Após Um encontro casual, mantendo a casualidade, este blog apresenta uma
postagem intitulada Um aprendizado casual.
Elaborada a partir de uma história encontrada, casualmente, em um livro
intitulado O Mercador e o Papagaio – Histórias
orientais como ferramentas em psicoterapia, de Nossrat Peseschkian,
diferentemente do que costumo fazer, não dei à postagem o mesmo título dado ao
texto que a provocou, e explico.
Apresentada sob o
título Não tudo ao mesmo tempo, o
autor do livro usa a referida fábula oriental para "demonstrar os
problemas da educação e da terapia: ou se dá muito pouco, ou se dá demasiado de
uma só vez. Em ambos os casos, o desenvolvimento do homem não é levado em
consideração." Considerando que a história possibilita inúmeras interpretações,
nesta postagem, uso-a para demonstrar a relação existente entre aprender e
ensinar. Aprender e Ensinar, eis o outro título cogitado para esta postagem.
Não tudo ao mesmo
tempo
O mulá, um
pregador, entrou num determinado recinto para dar um sermão. A sala estava
vazia, exceto pela presença de um jovem cavalariço, sentado na primeira fila. O
mulá, cogitando se devia falar ou não, finalmente disse ao cocheiro: "Você
é a única pessoa aqui. Acha que eu deveria falar, ou não?". O cavalariço
respondeu-lhe: "Mestre, eu sou apenas um homem simples e não entendo
dessas coisas. Mas, se eu entrasse nos estábulos e visse que todos os cavalos
haviam fugido e apenas um restava, mesmo assim eu daria comida para ele."
O mulá
tomou isso a peito e começou a pregar. Falou durante mais de duas horas. Depois
disso, sentiu-se exultante e queria que a plateia confirmasse a grandeza do seu
sermão. Ele perguntou: "Você gostou do meu sermão?". O cavalariço
respondeu: "Já lhe disse que eu sou um homem simples e não entendo bem
dessas coisas. Entretanto, se eu entrasse nos estábulos e descobrisse que todos
os cavalos haviam fugido exceto um, eu daria de comer a ele, mas não lhe daria toda
a ração que eu tivesse."
*************
"As
velhas histórias orientais demonstram que nossos conflitos, problemas e dúvidas
são tão velhos como a própria humanidade.", diz Maurício Knobel no
prefácio escrito em março de 1992, época em que era professor titular de
Psiquiatria na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, para do livro de
Nossrat Peseschkian.
Nossos
conflitos e problemas são tão velhos quanto à própria humanidade! Conflitos e
problemas mantidos pela nossa persistência em interpretar problemas de forma
equivocada. Pelo nosso desinteresse em aprender a interpretá-los de forma
correta. Pela nossa estupidez em dividir a própria (ou seria imprópria?) humanidade
em dois tipos de pessoas: as que veem a este mundo para ensinar e as que veem para
aprender, ignorando que todas veem para aprender e para ensinar.
Minha
interpretação da história selecionada para esta postagem é feita com a intenção
de espalhar a ideia de contestar essa estúpida divisão. Divisão da qual resulta
a dificuldade de pais aprenderem com filhos; professores aprenderem com alunos;
chefes aprenderem com subordinados; enfim, de indivíduos que se considerem
superiores aprenderem com aqueles por eles considerados inferiores.
"Um pregador, entrou num determinado recinto para dar um sermão", e ao encontrar "a sala vazia, exceto pela presença de um jovem cavalariço, sentado na primeira fila, cogitando se devia falar ou não, ele disse ao cocheiro: "Você é a única pessoa aqui. Acha que eu deveria falar, ou não?"
