terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Modo Avião

Conforme prometido, após Viagens interiores, segue a postagem intitulada Modo Avião onde é apresentada uma reportagem de Nataly Costa publicada na edição de dezembro 2016 / janeiro 2017 da revista PODER – Joyce Pascowitch.
Para quem não sabe (e também para quem sabe), em linhas gerais, modo avião é uma função que desabilita conexões para manter a segurança do voo. Colocado em modo avião o celular desativa o Wi-Fi, o rádio FM, o Bluetooth e a rede do aparelho, para que não se consiga fazer, receber chamadas, ou usar o 3G/4G, porém possibilita manter o smartphone ligado durante a viagem para jogar (offline), ler ou ouvir música, por exemplo. Algumas companhias aéreas já permitem a habilitação de algumas conexões, como Wi-Fi e Bluetooth, o que ainda não é comum no Brasil. O modo avião também pode ter outros usos. Economizar a bateria do celular, pois com as conexões desativadas, o aparelho consome menos energia, é um deles. Evitar a interrupção do sono, possibilitando que também nós consumamos menos energia, é outro. Dito isto, passemos à reportagem de Nataly Costa.
Modo Avião
Sim, está cada dia mais difícil desconectar e os smartphones viraram uma extensão do nosso corpo – e também da mente. Mas por que não fazer como empresários e CEOs ao redor do mundo e entrar na onda do detox digital, o retiro espiritual do século 21?
Por força do ofício e também pelo prazer em viajar, o diretor de marketing da Air France German Carmona já rodou o mundo. Um de seus países preferidos é a Índia, onde costuma ir para sair da rotina e espairecer. Só tem um problema: na Índia tem internet. E a mera existência de um fraco sinal de rede ou do símbolo do wi-fi em um restaurante já coloca o executivo naquele redemoinho que todos nós conhecemos bem: WhatsApp, e-mail, Facebook, Instagram, e repete. Por isso, este ano, Carmona fez diferente. Foi para um hotel de selva em Novo Airão, no Amazonas, à beira do rio Negro, onde o celular funciona no máximo como uma lanterna mequetrefe para caminhadas no meio da floresta. "Nas outras viagens acabava ficando sempre agitado, ligado em tudo o que estava acontecendo. Agora não, foi outra coisa. Consegui realmente desconectar."
O fato de estarmos vidrados em tecnologia não é novidade – já há alguns anos estamos mais na mão dos smartphones do que o contrário. O assunto, inclusive, já é estudado pela psicologia – a Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, tem um laboratório especializado em dependência digital – e o medo de ficar sem celular tem até nomenclatura própria – nomofobia, forte candidata a mal do século. A relação de dependência é tamanha que, para escapar dela, empresários, executivos e workaholics em geral estão optando por correr na direção oposta: ficar dias sem celular, em uma espécie de retiro espiritual 2.0 em que a única conexão permitida é no sentido figurado: com o eu, com a natureza, com os outros ao redor. Mas sem postar hashtag gratidão no Instagram ou mandar foto para o grupo do WhatsApp.
Os detox digitais estão em alta ao redor do mundo – em comum, quase todos são feitos em cenários idílicos, longe das grandes cidades. O rito de iniciação sempre inclui deixar qualquer objeto que possua uma tela – celular, tablet, e-reader, - do lado de fora. Depois de trabalhar por 20 anos na área de tecnologia, o britânico Martin Talks criou o Digital Detoxing, empresa que promove retiros de dois, três ou sete dias pelo interior da Inglaterra. A ideia é que, em meio a caminhadas, passeios de canoa e contato próximo com a natureza e com os outros, "digiholics" do mundo inteiro comecem a entender melhor a relação com a tecnologia. "Os gadgets são desenhados para capturar nossa atenção o tempo inteiro – as luzes, os bipes, a vibração. E nosso instinto a sempre responder à última demanda, é algo que vem desde a Idade da Pedra. Respondemos mensagens inclusive quando isso pode nos matar, que é enquanto dirigimos", reflete Talks.
