segunda-feira, 2 de abril de 2018

Reflexões provocadas por "Algoritmos e desigualdade"

"A história de Virginia Eubanks é uma lição assustadora para todos nós". Com essas palavras a laureada escritora e jornalista britânica Gillian Tett termina seu excelente artigo, e eu inicio estas reflexões. Vocês concordam que na referida história o assustador são os "algoritmos sem rosto" que levaram Virginia Eubanks a "publicar um livro que explora a maneira como os computadores estão mudando a prestação de serviços sociais em três regiões dos Estados Unidos."
Um livro intitulado "Automating Inequality" (Automatizando a Desigualdade) onde Virginia "conclui que a inovação digital está reforçando, e não reduzindo a desigualdade". Um livro onde "existem exemplos de onde a inovação digital está funcionando", mas onde também é mostrado que "para cada exemplo positivo, há exemplos aflitivos de fracassos".
Um livro que faz referência a outro da matemática Cathy O'Neill onde é dito o seguinte: "Modelos matemáticos mal concebidos agora controlam os mínimos detalhes da economia, da propaganda às prisões. Eles são pouco transparentes, não são questionados, não são responsabilizados e eles 'classificam', miram ou otimizam milhões de pessoas... agravando a desigualdade e prejudicando os pobres."
Existe alguma solução? – indaga Gillian Tett em seu excelente artigo. Indagação que ela mesma responde assim: "Cathy O'Neill e Virginia Eubanks sugerem que uma opção seria exigir que os tecnólogos façam algo parecido com o julgamento de Hipócrates, de 'em primeiro lugar,fazer o bem'. Uma segunda ideia – mais custosa – seria forçar as instituições a usar algoritmos para contratar muitos assistentes sociais humanos para complementar as tomadas de decisões digitais. Uma terceira ideia seria assegurar que as pessoas que estão criando e rodando programas de computador sejam forçadas a pensar na cultura, em seu sentido mais amplo. Isso pode parecer óbvio, mas até agora os nerds digitais das universidades pouco contato tiveram com os nerds das ciências sociais – e vice-versa. A computação há muito é percebida com uma zona livre de cultura e isso precisa mudar."
E após lembrar essas passagens do excelente artigo que provocou esta postagem, estas reflexões prosseguem a partir das seguintes indagações. Será que a quantidade de assustados com a lição propiciada pela história de Virginia Eubanks é relevante? Que tipos de indivíduos compõem o "todos nós" a que se refere Gillian Tett? E para responder a tais indagações creio que seja suficiente recorrer ao penúltimo parágrafo do texto de Gillian, reproduzido a seguir.
"Mas somente haverá mudanças quando os planejadores econômicos e eleitores entenderem a verdadeira escala do problema. Isso é difícil quando vivemos numa era que gosta de celebrar a digitalização – e em que as elites geralmente estão protegidas das consequências desses algoritmos."
Desanimador, não? Afinal, como esperar por mudanças que solucionem os problemas causados pela inovação digital considerando que "vivemos numa era que gosta de celebrar a digitalização – e em que as elites geralmente estão protegidas das consequências desses algoritmos." Numa era que me faz lembrar uma sinistra afirmação feita pelo filósofo alemão Gunther Anders (1902 – 1992), em 1957: "O fascínio pelo progresso nos faz cegos para o apocalipse."
Não, a quantidade de assustados com a lição propiciada pela história de Virginia Eubanks não é relevante. E identificar que tipos de indivíduos compõem o "todos nós" a que se refere Gillian Tett é algo bastante difícil.
E de lembrança em lembrança, o método das recordações sucessivas traz o seguinte trecho do artigo publicado na edição de 22 de junho de 2008 do Jornal do Brasil em uma coluna intitulada Coisas da Política assinada pelo jornalista Mauro Santayana.
A guerra entre os ricos e os pobres
Entre as assustadoras denúncias de projetos do neoliberalismo e da globalização, para a exclusão, há a de um encontro ocorrido na Califórnia, nos anos 80, em que alguns economistas e sociólogos, americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros, concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da população mundial, a fim de garantir o padrão de vida dos 20% restantes. Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina.
"Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina.", disse Mauro Santayana, há quase dez anos, referindo-se a "uma conclusão chegada, nos anos 80, por alguns economistas e sociólogos, americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros". Será que a inovação digital merece ser incluída entre os fatos que parecem confirmar esse monstruoso projeto?
E para finalizar estas reflexões, repito aqui uma indagação feita alguns parágrafos acima. Considerando que "vivemos numa era que gosta de celebrar a digitalização – e em que as elites geralmente estão protegidas das consequências desses algoritmos." - vocês conseguem identificar que tipos de indivíduos fazem parte do "todos nós" para quem Gillian Tett considera a história de Virginia Eubanks uma lição assustadora? Para mim, a lição mais assustadora nesta "era em que vivemos" é a constatação de que são muito poucos os que se assustam com alguma terrível lição que lhes seja oferecida. Deslumbrada com qualquer inovação tecnológica que lhe seja apresentada, a imensa maioria da pretensa espécie inteligente do universo torna-se incapaz de assustar-se com qualquer terrível lição que lhe seja oferecida.

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