"A história de Virginia Eubanks é uma lição assustadora para todos
nós". Com essas palavras a laureada escritora e jornalista britânica Gillian
Tett termina seu excelente artigo, e eu inicio estas reflexões. Vocês concordam
que na referida história o assustador são os "algoritmos sem rosto"
que levaram Virginia Eubanks a "publicar um livro que explora a maneira
como os computadores estão mudando a prestação de serviços sociais em três
regiões dos Estados Unidos."
Um livro intitulado "Automating Inequality" (Automatizando a
Desigualdade) onde Virginia "conclui que a inovação digital está
reforçando, e não reduzindo a desigualdade". Um livro onde "existem
exemplos de onde a inovação digital está funcionando", mas onde também é mostrado
que "para cada exemplo positivo, há exemplos aflitivos de fracassos".
Um livro que faz referência a outro da matemática Cathy O'Neill onde é dito o seguinte: "Modelos
matemáticos mal concebidos agora controlam os mínimos detalhes da economia, da
propaganda às prisões. Eles são pouco transparentes, não são questionados, não
são responsabilizados e eles 'classificam', miram ou otimizam milhões de
pessoas... agravando a desigualdade e prejudicando os pobres."
Existe alguma solução? – indaga Gillian Tett em seu excelente artigo.
Indagação que ela mesma responde assim: "Cathy O'Neill e Virginia Eubanks sugerem que uma
opção seria exigir que os tecnólogos façam algo parecido com o julgamento de
Hipócrates, de 'em primeiro
lugar,fazer o bem'. Uma segunda
ideia – mais custosa – seria forçar as instituições a usar algoritmos para
contratar muitos assistentes sociais humanos para complementar as tomadas de
decisões digitais. Uma terceira ideia seria assegurar que as pessoas que estão
criando e rodando programas de computador sejam forçadas a pensar na cultura,
em seu sentido mais amplo. Isso pode parecer óbvio, mas até agora os nerds
digitais das universidades pouco contato tiveram com os nerds das ciências
sociais – e vice-versa. A computação há muito é percebida com uma zona livre de
cultura e isso precisa mudar."
E após lembrar essas passagens do excelente artigo que provocou esta
postagem, estas reflexões prosseguem a partir das seguintes indagações. Será
que a quantidade de assustados com a lição propiciada pela história de Virginia
Eubanks é relevante? Que tipos de indivíduos compõem o "todos nós" a
que se refere Gillian Tett? E para responder a tais indagações creio que seja
suficiente recorrer ao penúltimo parágrafo do texto de Gillian, reproduzido a
seguir.
"Mas somente haverá mudanças quando os planejadores econômicos e eleitores entenderem a verdadeira escala do problema. Isso é difícil quando vivemos numa era que gosta de celebrar a digitalização – e em que as elites geralmente estão protegidas das consequências desses algoritmos."
Desanimador, não? Afinal, como esperar por
mudanças que solucionem os problemas causados pela inovação digital
considerando que "vivemos numa
era que gosta de celebrar a digitalização – e em que as elites geralmente estão
protegidas das consequências desses algoritmos." Numa era que me
faz lembrar uma sinistra afirmação feita pelo filósofo alemão Gunther Anders (1902 – 1992), em 1957: "O fascínio pelo
progresso nos faz cegos para o apocalipse."
Não, a quantidade de
assustados com a lição propiciada pela história de Virginia
Eubanks não é relevante. E identificar que tipos de indivíduos compõem o "todos
nós" a que se refere Gillian Tett é algo bastante difícil.
E de lembrança em
lembrança, o método das recordações sucessivas traz o seguinte trecho do
artigo publicado na edição de 22 de junho de 2008 do Jornal do Brasil em uma coluna intitulada Coisas da Política assinada pelo jornalista Mauro Santayana.
A guerra entre os ricos e os pobres
Entre as assustadoras denúncias de projetos do neoliberalismo e da globalização, para a exclusão, há a de um encontro ocorrido na Califórnia, nos anos 80, em que alguns economistas e sociólogos, americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros, concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da população mundial, a fim de garantir o padrão de vida dos 20% restantes. Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina.
"Os
fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a
cada dia mais escassa) abomina.", disse Mauro Santayana, há quase dez anos,
referindo-se a "uma conclusão chegada, nos anos 80, por alguns economistas
e sociólogos, americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros".
Será que a inovação digital merece ser incluída entre os fatos que parecem
confirmar esse monstruoso projeto?
E para finalizar
estas reflexões, repito aqui uma indagação feita alguns parágrafos acima. Considerando
que "vivemos numa era que gosta de celebrar a
digitalização – e em que as elites geralmente estão protegidas das
consequências desses algoritmos." - vocês conseguem
identificar que tipos de indivíduos fazem parte do "todos nós" para quem Gillian Tett considera a história de
Virginia Eubanks uma lição assustadora? Para mim, a lição mais assustadora nesta
"era em que vivemos" é a constatação de que são muito poucos os
que se assustam com alguma terrível lição que lhes seja oferecida. Deslumbrada com
qualquer inovação tecnológica que lhe seja apresentada, a imensa maioria da
pretensa espécie inteligente do universo torna-se incapaz de assustar-se com
qualquer terrível lição que lhe seja oferecida.
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