Ou seja,
surpreendido pela ausência de uma grande plateia ávida por seus ensinamentos, um
representante das pessoas que veem a este mundo para ensinar indaga a uma das
que veem para aprender "se deveria falar, ou não". E aí, talvez mais
surpreso ainda, o mestre ouve do aprendiz a seguinte resposta: "Mestre, eu
sou apenas um homem simples e não entendo dessas coisas. Mas, se eu entrasse
nos estábulos e visse que todos os cavalos haviam fugido e apenas um restava,
mesmo assim eu daria comida para ele." Sinistro, não? Será que nessa
interação alguma coisa foi ensinada e / ou aprendida? Se a resposta for
afirmativa, quem vocês acham que ensinou e / ou quem vocês acham que aprendeu?
Será que a realização do sermão, após o que lhe foi dito pelo cavalariço, demonstra
que o mestre aprendeu algo com o aprendiz?
Então, dando ouvidos ao que disse o aprendiz, "O mestre tomou sua resposta a peito e começou a pregar. Falou durante mais de duas horas. Depois disso, sentiu-se exultante e queria que a plateia confirmasse a grandeza do seu sermão. Ele perguntou: "Você gostou do meu sermão?".
E ao fazer
mais uma indagação, creio que o mestre tenha se deparado com mais uma surpresa
proporcionada por mais uma resposta do aprendiz: "Já lhe disse que eu sou
um homem simples e não entendo bem dessas coisas. Entretanto, se eu entrasse
nos estábulos e descobrisse que todos os cavalos haviam fugido exceto um, eu
daria de comer a ele, mas não lhe daria toda a ração que eu tivesse.".
Sinistro, não? Será que nessa nova interação mais alguma coisa foi ensinada e /
ou aprendida? Por quem?
Aprender e ensinar!
Será que faz sentido dividir a humanidade em pessoas que veem a este mundo para
ensinar e pessoas que veem para aprender; dividi-la em mestres e em aprendizes?
Será que definir mestre como alguém que sempre ensina é algo que faz sentido?
Guimarães Rosa acha que não. Afinal, segundo ele, "Mestre não é quem sempre
ensina, mas quem de repente aprende." Em outras palavras, e em
conformidade com a história apresentada acima, mestre não é quem sempre ensina,
mas quem de repente está aberto para aceitar um aprendizado casual. Um
aprendizado casual oferecido até mesmo pela única pessoa presente em um
evento em que um mestre esperava encontrar uma grande plateia.
Dito isto, será que
faz sentido afirmar que aprender e ensinar são duas atribuições de todos os
indivíduos que veem a este mundo? Duas coisas para as quais todos devem estar abertos?
Aprender e ensinar, eis duas coisas as quais dedica-se o
mantenedor deste blog. Ensinar a partir do espalhamento de ideias aprendidas em
textos e histórias interessantes como a selecionada para esta postagem.
Aprender a partir de respostas dadas por quem leia as postagens, mesmo que,
assim como na história contada acima, a quantidade de leitores deste blog seja
pequena.
E ao falar em quantidades pequenas, repito aqui uma afirmação
atribuída à diretora Sandra Werneck em uma reportagem de Fabiano Ristow, publicada na edição de
23 de abril de 2017, do jornal O Globo.
"Não penso mais no mercado de cinema. Depois de tantos filmes, agora só
farei o que me interessa, nem que apenas três pessoas vejam".
Uma afirmação
interessante que uso como base para dizer o seguinte. Considerando que eu nunca
pensei em mercado algum, desde o início deste blog só faço o que considero que
interesse, não só a mim, mas também a todos que ainda almejem uma vida melhor. O
que eu faço? Como é dito no título do blog, "Espalho ideias que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para
torná-la cada vez melhor", nem que apenas três pessoas leiam as
postagens. E torço para que aqueles que as leiam respondam com um comentário ou
uma resposta por e-mail. Afinal, repetindo o que é dito dois parágrafos acima, "aprender e ensinar, são duas coisas as
quais dedica-se o mantenedor deste blog." E aprendizagens casuais serão sempre
muito bem aceitas. Compreendido?
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