domingo, 8 de julho de 2018

Reflexões provocadas por "A ilusão da imortalidade (final)

Cumprindo o prometido na anterior, segue uma postagem cuja intenção é espalhar a imprescindibilidade de aprender a lidar adequadamente com a mortalidade do corpo. E para iniciar mais estas reflexões provocadas pelo texto de Pedro Calabrez, parto das mesmas frases com que iniciei a postagem anterior. "Vivemos sob uma terrível ilusão de imortalidade. Ou talvez um esquecimento conveniente da nossa mortalidade.".
Frases das quais (lembrando que a mortalidade a que me refiro é do corpo) o trecho - "... um esquecimento conveniente da nossa mortalidade." - me traz à mente uma indagação. Será que faz sentido considerar conveniente um esquecimento do qual (como se pode deduzir ao ler o texto de Calabrez) resultam inúmeros inconvenientes? E ao falar em esquecimento, seleciono no texto o seguinte lembrete: "Memento mori. Lembre-se de que você irá morrer.". Lembrete imediatamente sucedido pelas seguintes palavras.
"E quem me ouve dizer isso, pode pensar: 'Mas que coisa triste! Isso é um jeito horrível de enxergar a vida!'. Não. Discordo totalmente. Triste é chegar ao fim da vida, olhar para trás e perceber que desperdiçamos nosso precioso tempo e nossa preciosa energia com pessoas e projetos que não valeram a pena. Triste é arrepender-se por não ter aproveitado, por não ter tentado, por não ter arriscado.", diz Calabrez.
Em outras palavras, "triste é arrepender-se por não ter aproveitado" uma experiência humana para evoluir espiritualmente, pois, como disse Teilhard de Chardin, "Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana". "Triste é chegar ao fim" de uma experiência humana, "olhar para trás e perceber que desperdiçamos nosso precioso tempo" sem usá-la (a experiência) em prol de nossa evolução espiritual. Perceber que nosso precioso tempo foi desperdiçado dando importância a pessoas e projetos que não valeram a pena, e que perdemos uma oportunidade de dar a devida importância a quem deveríamos ter dado. Lembram do que disse a raposa ao Pequeno Príncipe: "Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante.". Pois é!
Dedicar tempo, eis a forma de dar importância. Dedicar tempo "às relações - amizades, namoros, casamentos e relações familiares" -, lembrando que memento mori abrange as pessoas envolvidas em tais relações, ou seja, lembrando que elas também irão morrer. Em um e-mail recebido de uma integrante de uma lista de destinatários composta de amigos (as) que preferem receber as postagens por e-mail em vez de lê-las no blog, em resposta à postagem anterior, recebi o seguinte comentário.
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Caríssimo amigo...
Quando se lê sobre esse tema, em geral pensamos na finitude da própria vida, nas ideias de carpe diem, etc, e esquecemos da finitude de nossos pais e mães, que, desde sempre tão presentes, pensamos que são imortais.
E aí quando se vão, o susto, a dificuldade de entender e de viver nessa nova situação de órfão, velho-orfão!
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"E aí quando se vão, o susto, a dificuldade de entender e de viver nessa nova situação de órfão, velho-orfão!", diz a autora do comentário enviado por e-mail.
"É aí que ele surge. O sentimento mais comum nesse vazio deixado por quem vai embora: o arrependimento. Por não ter feito isto ou aquilo. Por não ter valorizado. Por não ter agradecido. Por não ter estado lá. Por não ter tentado.", diz Pedro Calabrez em seu excelente texto. E ele acrescenta. "Isso me remete ao ponto inicial: uma das grandes raízes disso é a ilusão de imortalidade. Acreditamos que viveremos para sempre. Convenientemente, esquecemos da nossa própria morte. Com isso, caímos em um delírio de que as oportunidades estarão sempre lá, ao nosso alcance.".
E aí eu faço a seguinte pergunta. O que origina tal arrependimento? Pergunta que, semelhantemente ao que ocorreu com Calabrez, remete-me ao ponto inicial: "uma das grandes raízes do arrependimento é" o esquecimento inconveniente da nossa mortalidade... do corpo. Esquecimento que, no meu entender, tem suas raízes na falta de uma determinada educação. Qual educação? A Educação para a Morte. O parágrafo imediatamente abaixo foi extraído de um livro intitulado Educação para a Morte de J. Herculano Pires.
"O homem nasce e ensinam-lhe a educação para a vida. Não obstante, a morte é o certo-negado, omitido sempre que possível, pintado nas cores do vazio misterioso. Por isso, nem há vida plena nem morte tranquila. Tudo se resume num viver em sobressaltos que as próprias religiões alimentam."