"Os gadgets são desenhados para capturar nossa atenção o tempo inteiro – as luzes, os bipes, a vibração. E nosso instinto é responder à última demanda, inclusive quando isso pode nos matar, enquanto dirigimos"
(Martin Talks, Digital Detoxing)
Para ele, fazer um detox digital não é querer viver como um ermitão ou abrir mão das benesses da tecnologia, mas, sim, evitar que o aparelho nos controle. "Não é bom que o celular seja a última coisa que você veja antes de dormir e a primeira pela manhã. Isso mexe com nosso raciocínio, nosso sono", diz. "Hoje carregamos um celular no bolso, mas não falta muito para inserirmos a tecnologia em nosso corpo. A medicina já faz isso. Ou seja, por enquanto, ainda é possível apertar em 'desligar'. Em breve, teremos mais dificuldade de encontrar esse botão", diz ele.
Para o coordenador do laboratório de dependência digital do Instituto de Psiquiatria da USP, Cristiano Nabuco, manter sob controle o vicio em celular é tão difícil quanto manter uma relação saudável com o chocolate, por exemplo. "O empoderamento emocional vem do maior contato possível com o eu, com suas questões internas. O que a tecnologia faz é tirar o foco disso, é deixar você totalmente voltado para fora. Próximo do entorno, mas distantes de nós mesmos", afirma o psicólogo.
Nabuco é um pouco cético em relação a retiros digitais. Para ele, é como ir a um spa – de volta à vida normal, os vícios e as compulsões retornam. O certo é ir se reeducando no dia a dia.
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"O fato de estarmos vidrados em tecnologia não é novidade – já há alguns anos estamos mais na mão dos smartphones do que o contrário". Que lúcida e triste frase! Considero a frase de Nataly Costa simplesmente perfeita para descrever a situação em que já há alguns anos estamos, e que, com o decorrer do tempo, só se agrava. Situação que só começará a mudar - para melhor - a partir do momento em que "começarmos a entender melhor a relação com a tecnologia", como diz Martin Talks.
Não, a ideia "não é querer viver como um ermitão ou abrir mão das benesses da tecnologia, mas, sim, evitar que o aparelho nos controle", diz Talks. E acrescenta: "Não é bom que o celular seja a última coisa que você veja antes de dormir e a primeira pela manhã. Isso mexe com nosso raciocínio, nosso sono". E ao mexer com nosso sono, além de nos terem em suas mãos, os smartphones ainda conseguem nos impedir de cairmos nos braços de Morfeu. Que aparelhinhos sinistros, hein! Aparelhinhos sobre os quais Talks tem a seguinte opinião:
"Os gadgets são desenhados para capturar nossa atenção o tempo inteiro – as luzes, os bipes, a vibração. E nosso instinto a sempre responder à última demanda, é algo que vem desde a Idade da Pedra. Respondemos mensagens inclusive quando isso pode nos matar, que é enquanto dirigimos".
Ou seja, aproveitando "um instinto que vem desde a Idade da Pedra, ao capturar nossa atenção o tempo inteiro", os viciantes aparelhinhos conseguem até mesmo inibir o instinto de preservação da vida. Sinistro, não!?
Assim como Cristiano Nabuco, coordenador do laboratório de dependência digital do Instituto de Psiquiatria da USP, não creio que "simples retiros digitais de dois, três ou sete dias feitos em cenários idílicos, longe das grandes cidades", sejam capazes de livrar-nos dos vícios provocados pela tecnologia, pois, assim como ele, creio que "de volta à vida normal, os vícios e as compulsões retornam. O certo é ir se reeducando no dia a dia".
Reeducação para a qual é imprescindível "começarmos a entender melhor a relação com a tecnologia", como diz Martin Talks. Entendimento que possibilitará percebermos que "O que a tecnologia faz é tirar o foco do maior contato possível com o eu, é deixar você totalmente voltado para fora. Próximo do entorno, mas distantes de nós mesmos", como diz Cristiano Nabuco. Percepção que possibilitará enxergarmos que, "distantes de nós mesmos", torna-se simplesmente impossível descobrirmos o que somos e, consequentemente, termos acesso ao propósito da vida.

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