Após Superocupação
improdutiva será que Vadiagem
produtiva é algo que cairá bem? Pelo sim pelo não (embora não estejamos em um
centro de depilação) creio que vale a pena dar uma lida no artigo de Lúcia
Guimarães intitulado Vadiagem produtiva
publicado na edição de 3 de abril de 2017 do jornal O Estado de S. Paulo.
Vadiagem produtiva
"Estou numa reunião", diz a mensagem
de texto. "Ele está em reunião", diz um assistente ao telefone. "Amanhã
não dá porque tenho duas reuniões seguidas." Tenho um leve choque cultural
cada vez que viajo ao Brasil. Meus parentes e amigos estão sempre numa reunião.
E seus dias de trabalho são mais longos do que os de profissionais que conheço
em Nova York. Fiz uma pesquisa informal entre os reféns das reuniões
intermináveis e colhi a mesma impressão: as reuniões são longas, com pouco foco
e, frequentemente, poderiam ser substituídas por uma troca de e-mails.
Ofereço dois nomes: Charles Darwin e Ingmar
Bergman. Por que citar juntos o pai da Teoria da Evolução e o grande cineasta
do século 20? Gênio, será a resposta mais provável. Um exame das duas
biografias revelaria também ambição e paixão pelo que faziam. Os dois homens
que mudaram, um a história da ciência, o outro, a história de uma arte, tinham
algo mais em comum. Ambos trabalhavam poucas horas por dia, apesar de terem
deixado uma produção copiosa.
Nossa cultura de conexão eletrônica incessante
enfrenta a angústia da invasão do trabalho na vida pessoal. Um autor americano,
Alex Soojung-Kim Pang, diz que algumas grandes figuras históricas devem ser
objeto de atenção não apenas pelas suas conquistas, mas também pela maneira
como descansavam.
Charles Darwin sentava à mesa do escritório às
8 da manhã. Pesquisava, lia correspondência, escrevia cartas. Ao meio-dia,
declarava, "tive um bom dia de trabalho". Depois de almoçar, tirar
uma soneca, e caminhar, Darwin passava, se tanto, mais uma hora no escritório,
antes do jantar.
Ingmar Bergman dizia que precisava de rotina.
Caminhava, comia e lia no mesmo horário. Tempo dedicado a trabalhar nos
roteiros, peças e livros? Não mais do que três horas por dia.
Estas e outras histórias estão no livro Rest, Why You Get More Done When You Work
Less (Descanso, Por Que Você Faz Mais Quando Trabalha Menos), de Alex
Soojung-Kim Pang, um veterano do Vale do Silício e fundador da Restful Company,
uma consultoria que examina o problema do excesso de trabalho e seu efeito na
produtividade. Ele diz que pessoas talentosas que se mostram produtivas vão
longe, não apesar do lazer e do descanso, mas por causa deles.
O aumento da instabilidade no emprego e os
gadgets digitais nos tornaram mais inseguros sobre o direito de desligar. Na
década de 1950, uma pesquisa feita num instituto de tecnologia do Estado de
Illinois mostrou que os cientistas mais produtivos, os que publicavam mais
artigos, passavam uma média de 20 horas por semana no local de trabalho. Os que
passavam 35 horas publicavam menos. Os piores, em matéria de produtividade? Os
que trabalhavam 60 horas por semana.
Diversos profissionais e artistas citados no
livro de Alex Soojung-Kim Pang revelam preferência similar por manter uma
rotina e se proteger de distrações. Não é coincidência que a era mais infestada
de distrações na história da humanidade seja uma era de dias de trabalho cada
vez mais longos. O sucesso, diz o autor, está na constância da "prática
deliberada" que é feita com foco, estrutura e clareza de objetivos. Pode
ser o atleta que não deixa de acordar cedo para nadar. Ou um amigo compositor
que me mostrou um chapéu em cima do piano cheio de pedacinhos de papel, cada um
com uma clave musical. Todo dia, ele sorteava uma e se obrigava a compor
naquela clave por 40 minutos.
