"A vida é uma
caixinha de surpresas.", diz Joseph Climber. Uma caixinha que se abriu
para a cineasta Estela Renner durante suas pesquisas para a produção do
documentário O Começo da Vida. "Convidada
para dirigir um filme sobre a primeira infância, Estela viajou e entrevistou
pessoas de nove países, incluindo gente comum e celebridades. Dessa diversidade
extraiu lições sobre o peso do amor, das relações em família". Lições proporcionadas
pela abertura da caixinha de surpresas e que a levaram a "dar-se conta de
que não estava fazendo um filme "sobre primeira infância", mas
"sobre um projeto de humanidade".
E das surpresas saídas da caixinha uma que
impressionou demais a cineasta foi "Uma constatação que se repetia: a
maior revolução da neurociência, da pedagogia, da psiquiatria, é que a criança
é formada não só a partir da sua carga genética, mas também a partir das
relações que ela tem com o meio ambiente." E ao ouvir "todos aqueles especialistas
falarem de ambiente e interações, o que ficou claro para Estela é que eles estavam
falando de amor."
Especialistas falando de amor e surpreendendo não
só a cineasta que os entrevistou, mas também a repórter que entrevistou a
cineasta. "No trailer tem uma fala
do prêmio Nobel James Heckman, sobre como o amor é uma parte importante para a
economia e pouco valorizada na sociedade.", diz Marília Neustein. Segue
outra fala do Nobel de Economia apresentada no documentário.
"Nos Estados Unidos fizemos um estudo que mostra o benefício de um dólar investido nos primeiros anos na vida de uma criança. Quais são os efeitos em termos de redução de crimes, na redução de custos de encarceramento. Descobrimos que para cada dólar investido retornavam por volta de sete dólares. A margem de rendimento é basicamente quanto se ganha por ano para cada dólar investido. Uma caderneta de poupança pode ganhar três, quatro, cinco por cento ao ano. O que descobrimos foi algo entre sete e dez por cento, de rendimento ao ano, o que é um rendimento muito alto, bem mais do que a nossa bolsa de valores. É dar às pessoas a capacidade de serem autônomas, de lidarem com os desafios da vida, ao mesmo tempo tornando-as mais produtivas e assim reduzindo a desigualdade social."
Dá para discordar da afirmação de que "O amor é uma parte importante para a economia
e pouco valorizada na sociedade"? "Se há uma coisa que faz o
mundo girar é o amor. Só que não o colocamos no centro de tudo. Precisamos que
um Nobel de Economia nos diga para crer.", afirma a cineasta. Será que, a
partir do que nos diz o Nobel de Economia, passaremos a crer – pergunto eu.
"Você
citou as crianças que não recebem amor nesse período da vida" – diz a repórter à cineasta, antecedendo a
seguinte indagação: "O que
descobriu?"
"Tem uma área grande, a da epigenética, que diz que toda criança nasce com o potencial de ser afetuosa, mas, se não for amada pelos pais, quando for mãe ou pai também não vai saber amar o filho. Então, é intergeracional." – responde a cineasta, provocando na repórter a seguinte pergunta: "Cria-se uma linha sucessória de não amores?"
Pergunta que a
cineasta respondeu assim:
"Exatamente. Você perde a capacidade de amar. É claro que somos resilientes, aprendemos, evoluímos, mas os períodos de formação são os que cimentam a nossa personalidade. Então é complexo. Mas o filme traz a mensagem de que se você melhora, tem a capacidade de transformar a humanidade. As crianças têm a potência de uma humanidade dentro delas, são os elementos que estão contando essa história, não a gente."
"Mas o filme traz a mensagem de que se
você melhora, tem a capacidade de transformar a humanidade. As crianças têm a
potência de uma humanidade dentro delas, são os elementos que estão contando
essa história, não a gente.", diz a cineasta.
Sendo assim, o que é que nos resta fazer para
transformar a humanidade? O que é que nos resta fazer para transformar a
humanidade em algo onde as grandes demonstrações de radicalização e
intolerância, citadas pela repórter no final da entrevista, deixem de assolar
esta insana sociedade em que sobrevivemos? E para responder a estes questionamentos
eu uso aqui à resposta dada pela cineasta à penúltima pergunta que lhe foi
feita:
"Valorizar a ética, a moral, a beleza, cuidado, criatividade, liberdade, amor, afeto, chão, abraço... São esses os valores a construir... E a partir deles é que temos de construir uma sociedade.".
Sim, são esses os valores a partir dos quais temos
de construir uma sociedade que faça jus ao termo. Valores que precisam ser
construídos desde o começo da vida de
todas as crianças que cheguem a este mundo. Afinal, será que faz sentido falar em
sociedade sem que todos os indivíduos nela presentes sejam tratados como
sócios? Será que tratar todos como sócios implica em os pais precisarem estar
presentes na vida dos filhos? Com estas indagações eu encerro estas reflexões. E
para encerrar a série de postagens provocadas pelo documentário O Começo da Vida, a próxima apresentará algumas
de suas passagens que considero marcantes.
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