Continuação de segunda-feira
'Não era
filme de 1ª infância. Era sobre a humanidade'
Você entrevista, no filme, pessoas de diversos
países, culturas e classes sociais. O que de universal você encontrou?
Fui buscar um recorte universal dos
relacionamentos humanos. Estamos todos no mesmo barco e isso ficou muito claro.
Falamos com um pai viúvo – que mora na maior favela da África -, com um chinês
de classe média e com Gisele Bündchen. E fizemos a mesma pergunta: "O que
você quer para seus filhos?" E eles querem a mesma coisa. A Gisele, por
exemplo, diz que quer ouvi-los. E a mesma resposta tivemos de uma mãe que tem
13 filhos e vive num ambiente marcado pela violência. Ficou claro que o recorte
do filme não é um recorte geográfico, e sim de sentimentos, de relacionamentos
humanos, que nos unem.
Isso foi o mais revelador?
O que foi mais revelador foi entender, no
decorrer do processo, que esse filme pode ter uma importância grande. Um dos
desafios que me propus foi pegar o conhecimento de especialistas renomados que
entrevistamos e juntá-lo com o cotidiano de todo mundo. E o filme se tornou uma
ferramenta de empoderamento para os pais. Porque mostra que a criança não
precisa de brinquedos caros e experiências caras. O que ela precisa é de algo
mais acessível. Quem já viu uma criança fazer suas descobertas encontrou ali o
extraordinário. É só você conseguir estar presente, mesmo cansada. A criança
aceita o seu cansaço. Ela não quer os pais perfeitos, mas presentes.
No trailer tem uma fala do prêmio Nobel James
Heckman, sobre como o amor é uma parte importante para a economia e pouco
valorizada na sociedade.
Acho que esse conceito ficou muito na casa do
poeta viajante, do hippie... Mas se há uma coisa que faz o mundo girar é o
amor. Só que não o colocamos no centro de tudo. Precisamos que um Nobel de
Economia nos diga para crer. Mas, tudo bem. Ele está falando e espero que isso
seja importante para líderes de empresas, políticos, para quem pode fazer
mudanças em um escopo maior.
Você citou as crianças que não recebem amor
nesse período da vida. O que descobriu?
Tem uma área grande, a da epigenética, que diz
que toda criança nasce com o potencial de ser afetuosa, mas, se não for amada
pelos pais, quando for mãe ou pai também não vai saber amar o filho. Então, é
intergeracional.
Cria-se uma linha sucessória de não amores?
Exatamente. Você perde a capacidade de amar. É
claro que somos resilientes, aprendemos, evoluímos, mas os períodos de formação
são os que cimentam a nossa personalidade. Então é complexo. Mas o filme traz a
mensagem de que se você melhora, tem a capacidade de transformar a humanidade.
As crianças têm a potência de uma humanidade dentro delas, são os elementos que
estão contando essa história, não a gente.
O que vemos no mundo são grandes demonstrações
de radicalização e intolerância.
É verdade. Existem grupos de extremistas que
premiam a morte. E, de repente, estamos falando de pais, crianças, e de todo
mundo que quer dar para as crianças vontade de vida.
E como fazer isso?
Valorizando a ética, a moral, a beleza,
cuidado, criatividade, liberdade, amor, afeto, chão, abraço... São esses os
valores a construir... E a partir deles é que temos de construir uma sociedade.
Não através de pessimismo, mas a partir de otimismo.
Já se discute a questão de gênero na infância
também.
Sim. Acho que é na infância que nasce o
machismo. Se você tem não uma licença parental para o homem, é como se essa
presença não fosse importante para o bebê. O pai que cuida do filho e exerce a
empatia no relacionamento com ele, com certeza será um homem diferente. Não é
só o bebê que ganha, o pai também. A sociedade ganha. E o pai que participa
valoriza muito mais a função materna também. Mostramos no filme que, muitas
vezes, a função materna não precisa ser necessariamente exercida pela mãe. E
muitas vezes não é.
Qual o próximo projeto?
Nenhum assunto me é tão visceral, depois
desse, como as mudanças climáticas.
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Será que a entrevista da diretora de O Começo da Vida é capaz de começar a provocar
reflexões?
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