Espalhar ideias do premiado arquiteto Paulo Mendes da Rocha é um
desejo antigo que consigo realizar com esta postagem. Dentre algumas coisas que
li sobre ele, a escolha pelo espalhamento da reportagem publicada na edição 268
da revista Trip em agosto de 2017 tem a seguinte explicação. Além da
habitual exposição de ideias interessantíssimas, presente em qualquer matéria
jornalística que fale sobre ele, nessa, Mendes da Rocha toca também no tema da atual sequência de postagens deste blog: crianças. Coincidentemente, ela foi
publicada na mesma edição da revista da qual retirei a reportagem Pela janela do Opala da minha mãe,
espalhada na primeira postagem da sequência. Em mais uma coincidência, as
duas são apresentadas em páginas consecutivas.
O mais indignado dos discursos
"Todos nós
sabemos que vamos morrer, mas também sabemos que não nascemos para morrer,
nascemos para continuar." Essa é uma das frases ditas pelo arquiteto Paulo
Mendes da Rocha, 88 anos, no filme Tudo é
projeto, obra da cineasta Joana Mendes da Rocha, sua filha. A ideia da vida
continuada vem da escola de filosofia de Frankfurt, Paulo explica, emendando
por que acha o conceito fascinante: para ele, a reflexão da escola alemã fala a
respeito de nossa infinita capacidade de transmitir conhecimento. "Só isso
explica por que ainda estamos aqui", diz um dos arquitetos mais premiados
do mundo, merecedor, entre muitos outros títulos, de um Pritzker em 2006, o
Nobel da arquitetura. "Arquiteto não é quem inventa, é quem continua",
explica.
A humanista visão de
mundo de Mendes da Rocha e suas muitas intervenções urbanas (em São Paulo ele
fez o MuBe, o pórtico da Praça do Patriarca e a reforma da Pinacoteca do
Estado, para citar três) vão render a ele um Prêmio Transformadores em 2017.
Falar de arquitetura é
falar da experiência humana, e Mendes da Rocha não consegue elaborar a
arquitetura sem misturar todas essas coisas porque para ele arquitetura é, antes
de mais nada, a transformação da geografia. "A natureza não é habitável em
si", disse recentemente em entrevista concedida a um grupo de jovens
arquitetos na cidade do Porto, em Portugal. "Tudo é transformado para que
a natureza consiga nos abrigar." Nesse sentido, a arquitetura é um
trabalho árduo, a eterna transformação da ideia em coisas. É, como ele sugere,
a capacidade de lançar a imaginação nos horizontes do absurdo.
Escutá-lo falar é
experimentar um ser humano refletindo enquanto nos faz perceber que arquitetura
é filosofia e poesia sem deixar de ser também engenharia. É bastante difícil
não se encantar pelas coisas que ele diz.
Paulo Mendes da Rocha
nasceu em Vitória, no Espírito Santo, fez faculdade no Mackenzie, em São Paulo,
e foi contemporâneo do modernista João Batista Vilanova Artigas. O marxismo
entrou em suas veias muito cedo e em 1964, quando os militares tomaram o poder,
Mendes da Rocha foi proibido de dar aulas na faculdade de arquitetura da
Universidade de São Paulo e teve sua licença revogada. Enquanto muitos colegas
de profissão escapavam da ditadura saindo do Brasil, ele, que já tinha cinco
filhos (hoje, tem seis), ficou e esperou o horror passar. "Um arquiteto
que se preze não deve pensar em arquitetura, mas em formas engenhosas de
realizar desejos e necessidades humanas", diz, desenhando a arquitetura
como uma espécie de poesia das formas.
É nesse espaço que a
arquitetura se coloca como filosofia revolucionária, na medida em que é capaz
de pensar uma cidade para todos, talvez a mais nobre das batalhas humanas. "[Em São Paulo] há apartamentos que têm
uma piscina em cada varanda. É a rota do desastre", disse em entrevista à Trip
em 2001 (ele esteve nas Páginas Negras na edição 94, a primeira de um novo
projeto editorial que ajudou a inspirar, participando como colaborador na
reestruturação da revista).
"Um arquiteto que se preze não deve pensar em
arquitetura, mas em formas engenhosas de realizar desejos e necessidades
humanas"
Mendes da Rocha não
entende a corrida de certa escola de arquitetura voltada para a especulação e
para o consumo desenfreado que manda erguer um prédio de 180 andares. Ele se
pergunta quem gostaria de morar ou de trabalhar no 120º andar e que tipo de
recorde se pretende bater com esses arranha-céus. "Você não é obrigado a
fazer uma bomba atômica só porque conhece profundamente a energia atômica",
diz. Arquitetura é muito mais do que isso e, assim como a vida, é
experimentação eterna.
O CAMINHO DA ESCOLA
"Ele sonha com a
chegada da revolução, mas apressa-se em explicar no que ela consiste. A
revolução de Paulo Mendes da Rocha não prevê homens se matando, mas um
horizonte festivo de realizações de sonhos. É, para começar, uma revolução no
ensino, a morte definitiva do que fazemos hoje com nossas crianças, que é
discipliná-las e mandar que fiquem quietas. "O ensino é repressivo, somos
malucos para transformar tudo em mercadorias, inclusive o estudo. Cobrar estudo
devia ser proibido", diz e cita o que aconteceu com a escola Caetano de
Campos, no Centro de São Paulo, que era uma das mais tradicionais e renomadas
da cidade. Ao construírem ali uma saída de metrô, a escola deixou de existir e
deu lugar à Secretaria de Cultura. Trata-se, ele diz, de uma degeneração. "Querem
que a criança vá para a aula de chofer e carro blindado?", pergunta,
indignado. "O que educa uma criança é o caminho da escola, nem tanto a
escola em si."
É esse o cenário em
que a arquitetura passa a ser uma narrativa, "um discurso consistente
sobre a experiência humana no sentido de como vamos habitar o planeta". Esse,
ou qualquer outro planeta, a bem da verdade.
Para Mendes da Rocha,
o ideal do homem inteligente é não possuir nada e, dentro desse cenário,
preferiria levar um tiro a andar em carro blindado. Ao mergulhar no mundo de
suas ideias, entendemos que arquitetura é um discurso indignado contra abusos,
absurdos, especulação, desigualdade, explorações. Ou deveria ser. É pelo menos
essa a arquitetura que ele tem feito há décadas, e que, aos 88, pretende seguir
fazendo e defendendo.
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"Escutar Paulo Mendes da Rocha falar é experimentar um ser humano refletindo enquanto nos faz perceber que arquitetura é filosofia e poesia sem deixar de ser também engenharia. É bastante difícil não se encantar pelas coisas que ele diz."
E para quem "se encantar
pelas coisas que ele diz", não "experimentar refletir" sobre o
que se ouve talvez seja também algo "bastante difícil"! Será que vocês
concordam?
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