"Por que estão chorando? Acreditaram que eu fosse imortal?"
(Luís XIV, censurando dois de seus criados, que soluçam ao vê-lo expirar, por não terem se preparado para perdê-lo)
Neste blog em que a maioria das postagens é
provocada pela anterior, após uma postagem falando sobre ignorância, segue uma
falando sobre ilusão. Para quem leu até o final a postagem
anterior, e lembra suas últimas palavras, deparar-se com o título desta
pode causar perplexidade. Afinal, suceder uma postagem que espalha a ideia de
que "o ser humano é, antes e
acima de tudo, um espírito imortal" por uma intitulada A ilusão
da imortalidade pode parecer um contra-senso. Mas não é. Por quê? Porque a
imortalidade a que se referem às duas postagens não é a mesma.
Lido isto, que tal dar uma lida no texto
apresentado a seguir. Extraído do livro Em busca de nós mesmos de Clóvis
de Barros Filho e Pedro Calabrez, ele é creditado a Calabrez.
A ilusão da imortalidade
Vivemos sob uma terrível ilusão de
imortalidade. Ou talvez um esquecimento conveniente da nossa mortalidade. As
pessoas chegam em nosso aniversário e dizem: "Parabéns! Mais um ano de
vida!"
Está errado. É um ano a menos.
Mais experiências, mais memórias, mais
conquistas, mais interações com o mundo? Pode ser.
Mais anos de vida? Não.
Alguém poderia discordar: "Ora, é mais um
ano de vida que foi vivido!"
O que significa isso, leitor? Onde esse "ano
de vida vivido" é somado? Só há uma resposta: o ano vivido é somado às
memórias. Às nossas memórias pessoais em nosso cérebro. Também às memórias
físicas que guardamos fora de nós, no mundo: fotos, filmes e afins.
Para o cérebro, o tempo é composto de passado
(memórias) e futuro (planos e sonhos). A cada ano que passa, temos mais
memórias. A cada ano que passa, temos menos tempo para conquistar nossos planos
e sonhos. O envelhecimento é por definição um esgotamento do tempo à nossa
disposição. Afinal, a morte é uma certeza. Cada instante é um passo em direção
a ela.
Podemos acreditar que há uma vida depois
desta, leitor, mas você deve concordar comigo: esta vida aqui, agora, é única –
e não haverá outra oportunidade de vivê-la.
*****
Um ano a menos a cada ano que passa. Esta é,
talvez, a mais estóica das lições. Memento
mori. Lembre-se de que você irá morrer.
E quem me ouve dizer isso, pode pensar: "Mas
que coisa triste! Isso é um jeito horrível de enxergar a vida!"
Não. Discordo totalmente.
Triste é chegar ao fim da vida, olhar para
trás e perceber que desperdiçamos nosso precioso tempo e nossa preciosa energia
com pessoas e projetos que não valeram a pena. Triste é arrepender-se por não
ter aproveitado, por não ter tentado, por não ter arriscado.
Nas relações, por exemplo. Amizades, namoros,
casamentos, relações familiares – não importa. Em todas elas, costumamos nos
adaptar. Por anos, a pessoa está lá, ao nosso alcance. Mas nos adaptamos. Nos
acostumamos com sua presença e temos a terrível ilusão de que as coisas vão
continuar sempre como estão. Deixamos de agradecer, valorizar, investir nossa
energia na relação. Passamos a tratar a pessoa como se fosse sempre estar lá.
Até que um dia a pessoa vai embora.
Às vezes por forçada natureza. Nada permanece.
Infelizmente a saúde também não. É a única certeza que todos temos, diz a
sabedoria popular.
Às vezes por vontade própria. Afinal, um dia
as pessoas cansam. Cansaço, exaustão – por serem tratadas com descaso ou não
terem a presença devidamente valorizada.
É aí que ele
surge. O sentimento mais comum nesse vazio deixado por quem vai embora: o
arrependimento. Por não ter feito isto ou aquilo. Por não ter valorizado. Por
não ter agradecido. Por não ter estado lá. Por não ter tentado.
