Conforme prometido, após
Viagens
interiores, segue a postagem intitulada Modo Avião onde é apresentada
uma reportagem de Nataly Costa publicada na edição de dezembro 2016 /
janeiro 2017 da revista PODER – Joyce Pascowitch.
Para quem não sabe (e também para quem sabe),
em linhas gerais, modo avião é uma função
que desabilita conexões para manter a segurança do voo. Colocado em modo avião o celular desativa o Wi-Fi, o
rádio FM, o Bluetooth e a rede do aparelho, para que não se consiga fazer,
receber chamadas, ou usar o 3G/4G, porém possibilita manter o smartphone ligado
durante a viagem para jogar (offline), ler ou ouvir música, por exemplo. Algumas
companhias aéreas já permitem a habilitação de algumas conexões, como Wi-Fi e Bluetooth,
o que ainda não é comum no Brasil. O modo
avião também pode ter outros usos. Economizar a bateria do celular, pois com
as conexões desativadas, o aparelho consome menos energia, é um deles. Evitar a
interrupção do sono, possibilitando que também nós consumamos menos energia, é
outro. Dito isto, passemos à reportagem de Nataly Costa.
Modo Avião
Sim, está
cada dia mais difícil desconectar e os smartphones viraram uma extensão do
nosso corpo – e também da mente. Mas por que não fazer como empresários e CEOs
ao redor do mundo e entrar na onda do detox digital, o retiro espiritual do
século 21?
Por força do ofício e também pelo prazer em
viajar, o diretor de marketing da Air France German Carmona já rodou o mundo.
Um de seus países preferidos é a Índia, onde costuma ir para sair da rotina e
espairecer. Só tem um problema: na Índia tem internet. E a mera existência de
um fraco sinal de rede ou do símbolo do wi-fi em um restaurante já coloca o
executivo naquele redemoinho que todos nós conhecemos bem: WhatsApp, e-mail,
Facebook, Instagram, e repete. Por isso, este ano, Carmona fez diferente. Foi
para um hotel de selva em Novo Airão, no Amazonas, à beira do rio Negro, onde o
celular funciona no máximo como uma lanterna mequetrefe para caminhadas no meio
da floresta. "Nas outras viagens acabava ficando sempre agitado, ligado em
tudo o que estava acontecendo. Agora não, foi outra coisa. Consegui realmente
desconectar."
O fato de estarmos vidrados em tecnologia não
é novidade – já há alguns anos estamos mais na mão dos smartphones do que o
contrário. O assunto, inclusive, já é estudado pela psicologia – a Universidade
de São Paulo (USP), por exemplo, tem um laboratório especializado em
dependência digital – e o medo de ficar sem celular tem até nomenclatura própria
– nomofobia, forte candidata a mal do século. A relação de dependência é
tamanha que, para escapar dela, empresários, executivos e workaholics em geral
estão optando por correr na direção oposta: ficar dias sem celular, em uma
espécie de retiro espiritual 2.0 em que a única conexão permitida é no sentido
figurado: com o eu, com a natureza, com os outros ao redor. Mas sem postar
hashtag gratidão no Instagram ou mandar foto para o grupo do WhatsApp.
Os detox digitais estão em alta ao redor do
mundo – em comum, quase todos são feitos em cenários idílicos, longe das
grandes cidades. O rito de iniciação sempre inclui deixar qualquer objeto que
possua uma tela – celular, tablet, e-reader, - do lado de fora. Depois de
trabalhar por 20 anos na área de tecnologia, o britânico Martin Talks criou o
Digital Detoxing, empresa que promove retiros de dois, três ou sete dias pelo
interior da Inglaterra. A ideia é que, em meio a caminhadas, passeios de canoa
e contato próximo com a natureza e com os outros, "digiholics" do mundo
inteiro comecem a entender melhor a relação com a tecnologia. "Os gadgets
são desenhados para capturar nossa atenção o tempo inteiro – as luzes, os
bipes, a vibração. E nosso instinto a sempre responder à última demanda, é algo
que vem desde a Idade da Pedra. Respondemos mensagens inclusive quando isso
pode nos matar, que é enquanto dirigimos", reflete Talks.
