terça-feira, 7 de novembro de 2017

Valeu a intenção da semente

O texto apresentado a seguir foi publicado na edição de julho de 2006 da revista Mandala. Assinado por Rafael Martí e intitulado Valeu a intenção da semente, classifico-o como um texto que o passar do tempo não consegue desatualizar. Hoje, a revista Mandala é encontrável em WWW.revistamandala.com.br.
Valeu a intenção da semente
Um dia, estava conversando com o editor do saudoso jornal Essência Vital, primeiro periódico onde trabalhei, sobre planos para o futuro e ele encerrou nossa conversa com uma lição a qual nunca mais esquecerei. Disse ele: "Rafael, seu problema é que você só olha para a meta, mas esquece da caminhada. Tenha menos ansiedade e observe as coisas a sua volta. Veja as belezas do caminho, as flores, espinhos, pedras, pássaros. Se você só olhar o fim, pode até chegar nele, mas não vai ter aprendido nada que o caminho pode oferecer".
Não lembro se as palavras foram exatamente essas. Mas com certeza a lição foi aprendida em sua essência. Eu precisava deixar a ansiedade de lado e aprender a caminhar. Naquele momento, embora minha mente racional tenha compreendido sobre a necessidade de desacelerar meu tempo, eu não tinha efetivamente colocado em prática esse ensinamento.
Ele ficou guardado durante alguns anos até hoje. Não que hoje eu seja um monge zen, capaz de meditar por horas seguidas e não me importar com o trânsito louco, o vizinho que coloca aquele funk no último volume ou aquele chefe que você jura que não regula bem da cabeça. Mas pelo menos hoje eu consigo perceber que essas pedras são partes integrantes da paisagem, da qual também fazem parte o sorriso da mulher amada, o riso com os companheiros de jornada, o gorjear dos pássaros, o pôr do sol. Logo, devemos, e isso estou aprendendo a duras penas, aceitar as rosas com os espinhos, ou a vida do jeito que ela é.
Agindo assim, o fim não perde sua importância. Ainda traçamos metas e as buscamos. Mas como o término da jornada não depende só de nós, mas também das circunstâncias nas quais estamos imersos, a felicidade passa a ser algo tangível quando estamos mais preocupados com nosso presente do que com um futuro distante.
Sobre a caminhada muitos poetas escreveram. Eu gosto muito de uma música do Almir Sater na qual ele diz: "ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais". Em poucos versos de nossa língua um autor conseguiu ser tão profundo em tão poucas palavras. Todos nós somos apressados. E um dia chegaremos à sabedoria de andar devagar apenas para observar o caminho, sem nos preocupar com o fim em si mesmo, mas com a qualidade dos nossos passos até o ponto de chegada.
Outro verso que me encanta é do poeta espanhol Antonio Machado. "Caminhante não há caminho. Se faz o caminho ao caminhar.". Esses versos mostram que muitas vezes o fim traçado se modifica com a nossa jornada. É fundamental que caminhemos com honestidade e amor ao caminho. Porque o fim dele não nos pertence.
Mas sem dúvida alguma a frase mais perfeita sobre isso é de Mahatma Gandhi. Ele disse certa vez que "a felicidade estava na luta e não na conquista em si. Por isso sacrifício total é vitória total". Foi quando li essa frase que minha ficha caiu. Os fins não justificam os meios como diriam os maquiavélicos de plantão, mas os meios devem estar em sintonia com os fins. E mais do que isso. Se não alcançarmos a meta, ao menos que nos dediquemos a ela com toda nossa energia e amor.
E aqui estou eu. Por isso que o nome dessa coluna é Caminhando. Nesse espaço nossa intenção é compartilhar com o leitor um modo mais lúdico de ver o mundo. Sem tanta pressa e com muita utopia.
Porque o que queremos é um mundo melhor. Mas se ele não for o melhor dos mundos, pelo menos estaremos nos dedicando a esse ideal com afinco. Afinal, como diria o saudoso Henfil, irmão do Betinho: "Se não houver frutos, valeu a beleza das flores. Se não houver flores, valeu a sombra das folhas. Se não houver folhas, valeu a intenção da semente".
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Se, como é afirmado no parágrafo acima, "o que queremos é um mundo melhor", será que ao publicar seu maravilhoso e atemporal texto a intenção do autor foi lançar algumas sementes capazes de fazerem brotar em nós a vontade de cooperar na construção de tal mundo? Será que refletir sobre o que é dito no texto poderá contribuir para a germinação das sementes?

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