segunda-feira, 12 de junho de 2017

Reflexões provocadas por "Saúvas Somos Nós"

Com a intenção de evitar mais uma postagem do tipo "Reflexões provocadas por", tentei incluir na própria postagem as reflexões provocadas pelo texto nela apresentado. Tentativa sem êxito, pois a postagem ultrapassaria o tamanho limite por mim estabelecido com a finalidade de não desestimular sua leitura nestes tempos em que, para uma grande quantidade de pessoas, qualquer coisa que excede 140 caracteres é considerada um tratado. Sendo assim, seguem as reflexões provocadas por Saúvas Somos Nós.
"O capitalismo quer mais consumo, é a lógica do negócio.", diz André Caramuru Aubert em seu excelente artigo Saúvas Somos Nós. Mais consumo que requer mais produção. Mais produção que requer mais extração. Mais extração que resulta em mais destruição de recursos naturais. Uma extração desenfreada para alimentar um estúpido processo - produzir, consumir, descartar, destruir, gerar lixo e substituir, incessantemente. E assim, seguindo a nefasta lógica do negócio, sob o pretexto de extração para produção de coisas "necessárias" à vida, o capitalismo procede a uma verdadeira devastação do meio ambiente. Capitalismo e preservação do meio ambiente, eis duas coisas simplesmente incompatíveis.
"Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil.", eis a frase que, segundo André Caramuru, parece ter sido cunhada pelo botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, em 1822, em referência às saúvas, que devoravam hectares e mais hectares de plantações de café que faziam as fortunas dos barões do império. Frase, segundo ele, infinitamente repetida até perto de nossos dias e a partir da qual ele faz a seguinte indagação: "O problema eram as saúvas?".
Indagação que ele mesmo responde assim: "O problema, é óbvio, foi o desequilíbrio ecológico causado pelo desmatamento selvagem e o plantio inconsequente, que, além de alimentar formigas poderosas e livres de predadores naturais, também levou ao completo esgotamento as terras do Vale do Paraíba." Resposta que enxergo embasada em uma interpretação simples e incontestável - "vivendo na região da qual eram naturais, não há registro de que as saúvas tenham, ao longo de milênios, destruído floresta alguma".
Ou seja, como diz André Caramuru, "Temos sempre que culpar alguém ou lamentar a falta de sorte.", pois admitir a culpa por qualquer mal que nos aflige é algo que a maioria jamais se dispõe a fazer. E terminando seu excelente artigo Caramuru afirma que as saúvas somos nós, conforme mostra o último parágrafo reproduzido abaixo.
"É claro que mais planejamento e fiscalização, por parte dos governos (em todas as esferas), e a participação, por parte da sociedade, ajudariam muito. Mas enquanto continuarmos a acreditar que tudo o que existe no planeta foi criado para nosso exclusivo desfrute; enquanto acharmos que crescer sem limites (população, economia, consumo, cidades, prédios...) não é apenas necessário, mas até mesmo um desígnio divino, nós estaremos indo, mais e mais, na direção de um abismo. Será que ainda temos conserto? Não sei. O planeta está tomado por saúvas. E as saúvas somos nós."
Afirmação a partir da qual elaborei algumas considerações apresentadas a seguir.
Não, o problema do planeta não era estar tomado por saúvas, e sim o ambiente em que elas passaram a viver, pois, como é dito no artigo, enquanto viveram em um ambiente ecologicamente equilibrado não houve registro algum de males causados por elas, o que só ocorreu após o desequilíbrio ecológico provocado pela intervenção dos barões do império com a finalidade de aumentarem insaciavelmente suas fortunas.
Não, o problema do planeta não é estar tomado por seres que André Caramuru diz serem as saúvas, e sim o ambiente em que eles passaram a viver, pois enquanto viveram em um ambiente, digamos, psiquicamente mais equilibrado, enquanto ainda não imperava entre eles a insana crença de que tudo que existe no planeta foi criado para seu exclusivo desfrute; enquanto ainda não achavam que crescer sem limites (população, economia, consumo, cidades, prédios...) não é apenas necessário, mas até mesmo um desígnio divino, tais seres não representavam a ameaça que hoje representam para o planeta em que sobrevivemos.
"Será que ainda temos conserto?" – pergunta André Caramuru? Pergunta que ele mesmo responde com "Não sei". Pergunta que no único comentário feito sobre a postagem anterior foi respondida negativamente e que, no meu entender, fica mais fácil responder após a leitura de uma antiga história intitulada "O sábio e o pássaro" que pode ser encontrada em várias versões na internet, dentre elas a que escolhi para reproduzir a seguir.
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O sábio e o pássaro
Conta-se que certa feita um jovem maldoso e inconsequente resolveu pregar uma peça em idoso e experiente mestre, famoso por sua sabedoria.
— Quero ver se esse velho é sábio como dizem. Vou esconder um passarinho em minhas mãos. Depois, em presença de seus discípulos, vou perguntar-lhe se está vivo ou morto. Se responder que está vivo, eu o esmagarei e o apresentarei morto. Se afirmar que está morto, abrirei a mão e o pássaro voará. Uma armadilha infalível. Aos olhos de quem presenciasse o encontro, qualquer que fosse sua resposta, o sábio ficaria desmoralizado. E lá se foi o jovem mal-intencionado, com sua artimanha perfeita. Diante do ancião acompanhado dos aprendizes, fez a pergunta fatal:
— Mestre, este passarinho que tenho preso em minhas mãos está vivo ou morto?
O sábio olhou em seus olhos, como se perscrutasse os recônditos de sua alma, e respondeu:
— Meu filho, o destino desse pássaro está em suas mãos.
Esta história pode ser um exemplo da perversidade que não vacila em esmagar inocentes para conseguir seus objetivos. Será uma demonstração das excelências da sabedoria, a sobrepor-se aos ardis da desonestidade. É, sobretudo, uma ilustração perfeita sobre os mistérios do destino, pois tudo está sempre em nossas mãos.
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"Esta história é, sobretudo, uma ilustração perfeita sobre os mistérios do destino, pois tudo está sempre em nossas mãos". Sim, por mais incrível que possa lhes parecer, tudo está sempre em nossas mãos. Até porque, diferentemente das saúvas, somos seres a quem é dada a possibilidade de desenvolver a consciência até um grau que nos capacite para as duas seguintes habilidades: a percepção das consequências de nossos atos e, consequentemente, a correção de atos equivocados.
Dito isto, repito aqui a pergunta: "Será que ainda temos conserto?" Pergunta que, usando uma antiga e belíssima canção, Ivan Lins responderia assim: Depende de nós. Canção da qual extraí o seguinte trecho: "Depende de nós / Se esse mundo ainda tem jeito / Apesar do que o homem tem feito / Se a vida sobreviverá."
E para encerrar esta postagem, aproveito o seu final para responder uma pergunta feita em um e-mail recebido em resposta à postagem anterior: "Quer mudar o mundo ou apenas escrever?" Pergunta que, no meu entender, posso responder usando a primeira frase da primeira postagem deste blog. Intitulada "Por que criei um blog?", a primeira postagem deste blog começa assim: "Porque acredito em uma afirmação atribuída a Caio Graco: 'Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas'.". Vocês acham que a pergunta está respondida?

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