"Os
gadgets são desenhados para capturar nossa atenção o tempo inteiro – as luzes,
os bipes, a vibração. E nosso instinto é responder à última demanda, inclusive
quando isso pode nos matar, enquanto dirigimos"
(Martin
Talks, Digital Detoxing)
Para ele, fazer um detox digital não é querer
viver como um ermitão ou abrir mão das benesses da tecnologia, mas, sim, evitar
que o aparelho nos controle. "Não é bom que o celular seja a última coisa
que você veja antes de dormir e a primeira pela manhã. Isso mexe com nosso
raciocínio, nosso sono", diz. "Hoje carregamos um celular no bolso,
mas não falta muito para inserirmos a tecnologia em nosso corpo. A medicina já
faz isso. Ou seja, por enquanto, ainda é possível apertar em 'desligar'. Em
breve, teremos mais dificuldade de encontrar esse botão", diz ele.
Para o coordenador do laboratório de
dependência digital do Instituto de Psiquiatria da USP, Cristiano Nabuco,
manter sob controle o vicio em celular é tão difícil quanto manter uma relação
saudável com o chocolate, por exemplo. "O empoderamento emocional vem do
maior contato possível com o eu, com suas questões internas. O que a tecnologia
faz é tirar o foco disso, é deixar você totalmente voltado para fora. Próximo
do entorno, mas distantes de nós mesmos", afirma o psicólogo.
Nabuco é um pouco cético em relação a retiros
digitais. Para ele, é como ir a um spa – de volta à vida normal, os vícios e as
compulsões retornam. O certo é ir se reeducando no dia a dia.
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"O fato de estarmos vidrados em
tecnologia não é novidade – já há alguns anos estamos mais na mão dos
smartphones do que o contrário". Que lúcida e triste frase!
Considero a frase de Nataly Costa simplesmente perfeita para descrever a
situação em que já há alguns anos estamos,
e que, com o decorrer do tempo, só se agrava. Situação que só começará a mudar -
para melhor - a partir do momento em que "começarmos a entender melhor a
relação com a tecnologia", como diz Martin Talks.
Não, a ideia "não é querer viver como um
ermitão ou abrir mão das benesses da tecnologia, mas, sim, evitar que o
aparelho nos controle", diz Talks. E acrescenta: "Não é bom que o
celular seja a última coisa que você veja antes de dormir e a primeira pela
manhã. Isso mexe com nosso raciocínio, nosso sono". E ao mexer com nosso
sono, além de nos terem em suas mãos, os smartphones ainda conseguem nos impedir
de cairmos nos braços de Morfeu. Que aparelhinhos sinistros, hein! Aparelhinhos
sobre os quais Talks tem a seguinte opinião:
"Os gadgets são desenhados para capturar nossa atenção o tempo inteiro – as luzes, os bipes, a vibração. E nosso instinto a sempre responder à última demanda, é algo que vem desde a Idade da Pedra. Respondemos mensagens inclusive quando isso pode nos matar, que é enquanto dirigimos".
Ou seja, aproveitando "um instinto que
vem desde a Idade da Pedra, ao capturar nossa atenção o tempo inteiro", os
viciantes aparelhinhos conseguem até mesmo inibir o instinto de preservação da
vida. Sinistro, não!?
Assim como Cristiano Nabuco, coordenador do
laboratório de dependência digital do Instituto de Psiquiatria da USP, não
creio que "simples retiros digitais de dois, três ou sete dias feitos em
cenários idílicos, longe das grandes cidades", sejam capazes de livrar-nos
dos vícios provocados pela tecnologia, pois, assim como ele, creio que
"de volta à vida normal, os vícios e as compulsões retornam. O certo é ir
se reeducando no dia a dia".
Reeducação para a qual é imprescindível "começarmos
a entender melhor a relação com a tecnologia", como diz Martin Talks.
Entendimento que possibilitará percebermos que "O que a tecnologia faz é
tirar o foco do maior contato possível com o eu, é deixar você totalmente voltado
para fora. Próximo do entorno, mas distantes de nós mesmos", como diz
Cristiano Nabuco. Percepção que possibilitará enxergarmos que, "distantes
de nós mesmos", torna-se simplesmente impossível descobrirmos o que somos
e, consequentemente, termos acesso ao propósito da vida.
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