segunda-feira, 31 de julho de 2017

Um aprendizado casual

Após Um encontro casual, mantendo a casualidade, este blog apresenta uma postagem intitulada Um aprendizado casual. Elaborada a partir de uma história encontrada, casualmente, em um livro intitulado O Mercador e o Papagaio – Histórias orientais como ferramentas em psicoterapia, de Nossrat Peseschkian, diferentemente do que costumo fazer, não dei à postagem o mesmo título dado ao texto que a provocou, e explico.
Apresentada sob o título Não tudo ao mesmo tempo, o autor do livro usa a referida fábula oriental para "demonstrar os problemas da educação e da terapia: ou se dá muito pouco, ou se dá demasiado de uma só vez. Em ambos os casos, o desenvolvimento do homem não é levado em consideração." Considerando que a história possibilita inúmeras interpretações, nesta postagem, uso-a para demonstrar a relação existente entre aprender e ensinar. Aprender e Ensinar, eis o outro título cogitado para esta postagem.
Não tudo ao mesmo tempo
O mulá, um pregador, entrou num determinado recinto para dar um sermão. A sala estava vazia, exceto pela presença de um jovem cavalariço, sentado na primeira fila. O mulá, cogitando se devia falar ou não, finalmente disse ao cocheiro: "Você é a única pessoa aqui. Acha que eu deveria falar, ou não?". O cavalariço respondeu-lhe: "Mestre, eu sou apenas um homem simples e não entendo dessas coisas. Mas, se eu entrasse nos estábulos e visse que todos os cavalos haviam fugido e apenas um restava, mesmo assim eu daria comida para ele."
O mulá tomou isso a peito e começou a pregar. Falou durante mais de duas horas. Depois disso, sentiu-se exultante e queria que a plateia confirmasse a grandeza do seu sermão. Ele perguntou: "Você gostou do meu sermão?". O cavalariço respondeu: "Já lhe disse que eu sou um homem simples e não entendo bem dessas coisas. Entretanto, se eu entrasse nos estábulos e descobrisse que todos os cavalos haviam fugido exceto um, eu daria de comer a ele, mas não lhe daria toda a ração que eu tivesse."
*************
"As velhas histórias orientais demonstram que nossos conflitos, problemas e dúvidas são tão velhos como a própria humanidade.", diz Maurício Knobel no prefácio escrito em março de 1992, época em que era professor titular de Psiquiatria na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, para do livro de Nossrat Peseschkian.
Nossos conflitos e problemas são tão velhos quanto à própria humanidade! Conflitos e problemas mantidos pela nossa persistência em interpretar problemas de forma equivocada. Pelo nosso desinteresse em aprender a interpretá-los de forma correta. Pela nossa estupidez em dividir a própria (ou seria imprópria?) humanidade em dois tipos de pessoas: as que veem a este mundo para ensinar e as que veem para aprender, ignorando que todas veem para aprender e para ensinar.
Minha interpretação da história selecionada para esta postagem é feita com a intenção de espalhar a ideia de contestar essa estúpida divisão. Divisão da qual resulta a dificuldade de pais aprenderem com filhos; professores aprenderem com alunos; chefes aprenderem com subordinados; enfim, de indivíduos que se considerem superiores aprenderem com aqueles por eles considerados inferiores.
"Um pregador, entrou num determinado recinto para dar um sermão", e ao encontrar "a sala vazia, exceto pela presença de um jovem cavalariço, sentado na primeira fila, cogitando se devia falar ou não, ele disse ao cocheiro: "Você é a única pessoa aqui. Acha que eu deveria falar, ou não?"
Ou seja, surpreendido pela ausência de uma grande plateia ávida por seus ensinamentos, um representante das pessoas que veem a este mundo para ensinar indaga a uma das que veem para aprender "se deveria falar, ou não". E aí, talvez mais surpreso ainda, o mestre ouve do aprendiz a seguinte resposta: "Mestre, eu sou apenas um homem simples e não entendo dessas coisas. Mas, se eu entrasse nos estábulos e visse que todos os cavalos haviam fugido e apenas um restava, mesmo assim eu daria comida para ele." Sinistro, não? Será que nessa interação alguma coisa foi ensinada e / ou aprendida? Se a resposta for afirmativa, quem vocês acham que ensinou e / ou quem vocês acham que aprendeu? Será que a realização do sermão, após o que lhe foi dito pelo cavalariço, demonstra que o mestre aprendeu algo com o aprendiz?
Então, dando ouvidos ao que disse o aprendiz, "O mestre tomou sua resposta a peito e começou a pregar. Falou durante mais de duas horas. Depois disso, sentiu-se exultante e queria que a plateia confirmasse a grandeza do seu sermão. Ele perguntou: "Você gostou do meu sermão?".
E ao fazer mais uma indagação, creio que o mestre tenha se deparado com mais uma surpresa proporcionada por mais uma resposta do aprendiz: "Já lhe disse que eu sou um homem simples e não entendo bem dessas coisas. Entretanto, se eu entrasse nos estábulos e descobrisse que todos os cavalos haviam fugido exceto um, eu daria de comer a ele, mas não lhe daria toda a ração que eu tivesse.". Sinistro, não? Será que nessa nova interação mais alguma coisa foi ensinada e / ou aprendida? Por quem?
Aprender e ensinar! Será que faz sentido dividir a humanidade em pessoas que veem a este mundo para ensinar e pessoas que veem para aprender; dividi-la em mestres e em aprendizes? Será que definir mestre como alguém que sempre ensina é algo que faz sentido? Guimarães Rosa acha que não. Afinal, segundo ele, "Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende." Em outras palavras, e em conformidade com a história apresentada acima, mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente está aberto para aceitar um aprendizado casual. Um aprendizado casual oferecido até mesmo pela única pessoa presente em um evento em que um mestre esperava encontrar uma grande plateia.
Dito isto, será que faz sentido afirmar que aprender e ensinar são duas atribuições de todos os indivíduos que veem a este mundo? Duas coisas para as quais todos devem estar abertos?
Aprender e ensinar, eis duas coisas as quais dedica-se o mantenedor deste blog. Ensinar a partir do espalhamento de ideias aprendidas em textos e histórias interessantes como a selecionada para esta postagem. Aprender a partir de respostas dadas por quem leia as postagens, mesmo que, assim como na história contada acima, a quantidade de leitores deste blog seja pequena.
E ao falar em quantidades pequenas, repito aqui uma afirmação atribuída à diretora Sandra Werneck em uma reportagem de Fabiano Ristow, publicada na edição de 23 de abril de 2017, do jornal O Globo. "Não penso mais no mercado de cinema. Depois de tantos filmes, agora só farei o que me interessa, nem que apenas três pessoas vejam".
Uma afirmação interessante que uso como base para dizer o seguinte. Considerando que eu nunca pensei em mercado algum, desde o início deste blog só faço o que considero que interesse, não só a mim, mas também a todos que ainda almejem uma vida melhor. O que eu faço? Como é dito no título do blog, "Espalho ideias que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez melhor", nem que apenas três pessoas leiam as postagens. E torço para que aqueles que as leiam respondam com um comentário ou uma resposta por e-mail. Afinal, repetindo o que é dito dois parágrafos acima, "aprender e ensinar, são duas coisas as quais dedica-se o mantenedor deste blog." E aprendizagens casuais serão sempre muito bem aceitas. Compreendido?

Nenhum comentário: