Considerando a enorme dificuldade encontrada
pela maioria das pessoas para lidar adequadamente com essa coisa denominada
dinheiro e o fato de estarmos nos aproximando daquele período do ano em que
muitas delas adoram prometer a si mesmas mudanças comportamentais no próximo ano,
com a intenção de estimular a revisão de nossa relação com essa coisa tão
cultuada nesta civilização (sic), resolvi aproveitar este momento para espalhar
uma interessante reportagem-entrevista de Carol Vaisman publicada na extinta
revista Lola. Quando? Não sei. Por
que não sei? Porque, tendo guardado apenas as páginas referentes à entrevista,
constatei que nelas está impresso apenas o nome da revista, mas não o mês e ano
de publicação. Pesquisando na internet, descobri que a primeira edição da
revista foi em outubro de 2010 e a última em agosto de 2013. Considerando que o
livro nela citado foi publicado, no Brasil, em 2012, imagino que a reportagem tenha
sido publicada em 2012 ou 2013.
'Não deixe a grana
tirar o seu sono
O filósofo John
Armstrong defende que a maioria das dores de cabeça financeiras das pessoas é
muito mais psicológica do que real. E acontece quando o dinheiro desempenha um
papel mais importante do que pagar as contas – e vira marcador de sucesso
Ter dinheiro para pagar a mensalidade salgada
da escola do filho, para colocar gasolina no carro e ficar em dia com o
condomínio. Quase todo mundo tem de lidar com problemas reais e imediatos como
esses, tentando se equilibrar com a equação adicional de poupar um dinheirinho
para o futuro e ainda fazer uma viagenzinha nas férias, porque ninguém é de
ferro. Só que, não contentes, gostamos de arrumar mais preocupações em nossa
complicada relação com o dinheiro – preocupações que podemos, sim, evitar.
É o que defende o filósofo John
Armstrong, consultor na Universidade de Melbourne e autor do livro Como Se Preocupar Menos com Dinheiro
(Objetiva, 168 págs., R$ 26,90), que faz parte da coleção com selo da escola
londrina de cursos The School of Life, do filósofo e escritor Alain de Botton.
"Muitas vezes, as preocupações com
dinheiro dizem mais sobre quem se preocupa do que sobre o mundo – são
preocupações sobre o que está acontecendo em sua cabeça, não com o que se passa
em sua conta bancária", explica o autor. Isso acontece com quem vê o
dinheiro não como um meio de troca, mas sim como, por exemplo, um elemento de
autoestima, um marcador de sucesso e respeitabilidade e, portanto, alimento da
inveja mais comezinha. "Em vez de deixar a falta de dinheiro ser um peso,
você precisa pensar criativamente em função do que já tem", diz Armstrong.
Em entrevista a LOLA, ele fala ainda sobre as diferenças na relação
com o dinheiro que existem entre homem e mulher, entre diferentes faixas
etárias e sobre o perigo que o cartão de crédito e as transações virtuais
representam.
LOLA: É realmente possível
se preocupar menos com dinheiro?
John Armstrong: O dinheiro é tão
importante na vida quanto difícil de lidar, é normal ficarmos preocupados. No
entanto, muitas vezes pensamos nele de maneira inútil ou confusa. No livro,
faço a distinção entre problemas reais envolvendo dinheiro e preocupações que
têm origem psicológica. Eu acho que é possível reduzir as excessivas e
improdutivas preocupações compreendendo melhor as questões e os sentimentos que
as motivam.
LOLA: Então, como podemos
separar as necessidades reais de nossas preocupações?
Armstrong: A melhor maneira é se fazendo uma
pergunta que, a princípio, pode parecer estranha: "Quando dinheiro não é
dinheiro?". Quero dizer: "Quando o dinheiro está desempenhando um
papel na minha vida que não tem a ver com questões e necessidades financeiras?".
Um exemplo simples: as pessoas costumam comparar seus salários e ficam
chateadas quando percebem que não ganham tanto quanto uma outra. Essas
comparações – que não passam de inveja – criam um grande desconforto.
LOLA: E quando dinheiro é só dinheiro?
Armstrong: Quando está sendo usado apenas como
meio de troca. Por exemplo: 100 dólares são iguais a 40 xícaras de café em
determinado lugar. O mesmo valor pode corresponder a cinco horas de trabalho
naquele café ou a meia hora de consulta de um médico. Tudo depende do ponto de
vista. A pessoa que trabalha no café pode se orgulhar de seu emprego, e esse
médico pode invejar um colega que ganhe mil dólares para realizar uma cirurgia
de meia hora. Nesses casos, dinheiro não é só dinheiro: é um marcador de
sucesso ou fracasso.
LOLA: Então, podemos dizer
que é um erro associar dinheiro a status e a satisfação pessoal?
Armstrong: Claro, mas é difícil quebrar esse
hábito. Dinheiro é um recurso. Sendo assim, ele não pode, sozinho, gerar
satisfação pessoal. Mas a confusão surge por uma razão simples: dinheiro é como
um ingrediente. Se você usá-lo bem, poderá produzir algo maravilhoso, uma vida
genuína e boa. Sozinho, não poderá produzir nada.
"Dinheiro é como
um ingrediente: sozinho não produz nada. Mas, usado bem, pode produzir algo
maravilhoso"
LOLA: Dinheiro compra felicidade?
Armstrong: Há um erro conceitual aí. É
absolutamente claro que o dinheiro não pode comprar felicidade, mas a relação
entre ter dinheiro e levar uma vida boa é totalmente real, embora seja mais
complicado do que pareça. Se uma pessoa é ponderada, inteligente e tem bastante
dinheiro, poderá fazer muito mais ao mundo do que se não tivesse dinheiro. Em
última análise, sua vida terá um sucesso maior. Parte da confusão acontece
porque nos concentramos na noção de contentamento interior. E ter uma boa vida
não é só questão de contentamento, e sim o quão bem você pode fazer aos outros.
LOLA: E o amor verdadeiro?
Compra?
Armstrong: Temos de distinguir o apaixonar-se de
construir um bom relacionamento. Certamente, o dinheiro, por si só, não pode
comprar o sentimento do amor. No entanto, um bom e duradouro relacionamento
depende de muitas coisas – e uma delas é ter uma quantia decente de dinheiro.
Ficamos confusos porque pensamos em dinheiro de forma isolada. De novo:
sozinho, sem outras qualidades, o dinheiro é totalmente incapaz de produzir
algo bom.
Continua na próxima sexta-feira
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