na UTI poderemos mantê-lo vivo por algum tempo, mas em coma induzido, com toda a parafernália ali utilizada. O que faremos?
A família, acertadamente, optou por mantê-lo em casa.
Dois dias depois faleceu, amparado pelo carinho e a solicitude de seus entes queridos.
Veja bem, leitor amigo: não se trata de abreviar a vida de um paciente, em crime de eutanásia, mas de não tentar reter alguém de partida.
Tal procedimento é hoje admitido pela Medicina, caracterizado como ortotanásia, a morte sem dor.
Se o paciente é terminal, que lhe proporcionemos o conforto necessário, minorando seus padecimentos com medicação apropriada, mas suspendendo a utilização de recursos que apenas prolongarão seus padecimentos.
É algo para pensar, leitor amigo.
Se concorda comigo, será interessante conversar com a família sobre o assunto, a fim de que, quando chegar sua vez de bater as botas, seus entes queridos superem o enganoso respeito humano, com medidas desesperadas que apenas retardam a liberação da alma.
Assim você poderá retornar ao mundo espiritual de forma elegante, como Einstein.
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Autor de mais de 60 livros que ajudaram, ajudam e continuarão ajudando milhares de pessoas a responder à pergunta que intitula o 63º - "O que fazemos neste mundo?" -, publicado em outubro de 2017, no dia 3 de outubro mais recente, aos 82 anos, Richard Simonetti partiu com elegância para outra dimensão.

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