segunda-feira, 5 de junho de 2017

Saúvas Somos Nós

Com a intenção de postar mensagens alusivas a datas comemorativas que eu considere significativas, neste Dia Mundial do Meio Ambiente, este blog espalha um artigo de André Caramuru Aubert publicado em maio de 2014, na seção Comportamento da revista Trip, com o título Saúvas Somos Nós. Três anos depois, considero-o ainda bastante atual.
Saúvas Somos Nós
A lógica capitalista diz: compre novas TVs, novos carros. Mas também diz: seja consciente, não use o carro ou a TV. Ora, além de contraditórias, as mensagens mostram que há algo de muito estúpido nisto tudo
"E Deus os abençoou e lhes disse: 'Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e tudo o que o que se move sobre a terra'." Gênesis, 1:28.
"Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil." Parece que foi o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire quem, em 1822, cunhou essa frase, depois infinitamente repetida até perto de nossos dias, inclusive em campanhas do governo. Na primeira metade do século 19, o café se expandia pelo Vale do Paraíba, ocupando o espaço originalmente pertencente à Mata Atlântica, e fazia a fortuna dos barões do império. O maior problema, na época e depois, conforme as fazendas avançavam, eram as danadas das saúvas, que devoravam hectares e mais hectares de plantações. Ao longo dos anos, zilhões de toneladas de agrotóxicos foram empregados, mas as saúvas, teimosas, seguiram firmes.
O problema eram as saúvas? Ora, essas formigas são nativas da Mata Atlântica (ao contrário do café) e não há registro de que elas tenham, ao longo de milênios, destruído floresta alguma. O problema, é óbvio, foi o desequilíbrio ecológico causado pelo desmatamento selvagem e o plantio inconsequente, que, além de alimentar formigas poderosas e livres de predadores naturais, também levou ao completo esgotamento as terras do Vale do Paraíba. Na época da expansão do café pelo vale, há registros de dias e dias em que a cidade do Rio de Janeiro ficava envolvida por uma pesada neblina, que na verdade não era neblina, era fumaça da Mata Atlântica (originalmente um dos biomas mais ricos em diversidade em todo o mundo) sendo sistematicamente queimada.
Agora, a água. Vivemos no país em que ela é mais abundante. E, no entanto, a matriz energética hídrica encontra-se perto do esgotamento, as torneiras paulistas estão secando e os exércitos de São Paulo e do Rio de Janeiro, aos berros de "O rio Paraíba é nosso!", já se alinham na fronteira, prontos para começar a Primeira Guerra da Água. O Sistema Cantareira não está dando conta porque, dizem, não choveu. Não choveu? Como não choveu? O sistema capta água numa vasta área (que vai até o sul de Minas) e eles dizem que em nenhum desses lugares choveu? Pode ter chovido menos que a média, mas isso não explica o colapso. O Cantareira foi concebido nas décadas de 60 e 70 e, de lá para cá, a região teve muitos de seus mananciais ocupados e perdeu 70% de sua cobertura vegetal, enquanto, em sentido contrário, o número de pessoas que se abastece do sistema praticamente dobrou. Nos últimos dez anos, a população cresceu numa média de 200 mil pessoas por ano apenas na região metropolitana de São Paulo, e o consumo de água subiu 26%. É claro que essa conta não iria fechar.
RUMO AO ABISMO
E vai ficar pior. O capitalismo quer mais consumo, é a lógica do negócio. Crescimento econômico equivale a mais emprego, mais renda, mais gente, mais consumo, mais lixo. Bairros se verticalizam com novos apartamentos de três dormitórios, espaço gourmet e quatro vagas na garagem. Compre o apartamento, eles dizem, compre novas TVs, compre carros. Mas eles também dizem: seja consciente, não abra as torneiras, evite ligar a TV e não tire os carros da garagem. Ora: as mensagens não são apenas contraditórias, elas mostram que tem alguma coisa que é muito, muito estúpida nisto tudo.
Saúvas, falta de chuva. Temos sempre que culpar alguém ou lamentar a falta de sorte. É claro que mais planejamento e fiscalização, por parte dos governos (em todas as esferas), e a participação, por parte da sociedade, ajudariam muito. Mas enquanto continuarmos a acreditar que tudo o que existe no planeta foi criado para nosso exclusivo desfrute; enquanto acharmos que crescer sem limites (população, economia, consumo, cidades, prédios...) não é apenas necessário, mas até mesmo um desígnio divino, nós estaremos indo, mais e mais, na direção de um abismo. Será que ainda temos conserto? Não sei. O planeta está tomado por saúvas. E as saúvas somos nós.
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"O planeta está tomado por saúvas. E as saúvas somos nós. (...) Será que ainda temos conserto?" Será que saúvas são capazes de refletir sobre as consequências de seus atos? Será que saúvas interessam-se em refletir sobre textos que procurem despertar-lhes interesse pelo Meio Ambiente e pela preservação dos recursos naturais do planeta em que vivem? O que vocês acham?

Um comentário:

Nutricionista Lucimila do Nascimento disse...

Acho que não temos mais conserto exatamente porque achamos que tudo no mundo está aí pra nos servir.Podemos até refletir mas até isso virar ação a favor do meio ambiente pode demorar. Pois é, seu texto está aí para nos relembar sobre o meio ambiente que deve ser preservado mas para isso cada um deve fazer a sua parte.Bem lembrado!!