Com a intenção de
evitar mais uma postagem do tipo "Reflexões provocadas por", tentei
incluir na própria postagem as reflexões provocadas pelo texto nela
apresentado. Tentativa sem êxito, pois a postagem ultrapassaria o tamanho
limite por mim estabelecido com a finalidade de não desestimular sua leitura
nestes tempos em que, para uma grande quantidade de pessoas, qualquer coisa que
excede 140 caracteres é considerada um tratado. Sendo assim, seguem as
reflexões provocadas por Saúvas
Somos Nós.
"O capitalismo quer mais consumo, é a
lógica do negócio.", diz André Caramuru Aubert em seu excelente artigo Saúvas Somos Nós. Mais consumo que
requer mais produção. Mais produção que requer mais extração. Mais extração que
resulta em mais destruição de recursos naturais. Uma extração desenfreada para
alimentar um estúpido processo - produzir, consumir, descartar, destruir, gerar
lixo e substituir, incessantemente. E assim, seguindo a nefasta lógica do
negócio, sob o pretexto de extração para produção de coisas
"necessárias" à vida, o capitalismo procede a uma verdadeira
devastação do meio ambiente. Capitalismo e preservação do meio ambiente, eis duas
coisas simplesmente incompatíveis.
"Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o
Brasil.", eis a frase que, segundo André Caramuru, parece ter sido cunhada
pelo botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, em 1822, em referência às
saúvas, que devoravam hectares e mais hectares de plantações de café que faziam
as fortunas dos barões do império. Frase, segundo ele, infinitamente repetida
até perto de nossos dias e a partir da qual ele faz a seguinte indagação: "O
problema eram as saúvas?".
Indagação que ele
mesmo responde assim: "O problema, é óbvio, foi o desequilíbrio ecológico
causado pelo desmatamento selvagem e o plantio inconsequente, que, além de
alimentar formigas poderosas e livres de predadores naturais, também levou ao
completo esgotamento as terras do Vale do Paraíba." Resposta que enxergo
embasada em uma interpretação simples e incontestável - "vivendo na região
da qual eram naturais, não há registro de que as saúvas tenham, ao longo de
milênios, destruído floresta alguma".
Ou seja, como diz André Caramuru, "Temos sempre que culpar alguém ou lamentar a falta
de sorte.", pois admitir a culpa por qualquer mal que nos aflige é
algo que a maioria jamais se dispõe a fazer. E terminando seu excelente artigo Caramuru
afirma que as saúvas somos nós,
conforme mostra o último parágrafo
reproduzido abaixo.
"É claro que mais planejamento e fiscalização, por parte dos governos (em todas as esferas), e a participação, por parte da sociedade, ajudariam muito. Mas enquanto continuarmos a acreditar que tudo o que existe no planeta foi criado para nosso exclusivo desfrute; enquanto acharmos que crescer sem limites (população, economia, consumo, cidades, prédios...) não é apenas necessário, mas até mesmo um desígnio divino, nós estaremos indo, mais e mais, na direção de um abismo. Será que ainda temos conserto? Não sei. O planeta está tomado por saúvas. E as saúvas somos nós."
Afirmação a partir da qual elaborei algumas considerações
apresentadas a seguir.
Não, o problema do planeta não era estar tomado por saúvas, e sim
o ambiente em que elas passaram a viver, pois, como é dito no artigo, enquanto
viveram em um ambiente ecologicamente equilibrado não houve registro algum de
males causados por elas, o que só ocorreu após o desequilíbrio ecológico
provocado pela intervenção dos barões do império com a finalidade de aumentarem
insaciavelmente suas fortunas.
Não, o problema do planeta não é estar tomado por seres que André
Caramuru diz serem as saúvas, e sim o ambiente em que eles passaram a viver,
pois enquanto viveram em um ambiente, digamos, psiquicamente mais equilibrado,
enquanto ainda não imperava entre eles a insana crença de que tudo que existe no planeta foi criado para seu exclusivo
desfrute; enquanto ainda não achavam que crescer sem limites (população,
economia, consumo, cidades, prédios...) não é apenas necessário, mas até mesmo
um desígnio divino, tais seres não representavam a ameaça que hoje representam
para o planeta em que sobrevivemos.
"Será que ainda temos
conserto?" – pergunta André Caramuru? Pergunta que ele mesmo
responde com "Não sei". Pergunta que no único comentário feito sobre
a postagem anterior foi respondida negativamente e que, no meu entender, fica
mais fácil responder após a leitura de uma antiga história intitulada "O sábio e o pássaro" que pode ser
encontrada em várias versões na internet, dentre elas a que escolhi para
reproduzir a seguir.
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O sábio e o pássaro
Conta-se que certa feita um jovem maldoso e
inconsequente resolveu pregar uma peça em idoso e experiente mestre, famoso por
sua sabedoria.
— Quero ver se esse velho é sábio como dizem.
Vou esconder um passarinho em minhas mãos. Depois, em presença de seus
discípulos, vou perguntar-lhe se está vivo ou morto. Se responder que está
vivo, eu o esmagarei e o apresentarei morto. Se afirmar que está morto, abrirei
a mão e o pássaro voará. Uma armadilha infalível. Aos olhos de quem
presenciasse o encontro, qualquer que fosse sua resposta, o sábio ficaria
desmoralizado. E lá se foi o jovem mal-intencionado, com sua artimanha
perfeita. Diante do ancião acompanhado dos aprendizes, fez a pergunta fatal:
— Mestre, este passarinho que tenho preso em
minhas mãos está vivo ou morto?
O sábio olhou em seus olhos, como se
perscrutasse os recônditos de sua alma, e respondeu:
— Meu filho, o destino desse pássaro está em
suas mãos.
Esta história pode ser um exemplo da
perversidade que não vacila em esmagar inocentes para conseguir seus objetivos.
Será uma demonstração das excelências da sabedoria, a sobrepor-se aos ardis da
desonestidade. É, sobretudo, uma ilustração perfeita sobre os mistérios do
destino, pois tudo está sempre em nossas mãos.
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"Esta história é, sobretudo, uma ilustração perfeita sobre os
mistérios do destino, pois tudo está sempre em nossas mãos". Sim, por mais
incrível que possa lhes parecer, tudo
está sempre em nossas mãos. Até porque, diferentemente
das saúvas, somos seres a quem é dada a possibilidade de desenvolver a
consciência até um grau que nos capacite para as duas seguintes habilidades: a percepção
das consequências de nossos atos e, consequentemente, a correção de atos
equivocados.
Dito isto, repito aqui a pergunta: "Será que ainda temos conserto?" Pergunta
que, usando uma antiga e belíssima canção, Ivan Lins responderia assim: Depende de nós. Canção da qual extraí o
seguinte trecho: "Depende de nós / Se esse mundo ainda tem jeito / Apesar
do que o homem tem feito / Se a vida sobreviverá."
E para encerrar esta postagem, aproveito o seu final para
responder uma pergunta feita em um e-mail recebido em resposta à postagem
anterior: "Quer mudar o mundo ou apenas escrever?" Pergunta que, no
meu entender, posso responder usando a primeira frase da primeira postagem
deste blog. Intitulada "Por que criei um blog?", a primeira postagem deste blog começa assim: "Porque acredito em uma afirmação atribuída a Caio Graco: 'Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros
só mudam as pessoas'.". Vocês acham que a pergunta está respondida?
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