"Tornou-se
chocantemente óbvio que a nossa tecnologia excedeu a nossa humanidade."
(Albert Einstein [1879-1955],
físico alemão naturalizado norte-americano)
Sob o título Algoritmos e desigualdade, o texto apresentado abaixo foi publicado
na edição de 23 de fevereiro de 2018 do jornal Valor com autoria atribuída a Gillian Tett, do
Financial Times.
Algoritmos e desigualdade
A inovação digital reforça o
abismo existente entre as classes sociais, afirma a escritora americana
Virginia Eubanks
Dois anos atrás, Virginia Eubanks, uma professora de ciências políticas
de Nova York, passou por uma experiência que se mostrou um pesadelo: seu
companheiro foi vítima de um assalto violento e precisou passar por uma grande
cirurgia. O casal tinha um seguro saúde, mas quando Virginia tentou liquidar a
conta de US$ 60.000, o pedido foi rejeitado: um programa de computador tinha
recusado o caso.
Em uma coincidência bizarra, o próprio trabalho acadêmico de Virginia se
concentrava na inovação digital e reivindicações de assistência social, e ela
estava bem certa do motivo da negativa do seguro. A reivindicação sugeria
alguns dos indicadores mais comuns de fraude: a apólice tinha sido feita apenas
uns poucos dias antes do assalto, ela não era casada com seu parceiro e a ele
haviam sido receitados opioides para ajudá-lo a suportar a dor.
Usando seu "conhecimento privilegiado", Virginia contestou
energicamente a decisão, passando muitas horas argumentando com funcionários da
companhia de seguros até que conseguiu ganhar a causa por conta da influência
de um assistente social humano.
Virginia Eubanks fica imaginando o que teria acontecido se ela não
tivesse recursos, entendimento e o apoio necessário de sua empresa para enfrentar
esses algoritmos sem rosto. No mês passado, ela publicou "Automating
Inequality" (Automatizando a Desigualdade), um livro que explora a maneira
como os computadores estão mudando a prestação de serviços sociais em três
regiões dos Estados Unidos: Indiana, Los Angeles e Pittsburgh.
Seu foco é o setor de serviços públicos, e não o sistema de saúde
privado, mas a mensagem é a mesma: com as instituições dependendo cada vez mais
de algoritmos preditivos para tomar decisões, resultados peculiares – e frequentemente
injustos – estão sendo produzidos.
As pessoas instruídas e de classe média sempre vão reagir, mas as
pessoas mais pobres e com menos educação formal não têm como fazer isso; e nem
necessariamente estão atentas às distorções ocultas que as penalizam. Virginia
Eubanks conclui que a inovação digital está reforçando, e não reduzindo a
desigualdade. "Nem todo mundo se sai tão bem quando é alvo de sistemas
digitais tomadores de decisões", observa ela. "Todos nós habitamos
esse novo regime dos dados digitais, mas nem todos vivemos nele da mesma
maneira."
É claro que não era essa a intenção dos inovadores tecnológicos, mas um
dos motivos de muitas instituições estarem abraçando as tecnologias digitais é
o corte de custos. Certamente elas deveriam ajudar – e não atrapalhar – os
beneficiados pela assistência social, pois os computadores podem processar
reivindicações de maneira eficiente e deveriam ser cegos às diferenças de
gênero e cor.
Virginia Eubanks afirma que já acreditou na inovação digital. De fato,
seu livro tem exemplos de onde ela está funcionando: em Los Angeles, ela
encontrou exemplos de moradores de rua que se beneficiaram dos algoritmos para
obter acesso rápido a abrigos. Em alguns lugares, como Allegheny, houve casos
em que "dados preditivos" detectaram crianças vulneráveis e as
afastaram do perigo.
Mas para cada exemplo positivo, há exemplos aflitivos de fracassos. Uma
família de Allegheny foi perseguida por engano porque um algoritmo a
classificou como propensa a se envolver em casos de abusos infantil. Alguns
moradores de rua de Los Angeles perderam acesso aos seus abrigos porque um
computador assumiu que como eles já tinham sido presos, eles tinham um "lar".
E em Indiana há casos lastimáveis de famílias que tiveram assistência de saúde
negada por causa de computadores com defeito. Alguns desses casos resultaram em
mortes.
O que tornou esse sofrimento duplamente doloroso quando os programas de
computador erraram foi que as vítimas acharam quase impossível descobrir por
que os algoritmos estavam contra elas, ou mesmo encontrar um assistente social
humano para anular a decisão dos algoritmos – e grande parte disso pode ser
atribuída à falta de recursos.
Alguns especialistas em tecnologia podem alegar que esses são casos
extremos, mas um padrão similar é descrito pela matemática Cathy O'Neill em seu livro "Weapons of Math
Destruction". "Modelos matemáticos mal concebidos agora controlam os
mínimos detalhes da economia, da propaganda às prisões", escreve ela. "Eles
são pouco transparentes, não são questionados, não são responsabilizados e eles
'classificam', miram ou otimizam milhões de pessoas... agravando a
desigualdade e prejudicando os pobres."
"Modelos matemáticos mal
concebidos agora controlam os mínimos detalhes da economia, da propaganda às prisões",
diz a matemática Cathy O'Neill
Existe alguma solução? Cathy O'Neill
e Virginia Eubanks sugerem que uma opção seria exigir que os tecnólogos façam
algo parecido com o julgamento de Hipócrates, de "em primeiro lugar,fazer
o bem". Uma segunda ideia – mais custosa – seria forçar as instituições a
usar algoritmos para contratar muitos assistentes sociais humanos para
complementar as tomadas de decisões digitais. Uma terceira ideia seria
assegurar que as pessoas que estão criando e rodando programas de computador
sejam forçadas a pensar na cultura, em seu sentido mais amplo.
Isso pode parecer óbvio, mas até agora os nerds digitais das
universidades pouco contato tiveram com os nerds das ciências sociais – e
vice-versa. A computação há muito é percebida com uma zona livre de cultura e
isso precisa mudar.
Mas somente haverá mudanças quando os planejadores econômicos e
eleitores entenderem a verdadeira escala do problema. Isso é difícil quando
vivemos numa era que gosta de celebrar a digitalização – e em que as elites
geralmente estão protegidas das consequências desses algoritmos.
Exceto, é claro, quando acidentes aleatórios acontecem. Nesse sentido,
a história de Virginia Eubanks é uma lição assustadora para todos nós.
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"A história de Virginia Eubanks é uma lição assustadora para todos
nós", e que, consequentemente, deveria provocar em nós algumas reflexões.
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