Neste momento em que, atingida por mais uma
daquelas periódicas ondas de desânimo em relação ao futuro deste país e
imitando a banda Skank, uma
considerável quantidade de pessoas almeja "fugir deste lugar" e ir
para "outro lugar qualquer", encontrei na edição de 15 de julho de
2017 do jornal O Globo um artigo de
Arnaldo Bloch que pode ser bastante útil para ajudar a decidir qual o lugar
para onde fugir. Título do artigo? A
saída é...
A saída é...
E agora?
Qual a saída? O aeroporto é uma. Já dizia Tom Jobim. Não, não foi ele. Foi o
gaitista Maurício Einhorn. Não importa. Ficou sendo Tom. É a verdade mítica.
Ele tinha medo de avião, depois deixou de ter. Não, medo de avião foi Belchior.
Foi, não foi. Foi-se o sapo-boi. Ainda não somos os mesmos. Somos piores. Mas éramos
melhores? Éramos ruins, mas de outro jeito. E tinha o samba. Do avião. A ode ao
Rio. E a saída do Tom. Tanto que o aeroporto ganhou o nome dele. O pessoal
chiou. Galeão? Engenhão? Não. Tom. Niltão. Antigamente eu não tinha medo de
voar. Até achava que aquilo não era real, era alguém passando slides na janela.
Hoje, na hora da turbulência severa, fecho os olhos e penso no surfboard: fui, já fui, não fui. Não
tenho medo de avião. Rezo para ser abduzido. Como diz uma pichação atual: "Se
eu for abduzido, não é sequestro. É resgate". Medo, mesmo, tenho é do
Brasil.
Ame-o ou
deixe-o? Eu deixo de amar. Aos poucos quase me despeço da terra, das palmeiras,
da linha do mar, do sabiá, Sabe-se lá?
Não tenho medo de
avião. Medo tenho é do Brasil. Ame-o ou deixe-o? Eu deixo de amar. Quase me
despeço da terra, das palmeiras, da linha do mar, do sabiá. Sabe-se lá?
Vira e
mexe me vem o refrão do Chico. As últimas fichas estão caindo, e os caras
jogando suas fichas sujas na nossa cara, de olho no pleito que, a esta altura,
virou cassino do caos em mercado futuro. Um exílio brechtiano faria bem. Olhar
para nós e para mim, lá de fora.
Mas de
onde? Tom foi para os EUA. O império continua lá. Mas no lugar dos trompetes
hoje soam os gritos histéricos das "trumpetes" com seus filhos
armados até os dentes de leite.
Europa? E
as bombas? Os atropelamentos em massa? Estados de urgência? Neofascismos,
fossos étnicos?
Ah,
teremos sempre Portugal! Tem uma turma fugindo para a lusitânia. É só comprar
uma quitinete mais barata que conjugado em Copacabana e ficar ali, nas colinas,
mirando os telhados da Alfama sob o sol. E, ao fundo, o Tejo, de onde saíram os
navegadores que iniciaram essa nossa odisseia. E chorar nas tascas, bisavós
eternas dos botecos.
Ora pois,
ninguém quer explodir Portugal, atropelar português, atirar a esmo na Casa do
Alentejo ou nas cantoras de fado do Ferreirinha. Mas o imposto é dose... Ganha
até do Brasil. E a melancolia corrói qualquer coração mestiço. E o rancor?
Amsterdã, então? Cidade criativa, razão e emoção, soluções a granel, bike,
bonde, a utopia da legalização de tudo, até da morte autoassistida, se a coisa
ficar braba. Mas por trás de toda essa maravilha há o racismo que progride nas
entranhas de uma sociedade enigmática, com muita mágoa sob a máscara de tulipas
e o idílio das vaquinhas malhadas. A Europa está empesteada, tão empesteada que
a Alemanha, sítio exemplar dos horrores do século passado, é hoje o farol
isolado do que restou dos ideais libertários que levantaram a união continental
ora ameaçada de extinção. Na linha do pertencimento diaspórico, haverá aquela ponte sempre aberta para a terra de
Sion... um mês, e a cidadania está no papo, lei do eterno retorno... Mas dormir
com um olho sempre aberto na guerra iminente que une irmãos num laço inquebrantável
de sangue? Não, obrigado. Sou diaspórico
até o fim.
Uma opção
tribalista: viver com os ianomânis numa aldeia semi-isolada. Uma forma de sair
sem sair. Mas agora?, que o nosso colosso parlamentar desavergonhou-se de vez
sob as rédeas de sanguessuga, e não vê a hora de acabar com a floresta, fatiar
a terra, garimpar, grilar, queimar e jogar os índios na indigência?
Até me
ocorre Montevidéu. Dizem que é a maior paz. A metrópole sem peso. O verdinho do
Prado, a prata do Prata e umas cidadezinhas de herança colonial, um custo de
vida razoável, leis modernas. Não chegaria a morrer de tédio no Uruguai. Mas,
se fosse para sair, ir assim tão perto não traria o sentimento profundo do
exílio voluntário, estando a poucas horas daqui... Não. Para sair não poderia ser
tão fácil voltar.
Se me
desse a louca iria amarrar meu burro no Oriente, num mosteiro, aprender a
meditar, e ir para o alto da montanha comer o pão de Deus que, agora sabemos,
não é brasileiro coisa nenhuma, assim como qualquer espírito ou força que o valha.
Divina,
subatômica, oculta na gravidade em loop,
inteligente ou aleatória, nenhuma força da natureza primaria por nacionalidade,
nem por espécie. Tudo que é humano lhe escapa, e tal ignorância é a chave da
prosperidade universal.
Mas o
diabo é que, por mais casmurros que sejam meus impulsos, não fui feito para a
solidão ou o isolamento. Meu ensimesmamento termina quando minha natureza
gregária clama pelo outro. O outro sou eu. E, sem o outro, nada sou.
Brasileiro,
vou ficando. Com um livro, um piano, a gente amiga, e a mãezinha, meditando sem
lótus, arranhando um pilates e um violão, procurando não proferir sentenças
definitivas e aceitando a perplexidade com a candura de um gafanhoto de kung
fu.
*************
Será que a
visão que Arnaldo Bloch tem dos países e dos continentes citados em seu artigo
faz algum sentido? Será que neste mundo assolado por ações e comportamentos
desprovidos de sentido existe algum país isento de males e de problemas? Será
que trocar de país será trocar de males e de problemas? Será que os
insatisfeitos em um país serão bem-vindos aos lugares para onde almejem fugir?
Será que, considerando os "serás?" anteriores, "A saída é..."
a solução? Não, a saída jamais será a solução, pois saída e solução são duas
coisas bastante diferentes. Diferenciação entre saída e solução, eis um
bom tema para a próxima postagem.
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