O texto apresentado a seguir
foi publicado na edição de julho de 2006 da revista Mandala. Assinado por Rafael Martí e intitulado Valeu a intenção da semente, classifico-o
como um texto que o passar do tempo não consegue desatualizar. Hoje, a revista Mandala é encontrável
em WWW.revistamandala.com.br.
Valeu a intenção da semente
Um dia, estava
conversando com o editor do saudoso jornal Essência Vital, primeiro periódico
onde trabalhei, sobre planos para o futuro e ele encerrou nossa conversa com
uma lição a qual nunca mais esquecerei. Disse ele: "Rafael, seu problema é que você só olha para a meta, mas esquece da
caminhada. Tenha menos ansiedade e observe as coisas a sua volta. Veja as
belezas do caminho, as flores, espinhos, pedras, pássaros. Se você só olhar o
fim, pode até chegar nele, mas não vai ter aprendido nada que o caminho pode
oferecer".
Não lembro se as
palavras foram exatamente essas. Mas com certeza a lição foi aprendida em sua
essência. Eu precisava deixar a ansiedade de lado e aprender a caminhar.
Naquele momento, embora minha mente racional tenha compreendido sobre a
necessidade de desacelerar meu tempo, eu não tinha efetivamente colocado em
prática esse ensinamento.
Ele ficou guardado
durante alguns anos até hoje. Não que hoje eu seja um monge zen, capaz de
meditar por horas seguidas e não me importar com o trânsito louco, o vizinho
que coloca aquele funk no último volume ou aquele chefe que você jura que não
regula bem da cabeça. Mas pelo menos hoje eu consigo perceber que essas pedras
são partes integrantes da paisagem, da qual também fazem parte o sorriso da
mulher amada, o riso com os companheiros de jornada, o gorjear dos pássaros, o
pôr do sol. Logo, devemos, e isso estou aprendendo a duras penas, aceitar as
rosas com os espinhos, ou a vida do jeito que ela é.
Agindo assim, o fim
não perde sua importância. Ainda traçamos metas e as buscamos. Mas como o
término da jornada não depende só de nós, mas também das circunstâncias nas
quais estamos imersos, a felicidade passa a ser algo tangível quando estamos
mais preocupados com nosso presente do que com um futuro distante.
Sobre a caminhada
muitos poetas escreveram. Eu gosto muito de uma música do Almir Sater na qual
ele diz: "ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já
chorei demais". Em poucos versos de nossa língua um autor conseguiu ser
tão profundo em tão poucas palavras. Todos nós somos apressados. E um dia
chegaremos à sabedoria de andar devagar apenas para observar o caminho, sem nos
preocupar com o fim em si mesmo, mas com a qualidade dos nossos passos até o
ponto de chegada.
Outro verso que me
encanta é do poeta espanhol Antonio Machado. "Caminhante não há caminho.
Se faz o caminho ao caminhar.". Esses versos mostram que muitas vezes o
fim traçado se modifica com a nossa jornada. É fundamental que caminhemos com
honestidade e amor ao caminho. Porque o fim dele não nos pertence.
Mas sem dúvida alguma
a frase mais perfeita sobre isso é de Mahatma Gandhi. Ele disse certa vez que
"a felicidade estava na luta e não na conquista em si. Por isso sacrifício
total é vitória total". Foi quando li essa frase que minha ficha caiu. Os
fins não justificam os meios como diriam os maquiavélicos de plantão, mas os
meios devem estar em sintonia com os fins. E mais do que isso. Se não alcançarmos
a meta, ao menos que nos dediquemos a ela com toda nossa energia e amor.
E aqui estou eu. Por
isso que o nome dessa coluna é Caminhando. Nesse espaço nossa
intenção é compartilhar com o leitor um modo mais lúdico de ver o mundo. Sem
tanta pressa e com muita utopia.
Porque o que queremos
é um mundo melhor. Mas se ele não for o melhor dos mundos, pelo menos estaremos
nos dedicando a esse ideal com afinco. Afinal, como diria o saudoso Henfil,
irmão do Betinho: "Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não
houver flores, valeu a sombra das folhas. Se não houver folhas, valeu a
intenção da semente".
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Se, como é afirmado no
parágrafo acima, "o que queremos é um mundo melhor", será que ao
publicar seu maravilhoso e atemporal texto a intenção do autor foi lançar algumas
sementes capazes de fazerem brotar em nós a vontade de cooperar na construção
de tal mundo? Será que refletir sobre o que é dito no texto poderá contribuir
para a germinação das sementes?
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