E de lembrança em lembrança, o método das recordações sucessivas traz a seguinte afirmação de Edward Gibbon: "O homem recebe duas classes de educação. Uma que lhe dão os demais; outra a mais importante, que ele dá a si mesmo.". "Educação para a Morte!", eis a educação que Sócrates deve ter dado a si mesmo, e que julgo explicar sua estranhíssima atitude relatada no próximo parágrafo, também extraído do livro Educação para a Morte citado acima.
"Quando o Júri de Atenas condenou Sócrates à morte, ao invés de lhe dar um prêmio, sua mulher correu aflita para a prisão, gritando-lhe: "Sócrates, os juízes te condenaram à morte". O filósofo respondeu calmamente: "Eles também já estão condenados". A mulher insistiu no seu desespero: "Mas é uma sentença injusta!". E ele perguntou: "Preferias que fosse justa?". A serenidade de Sócrates era o produto de um processo educacional: a Educação para a Morte. É curioso notar que em nosso tempo só cuidamos da Educação para a Vida."
"Educação para a Morte!", eis a explicação para a atitude de Einstein relatada no episódio extraído do livro "O que fazemos neste mundo?" de Richard Simonetti, reproduzido no próximo parágrafo.
"Em 17 de abril de 1955, Albert Einstein (1879 – 1955), o grande físico alemão, foi internado em decorrência da ruptura de um aneurisma da aorta abdominal. Anteriormente, em 1948, já havia sido operado por ameaça de problema semelhante. Fazia-se necessária nova cirurgia, com urgência, complicada e imprevisível, em face de sua idade, mas Einstein recusou-se, dizendo: É de mau gosto ficar prolongando a vida artificialmente. Eu fiz a minha parte, é hora de partir e vou fazê-lo com elegância. Na manhã seguinte desencarnou, aos setenta e seis anos, após uma existência dedicada à ciência, trabalhando sempre, até o último suspiro. Interessante e sugestiva a expressão de Einstein: morrer com elegância."
Eu fiz a minha parte, é hora de partir e vou fazê-lo com elegância. E partindo dessa afirmação de Einstein, faço a seguinte pergunta. Será que ter a consciência de ter feito a sua parte na dificílima tarefa de aprender a conviver é condição sine qua non para livrar-nos do que Pedro Calabrez classifica como "o sentimento mais comum nesse vazio deixado por quem vai embora: o arrependimento." Creio que sim. "Viver é de todos, conviver é de poucos, e conviver bem é para quantos disponham encetar nova jornada ante a nossa condição de 'cidadãos do universo'", diz uma sugestiva afirmação extraída do livro Unidos pelo Amor, de Wanderley S. de Oliveira.
Nossa! Que postagem difícil de terminar diante da quantidade de reflexões provocadas pelo texto de Pedro Calabrez! Sendo assim, lembrando (mais uma vez) que a mortalidade a que me refiro nestas reflexões é do corpo, e deixando de fora muitas coisas que gostaria de ter compartilhado com vocês, termino-a com a compilação de alguns trechos de Calabrez, enxertados com a célebre afirmação de Teilhard de Chardin que não me canso de citar.
"Imagine um mundo em que tivéssemos todos os dias a real consciência de que cada minuto é um minuto a menos. Um mundo em que lembrássemos diariamente de que um dia fecharemos os olhos e eles não mais se abrirão. Um mundo em que aceitássemos a ideia de que o abraço que demos em nosso pai e nossa mãe possa ter sido o último. De que o beijo em nosso esposo ou esposa possa ser uma despedida. Se as pessoas tivessem diariamente essa consciência da finitude da vida, acredito que eliminaríamos grande parte da mesquinharia e pequenez que encontramos nas coisas cotidianas. Consciente da sua mortalidade, talvez você não brigasse no trânsito. Talvez não se apegasse a detalhes pequenos e insignificantes para brigar com as pessoas queridas da sua vida."
"A vida (como uma experiência humana, segundo Teilhard de Chardin) acaba. Por isso devemos ser agradecidos todos os dias sobretudo pela oportunidade de passear pelo cosmos, possuindo, dentro de nós, o cérebro mais complexo que existe –o único cérebro capaz de aprender sobre ele mesmo, de refletir e de buscar viver melhor amanhã do que vivemos hoje."
"Viver melhor amanhã do que vivemos hoje", usando adequadamente o corpo mortal de que dispomos nesta "experiência humana" para nela cuidar bem da única coisa que, na condição de "seres espirituais que somos" (ainda segundo Chardin), dela levaremos, conforme sugere a placa cuja imagem é exibida abaixo, eis a ideia final espalhada por esta postagem.

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