"Escutar Paulo Mendes da Rocha falar é experimentar um ser humano refletindo enquanto nos faz perceber que arquitetura é filosofia e poesia sem deixar de ser também engenharia. É bastante difícil não se encantar pelas coisas que ele diz."
Encantado pelas coisas
que ele diz na reportagem espalhada pela postagem
anterior, nesta compartilho algumas reflexões provocadas por elas.
Reflexões iniciadas com um parágrafo gerado pela concatenação de trechos da
reportagem. Os grifos são meus.
Falar de arquitetura é
falar da experiência humana, porque, para Mendes da Rocha, arquitetura é, antes
de mais nada, a transformação da geografia, pois, "A natureza não é habitável em si. Tudo
é transformado para que a natureza consiga nos abrigar." Portanto, "Um arquiteto
que se preze não deve pensar em arquitetura, mas em formas engenhosas de
realizar desejos e necessidades humanas", diz ele, desenhando a
arquitetura como uma espécie de poesia das formas. É nesse espaço que a
arquitetura se coloca como filosofia revolucionária, na medida em que é capaz
de pensar uma cidade para todos, talvez a mais nobre das batalhas humanas.
Se, "pensar uma
cidade para todos" é ou não é "a mais nobre das batalhas humanas"
é algo que não posso garantir; colocar tal atitude em uma das três posições de
um pódio composto pelas nobres batalhas humanas é algo que faço sem medo de errar.
A indagação feita por Mendes da Rocha sobre "que tipo de
recorde se pretende bater com a construção de arranha-céus com 120 andares"
é algo que deveria dar o que pensar. Instigada por uma irrefletida busca de quebra
de recordes, a tal da espécie inteligente do universo segue pela vida quebrando
os mais estúpidos recordes e justificando um a ela atribuído por Albert
Einstein: "Existem apenas duas coisas infinitas - o
Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao
Universo.". Vocês concordam que algo que é infinito é recorde?
"Você não é
obrigado a fazer uma bomba atômica só porque conhece profundamente a energia
atômica", diz Mendes da Rocha inspirando-me a fazer a seguinte paráfrase. "Você
não é obrigado a robotizar tudo só porque conhece profundamente a automação".
E levando-me a lembrar, mais uma vez, uma frase de uma bela canção da banda Legião Urbana. Uma frase que, embora
escrita para um determinado contexto, no meu entender, tem tudo a ver com a
ideia expressa pela frase que inicia este parágrafo e pela paráfrase que a
segue: "Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação.".
Diferentemente de
muitos colegas de profissão, Mendes da Rocha, "ficou no Brasil durante a
ditadura e esperou o horror passar. Hoje, aos 88 anos, ainda sonha com a
chegada da revolução, mas apressa-se em explicar no que ela consiste. A
revolução de Paulo Mendes da Rocha não prevê homens se matando, mas um
horizonte festivo de realizações de sonhos. É, para começar, uma revolução no
ensino, a morte definitiva do que fazemos hoje com nossas crianças, que é
discipliná-las e mandar que fiquem quietas." "O ensino é repressivo,
somos malucos para transformar tudo em mercadorias, inclusive o estudo. Cobrar
estudo devia ser proibido", diz.
"É, para começar,
uma revolução no ensino, a morte definitiva do que fazemos hoje com nossas
crianças, que é discipliná-las e mandar que fiquem quietas." "O
ensino é repressivo, somos malucos para transformar tudo em mercadorias,
inclusive o estudo.", diz Mendes da Rocha para explicar em que consiste a
revolução por ele sonhada. Explicação que me faz lembrar uma postagem
recente intitulada 'Crianças não são o futuro. São o presente' na qual é apresentada uma entrevista com a designer indiana Kiran
Sethi. Postagem que, na minha "insuspeita" opinião, vale a pena
ler.
"Querem que a
criança vá para a aula de chofer e carro blindado?", pergunta Mendes da
Rocha, indignado, pois, segundo ele, "O que educa uma criança é o caminho
da escola, nem tanto a escola em si." "Só esta frase já vale o texto.
'O que educa uma criança é o caminho da escola, nem tanto a escola em si'.",
diz-me um ex-colega de trabalho e eterno amigo em um e-mail enviado com alguns comentários
sobre a postagem anterior. Concordo plenamente com ele.
Para Mendes da Rocha,
o ideal do homem inteligente é não possuir nada e, dentro desse cenário,
preferiria levar um tiro a andar em carro blindado. E ao dizer que preferiria
levar um tiro a andar em um carro blindado, ele me faz lembrar alguém que, em
28 de agosto de 1963, pronunciou uma expressão que tornou-se um ícone
universal: "I have a dream". Indagado sobre o motivo de não usar uma
arma, Martin Luther King respondeu que o importante não é o quanto se vive, e
sim como se vive. Que afirmação sinistra, não? Uma afirmação que, submetida ao
método das recordações sucessivas, leva-me a outra lembrança: a de uma troca de
duas frases entre os dois personagens de uma antiga charge do saudoso Millôr
Fernandes.
- "Às vezes, para sobreviver, a gente tem que fazer certas coisas.", argumenta um deles.- "Mas, depois de fazer certas coisas, pra que sobreviver?", questiona o outro.
Vocês concordam que
Paulo Mendes da Rocha e Martin Luther King personificam o personagem questionador?
"Ao mergulhar no
mundo das ideias de Paulo Mendes da Rocha, entendemos que arquitetura é um
discurso indignado contra abusos, absurdos, especulação, desigualdade,
explorações. Ou deveria ser. É pelo menos essa a arquitetura que ele tem feito
há décadas, e que, aos 88, pretende seguir fazendo e defendendo.", diz o último
parágrafo da reportagem que provocou estas reflexões.
"Ao mergulhar no
mundo das ideias de Paulo Mendes da Rocha, entendo que" a manutenção de um
blog cuja intenção é "espalhar ideias
que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez melhor"
também "é um discurso indignado
contra abusos, absurdos, especulação, desigualdade, explorações". Ou deveria
ser. É pelo menos essa a manutenção de um blog que tenho feito há seis anos e
meio, e que, aos 68, pretendo seguir fazendo e defendendo, diz o último
parágrafo desta postagem. Um "seguir fazendo e defendendo" onde outras
postagens espalhando ideias desse renomado arquiteto, que tanto nos encanta com
as coisas que diz, terão que ser incluídas.
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