segunda-feira, 18 de junho de 2018

A ilusão da imortalidade

"Por que estão chorando? Acreditaram que eu fosse imortal?"
(Luís XIV, censurando dois de seus criados, que soluçam ao vê-lo expirar, por não terem se preparado para perdê-lo)
Neste blog em que a maioria das postagens é provocada pela anterior, após uma postagem falando sobre ignorância, segue uma falando sobre ilusão. Para quem leu até o final a postagem anterior, e lembra suas últimas palavras, deparar-se com o título desta pode causar perplexidade. Afinal, suceder uma postagem que espalha a ideia de que "o ser humano é, antes e acima de tudo, um espírito imortal" por uma intitulada A ilusão da imortalidade pode parecer um contra-senso. Mas não é. Por quê? Porque a imortalidade a que se referem às duas postagens não é a mesma.
Lido isto, que tal dar uma lida no texto apresentado a seguir. Extraído do livro Em busca de nós mesmos de Clóvis de Barros Filho e Pedro Calabrez, ele é creditado a Calabrez.
A ilusão da imortalidade
Vivemos sob uma terrível ilusão de imortalidade. Ou talvez um esquecimento conveniente da nossa mortalidade. As pessoas chegam em nosso aniversário e dizem: "Parabéns! Mais um ano de vida!"
Está errado. É um ano a menos.
Mais experiências, mais memórias, mais conquistas, mais interações com o mundo? Pode ser.
Mais anos de vida? Não.
Alguém poderia discordar: "Ora, é mais um ano de vida que foi vivido!"
O que significa isso, leitor? Onde esse "ano de vida vivido" é somado? Só há uma resposta: o ano vivido é somado às memórias. Às nossas memórias pessoais em nosso cérebro. Também às memórias físicas que guardamos fora de nós, no mundo: fotos, filmes e afins.
Para o cérebro, o tempo é composto de passado (memórias) e futuro (planos e sonhos). A cada ano que passa, temos mais memórias. A cada ano que passa, temos menos tempo para conquistar nossos planos e sonhos. O envelhecimento é por definição um esgotamento do tempo à nossa disposição. Afinal, a morte é uma certeza. Cada instante é um passo em direção a ela.
Podemos acreditar que há uma vida depois desta, leitor, mas você deve concordar comigo: esta vida aqui, agora, é única – e não haverá outra oportunidade de vivê-la.
*****
Um ano a menos a cada ano que passa. Esta é, talvez, a mais estóica das lições. Memento mori. Lembre-se de que você irá morrer.
E quem me ouve dizer isso, pode pensar: "Mas que coisa triste! Isso é um jeito horrível de enxergar a vida!"
Não. Discordo totalmente.
Triste é chegar ao fim da vida, olhar para trás e perceber que desperdiçamos nosso precioso tempo e nossa preciosa energia com pessoas e projetos que não valeram a pena. Triste é arrepender-se por não ter aproveitado, por não ter tentado, por não ter arriscado.
Nas relações, por exemplo. Amizades, namoros, casamentos, relações familiares – não importa. Em todas elas, costumamos nos adaptar. Por anos, a pessoa está lá, ao nosso alcance. Mas nos adaptamos. Nos acostumamos com sua presença e temos a terrível ilusão de que as coisas vão continuar sempre como estão. Deixamos de agradecer, valorizar, investir nossa energia na relação. Passamos a tratar a pessoa como se fosse sempre estar lá.
Até que um dia a pessoa vai embora.
Às vezes por forçada natureza. Nada permanece. Infelizmente a saúde também não. É a única certeza que todos temos, diz a sabedoria popular.
Às vezes por vontade própria. Afinal, um dia as pessoas cansam. Cansaço, exaustão – por serem tratadas com descaso ou não terem a presença devidamente valorizada.
É aí que ele surge. O sentimento mais comum nesse vazio deixado por quem vai embora: o arrependimento. Por não ter feito isto ou aquilo. Por não ter valorizado. Por não ter agradecido. Por não ter estado lá. Por não ter tentado.
Na raiz do arrependimento está um tipo ruim de esperança: a que vem do verbo "esperar". A pessoa arrependida geralmente é (ou foi) esperançosa. Esperou que as coisas mudassem, esperou a oportunidade, esperou ter coragem. Esperou em vez de agir. Em vez de ter feito diferente.
