Prosseguindo com as
postagens "agrícolas", após Valeu a intenção da semente, segue Quem
planta tâmaras não colhe tâmaras. Inspiradas na agricultura, algumas metáforas
foram criadas com a intenção de levar os integrantes da pretensa espécie inteligente
do universo a agirem de maneira mais sábia ao longo de sua trajetória por essa
coisa denominada vida. Apresentadas em algumas diferentes versões, existem duas
bastante conhecidas sobre as quais considero conveniente falar antes de
focalizar a que empresta título a esta postagem.
Dizendo que "Aquilo que semearmos é o que
vamos colher", a primeira adverte-nos para a importância de sabermos
escolher o que semear. Dizendo que "A semeadura é opcional, mas a colheita
é obrigatória.", a segunda adverte-nos quanto à imprescindibilidade de pensar
bem antes de decidir se semearemos ou não.
Advertências que, estupidamente,
negligenciadas fazem com que a espécie supracitada siga pela vida semeando uma
série de coisas nocivas das quais germinarão inúmeros males dos quais ela tanto
reclama como se nada tivesse a ver com a sua criação. Negligências que a levam a validar
constantemente uma afirmação feita em uma belíssima canção da Legião Urbana: "nos perderemos
entre monstros da nossa própria criação".
E "perdida entre monstros da sua própria
criação", ao equívoco de semear coisas que contribuem para piorar o mundo
em que vive, provocado pela negligência em relação às duas metáforas já
citadas, em uma clara manifestação de desconhecimento ou de interpretação
equivocada de outra metáfora, a dita espécie acrescenta a sua vida um novo
equívoco: deixar de semear coisas das quais apenas as futuras gerações poderão
tirar proveito. A que metáfora eu me refiro? A expressa em um antigo ditado
árabe: "Quem planta tâmaras não colhe tâmaras"
Que ditado estranho! Se "Aquilo que semearmos
é o que vamos colher", que história é essa de que "Quem planta
tâmaras não colhe tâmaras"?! Em que se fundamenta essa estranha metáfora?
No fato de que, antigamente, as tamareiras levavam de 80 a 100 anos para produzir os
primeiros frutos. Ou seja, quem plantava uma tamareira não vivia tempo
suficiente para colher tâmaras da árvore que plantara. É! A explicação elimina
a estranheza citada acima, mas provoca outra. Qual? Se as pessoas não vivem
tempo suficiente para colher tâmaras como se explica a existência de tâmaras?
Afinal, segundo uma egoística lógica vigente nesta civilização (sic), por que alguém
perderia seu tempo plantando o que não vai colher? Para responder esta
indagação e tentar eliminar a nova estranheza, segue uma curta história
sobre a plantação de tâmaras.
Conta-se que, certa vez, um senhor de idade avançada plantava tâmaras no deserto, quando um jovem o abordou perguntando:
– Por que o senhor perde seu tempo plantando o que não vai colher?
O senhor olhou nos olhos do jovem e, calmamente, respondeu:
– Se todos pensassem como você, ninguém colheria tâmaras.
E tome estranheza, hein! Um senhor de idade avançada
plantando o que não vai colher! Um senhor de idade avançada, e de ideias idem,
não? Será que existe ideia mais avançada do que plantar para que aqueles que
nos sucedam tenham o que colher? Será que existe ideia mais avançada do que trabalhar
não apenas para si próprio, mas também em prol das gerações futuras. Um senhor de
idade avançada que, quem sabe, tenha conseguido lançar no coração de um jovem
as sementes das avançadas ideias que já germinaram no seu. Um senhor de idade
avançada cujo modo de pensar me faz lembrar algo dito por outro no primeiro parágrafo
de uma reportagem-entrevista publicada na edição 268 da revista Trip em
agosto de 2017 com o título O mais indignado dos discursos e espalhada por este blog em 13 de outubro de 2017.
"Todos nós sabemos que vamos morrer, mas também sabemos que não nascemos para morrer, nascemos para continuar.", é uma frase do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, 88 anos, dita no filme Tudo é projeto, obra da cineasta Joana Mendes da Rocha, sua filha. A ideia da vida continuada vem da escola de filosofia de Frankfurt, Paulo explica, emendando por que acha o conceito fascinante: para ele, a reflexão da escola alemã fala a respeito de nossa infinita capacidade de transmitir conhecimento. "Só isso explica por que ainda estamos aqui", diz um dos arquitetos mais premiados do mundo.
"'Todos nós
sabemos que vamos morrer, mas também sabemos que não nascemos para morrer,
nascemos para continuar'. (...) 'Continuar devido a nossa infinita capacidade
de transmitir conhecimento'. (...) 'Capacidade essa que fundamenta a única
explicação por que ainda estamos aqui'", eis algumas das avançadas ideias
que o premiado arquiteto Paulo Mendes da Rocha, aos 88 anos, pretende seguir
praticando e defendendo, como é dito no último parágrafo da
reportagem-entrevista já citada. Vocês concordam que as ideias de Paulo Mendes
da Rocha o identificam perfeitamente com o senhor de idade avançada que plantava
tâmaras no deserto?
Das palavras de Paulo
Mendes da Rocha discordo apenas das seguintes: "Todos nós sabemos que
(...)". Não, nem todos sabem o que ele e o senhor de idade avançada que
plantava tâmaras no deserto sabem, pois a maioria ainda identifica-se com o
jovem que questionara o senhor quanto a uma ação que julgara desprovida de
sentido. E é por isso que a metáfora que intitula esta postagem, a história do
senhor com idade avançada que plantava tâmaras e as avançadas ideias delas
derivadas precisam continuar sendo espalhadas nesta civilização (sic) onde,
diante de algo que precisa ser feito, a maioria reage assim: o que é que eu ganho com isso? Ou seja, onde,
infelizmente, a maioria ainda pensa apenas em si e age de forma simplesmente
oposta a dos plantadores de tâmaras.
Plantadores de tâmaras! Será que é possível
construir algo que faça jus ao termo civilização sem contar com uma quantidade
considerável de indivíduos dotados da mentalidade dos plantadores de tâmaras?
No meu entender, não. Portanto, que tal passarmos a viver em conformidade com tal
mentalidade? Que tal tornar-se um (a) plantador (a) de tâmaras?
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