Mas a prática deliberada é um esforço que deve
ser limitado. Se não praticar, afasta as chances de sucesso, praticar demais
aumenta as chances de fracasso. É uma noção especialmente importante para
determinar as horas de estudo extraescolar e preparação para testes. Alex
Soojung-Kim Pangdiz que é preciso distinguir entre disponibilidade de tempo e
disponibilidade mental e física para dedicar a um esforço. Ele cita outro
estudo, feito nos anos 1980, entre violinistas no conservatório de Berlim. Os
violinistas de menos sucesso subestimavam o número de horas dedicadas ao
descanso e lazer. Os mais bem-sucedidos respondiam com precisão sobre a
distribuição do tempo entre descanso e trabalho. Ou seja, seu descanso era mais
consciente e deliberado.
Mais ócio e menos reuniões.
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"Descanso, Por Que Você Faz Mais Quando
Trabalha Menos", eis o título de um livro do fundador de uma consultoria
que examina o "problema do excesso de trabalho e seu efeito na
produtividade". Como interpretar tal título? No meu entender, usando uma
frase atribuída ao próprio autor no penúltimo parágrafo do artigo de Lúcia
Guimarães: "É preciso distinguir entre disponibilidade de tempo e
disponibilidade mental e física para dedicar a um esforço".
Sim, dispor de tempo e dispor de condições mental
e física para dedicar a um esforço são duas coisas diferentes; muito
diferentes! E é exatamente por não enxergarmos tal distinção, por não respeitarmos
tal diferença que trabalhamos mais; muito mais do que precisaríamos trabalhar
para realizarmos as tarefas que nos são atribuídas. Afinal, em que consiste essa
nefasta coisa denominada retrabalho, tão comum no teatro corporativo, senão no
refazimento de tarefas malfeitas, inúmeras vezes por terem sido feitas sem a
posse de condições mental e física satisfatórias? Vocês já pensaram nisso? Já
se manifestaram contra a prática de trabalhar mal? Eu, já. Durante as 3,7
décadas em que atuei no teatro corporativo, insurgir-me contra as más práticas nele
largamente praticadas foi algo que sempre fiz. O sinistro da história é que uma
das coisas mais apregoadas em tal teatro é a adesão às "melhores práticas".
Como disse Albert Einstein: "Existem
apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho
tanta certeza quanto ao Universo."
E ao falar em história, aproveito para chamar
atenção para o trecho do artigo de Lúcia Guimarães em que é citada uma
interessante passagem do livro de Alex Soojung-Kim Pang.
"Na década de 1950, uma pesquisa feita num instituto de tecnologia do Estado de Illinois mostrou que os cientistas mais produtivos, os que publicavam mais artigos, passavam uma média de 20 horas por semana no local de trabalho. Os que passavam 35 horas publicavam menos. Os piores, em matéria de produtividade? Os que trabalhavam 60 horas por semana."
Ou seja, mostrar que, ao contrário do que a maioria
pensa (sic), o aumento da produtividade não é diretamente proporcional à
quantidade de horas trabalhadas é algo que já se fazia no século passado; no
milênio passado, não é mesmo? Então, por que a maioria ainda insiste em não
aderir ao que é mostrado em pesquisas como a citada no parágrafo anterior
Talvez por que nem todos têm a consciência que tem a mãe de um ex-colega que
trabalhava na Contabilidade, uma área onde trabalhar 60 horas por semana era
algo corriqueiro. Contado por ele, leiam o que certa vez ele ouviu dela: "Quem
trabalha de segunda a sexta até altas horas e ainda precisa ir trabalhar aos
sábados só pode ser incompetente." E consequentemente improdutivo, não é
mesmo?
Para quem interessar-se em ler outras
postagens que têm muito a ver com o artigo de Lúcia Guimarães, seguem os
seguintes links: Não é preguiça, é eficiência (16 de março de 2012), Não é dedicação, é ineficiência (20 de março de 2012), Contrate preguiçosos (23 de março de 2012).
Mais ócio e menos
reuniões, eis a recomendação com a qual Lúcia Guimarães encerra seu
excelente artigo. Mutatis mutandis,
após tudo o que foi dito nesta postagem e na anterior, eis a recomendação
com a qual encerro esta postagem: Mais vadiagem
e menos superocupação.
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