O arrependimento é um dos sentimentos mais comuns que encontramos dentro de hospitais – de onde muitos infelizmente não retornam.
Esta cena já foi vista por muitos médicos:
Um idoso sofre um acidente vascular cerebral. O filho, um homem jovem, de quarenta e poucos anos, espera notícias. O médico se aproxima e diz: "Infelizmente, com base nas imagens do cérebro do seu pai, o quadro é irreversível".
Neste momento, você vê um homem adulto começar a chorar como uma criança. Em prantos, em um desespero que parte o coração de qualquer ser humano capaz de empatia, ele diz: "Mas doutor, briguei com meu pai há vinte anos. Não nos falamos desde então. Eu queria muito poder falar de novo com ele e me despedir!"
Só que infelizmente não dá mais. Já não há o que fazer.
Mas o pai esteve lá por décadas. Ao alcance de um telefonema. Ao alcance de um abraço e de um pedido de desculpas.
Isso me remete ao ponto inicial: uma das grandes raízes disso é a ilusão de imortalidade. Acreditamos que viveremos para sempre. Convenientemente, esquecemos da nossa própria morte. Com isso, caímos em um delírio de que as oportunidades estarão sempre lá, ao nosso alcance.
Imagine um mundo em que tivéssemos todos os dias a real consciência de que cada minuto é um minuto a menos, de que cada instante é um investimento. Um mundo em que lembrássemos diariamente de que um dia fecharemos os olhos e eles não mais se abrirão. Um mundo em que aceitássemos a ideia de que o abraço que demos em nosso pai e nossa mãe possa ter sido o último. De que o beijo em nosso esposo ou esposa possa ser uma despedida.
Se as pessoas tivessem diariamente essa consciência da finitude da vida, acredito que eliminaríamos grande parte da mesquinharia e pequenez que encontramos nas coisas cotidianas.
Consciente da sua mortalidade, talvez você não brigasse no trânsito. Talvez não se apegasse a detalhes pequenos e insignificantes para brigar com as pessoas queridas da sua vida. Talvez parasse de reclamar de trivialidades no trabalho e aproveitasse as oportunidades que lhe são dadas todos os dias.
A vida acaba. Por isso devemos ser agradecidos todos os dias à natureza por ter nos dado a oportunidade de passear brevemente por este universo. Agradecidos sobretudo pela oportunidade de passear pelo cosmos, possuindo, dentro de nós, o cérebro mais complexo que existe –o único cérebro capaz de aprender sobre ele mesmo, de refletir e de buscar viver melhor amanhã do que vivemos hoje.
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"A vida acaba. Por isso devemos ser agradecidos todos os dias (...) pela oportunidade de (...) refletir e de buscar viver melhor amanhã do que vivemos hoje.", diz Pedro Calabrez. Busca que, inevitavelmente, passa pela reflexão sobre a imortalidade focalizada nesta postagem e também sobre a focalizada na anterior, digo eu.

3 comentários:

ricardo sanerip disse...

Entre tantos doutos, teologos, filosofos, paleontologos, biologos, escritores, lideres religiosos, espiritismos, e outros tantos sem fim... Jesus Cristo eh a primeira e unica resposta do sentido da nossa vida, nesta vida que vivemos; (os seus ensinos e os seus principios mudou a humanidade) e a vida outra alem da morte. Ele habitou entre nos e por fim deu a resposta da vida apos a morte fisica, como prova apos tres dias e tres noites, ressurgiu ao terceiro dia que ninguem conseguiu o deter, nem a propria materia pode deter , quando surgiu dentro do cenaculo (mesmo com as portas e janelas fechadas) e ele foi assunto aos ares ate ser escondido entre as nuvens. Nao houve e nao havera sentido da vida alem da pessoa de Jesus Cristo.

ricardo sanerip disse...

comentario conforme acima.

ricardo sanerip disse...

eu quero mandar o comentario e, s'o nao sei usar url, anonimo,html , b, i, a,