Na raiz do arrependimento está um tipo ruim de
esperança: a que vem do verbo "esperar". A pessoa arrependida
geralmente é (ou foi) esperançosa. Esperou que as coisas mudassem, esperou a
oportunidade, esperou ter coragem. Esperou em vez de agir. Em vez de ter feito
diferente.
O arrependimento é um dos sentimentos mais
comuns que encontramos dentro de hospitais – de onde muitos infelizmente não
retornam.
Esta cena já foi vista por muitos médicos:
Um idoso sofre um acidente vascular cerebral.
O filho, um homem jovem, de quarenta e poucos anos, espera notícias. O médico
se aproxima e diz: "Infelizmente, com base nas imagens do cérebro do seu
pai, o quadro é irreversível".
Neste momento, você vê um homem adulto começar
a chorar como uma criança. Em prantos, em um desespero que parte o coração de
qualquer ser humano capaz de empatia, ele diz: "Mas doutor, briguei com
meu pai há vinte anos. Não nos falamos desde então. Eu queria muito poder falar
de novo com ele e me despedir!"
Só que infelizmente não dá mais. Já não há o
que fazer.
Mas o pai esteve lá por décadas. Ao alcance de
um telefonema. Ao alcance de um abraço e de um pedido de desculpas.
Isso me remete ao ponto inicial: uma das
grandes raízes disso é a ilusão de imortalidade. Acreditamos que viveremos para
sempre. Convenientemente, esquecemos da nossa própria morte. Com isso, caímos
em um delírio de que as oportunidades estarão sempre lá, ao nosso alcance.
Imagine um mundo em que tivéssemos todos os
dias a real consciência de que cada minuto é um minuto a menos, de que cada
instante é um investimento. Um mundo em que lembrássemos diariamente de que um
dia fecharemos os olhos e eles não mais se abrirão. Um mundo em que
aceitássemos a ideia de que o abraço que demos em nosso pai e nossa mãe possa ter
sido o último. De que o beijo em nosso esposo ou esposa possa ser uma
despedida.
Se as pessoas tivessem diariamente essa
consciência da finitude da vida, acredito que eliminaríamos grande parte da
mesquinharia e pequenez que encontramos nas coisas cotidianas.
Consciente da sua mortalidade, talvez você não
brigasse no trânsito. Talvez não se apegasse a detalhes pequenos e
insignificantes para brigar com as pessoas queridas da sua vida. Talvez parasse
de reclamar de trivialidades no trabalho e aproveitasse as oportunidades que
lhe são dadas todos os dias.
A vida acaba. Por isso devemos ser agradecidos
todos os dias à natureza por ter nos dado a oportunidade de passear brevemente
por este universo. Agradecidos sobretudo pela oportunidade de passear pelo
cosmos, possuindo, dentro de nós, o cérebro mais complexo que existe –o único
cérebro capaz de aprender sobre ele mesmo, de refletir e de buscar viver melhor
amanhã do que vivemos hoje.
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"A vida acaba. Por isso devemos ser
agradecidos todos os dias (...) pela oportunidade de (...) refletir e de buscar
viver melhor amanhã do que vivemos hoje.", diz Pedro Calabrez. Busca que,
inevitavelmente, passa pela reflexão sobre a imortalidade focalizada nesta
postagem e também sobre a focalizada na
anterior, digo eu.
3 comentários:
Entre tantos doutos, teologos, filosofos, paleontologos, biologos, escritores, lideres religiosos, espiritismos, e outros tantos sem fim... Jesus Cristo eh a primeira e unica resposta do sentido da nossa vida, nesta vida que vivemos; (os seus ensinos e os seus principios mudou a humanidade) e a vida outra alem da morte. Ele habitou entre nos e por fim deu a resposta da vida apos a morte fisica, como prova apos tres dias e tres noites, ressurgiu ao terceiro dia que ninguem conseguiu o deter, nem a propria materia pode deter , quando surgiu dentro do cenaculo (mesmo com as portas e janelas fechadas) e ele foi assunto aos ares ate ser escondido entre as nuvens. Nao houve e nao havera sentido da vida alem da pessoa de Jesus Cristo.
comentario conforme acima.
eu quero mandar o comentario e, s'o nao sei usar url, anonimo,html , b, i, a,
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