quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Solução para os nossos conflitos (final)

Continuação de quinta-feira
Parece que é totalmente inútil sair à procura de soluções, trocar de instrutores e de gurus, praticar ioga, fazer exercícios respiratórios, celebrar ritos, seguir mestres. Nada disso tem significado, ainda que as próprias pessoas que seguimos digam que devemos estudar a nós mesmos. Porque o que somos, o mundo é. Se somos mesquinhos, invejosos, vaidosos, ambiciosos, aquilo que criamos em torno de nós também é assim; a sociedade em que vivemos também é assim.
Parece, portanto, que antes de iniciar a jornada para encontrar a realidade, para encontrar Deus, antes de agirmos e nos relacionarmos uns com os outros – o que constitui a sociedade – é essencial começar a compreender a nós mesmos. Eu considero realmente interessada a pessoa que dá importância, em primeiro lugar, a isso. Porque, se não compreendermos a nós mesmos, como poderemos promover qualquer transformação na sociedade, nas relações, em tudo o que fazemos?
Isso não significa, porém, que o autoconhecimento esteja em oposição aos relacionamentos, ou separado deles. Não implica a exaltação do indivíduo como oposto à coletividade ou a outro indivíduo. Não sei se vocês já empreenderam a sério o estudo de si mesmos, observando cada palavra e as correspondentes reações; observando cada movimento do pensamento e do sentimento – observando, simplesmente, mantendo a consciência das reações corporais, quer a ação venha dos centros físicos ou de uma ideia. Talvez alguns tenham feito isso, esporadicamente, como último recurso, depois de tudo falhar, ou por se sentirem enfadados.
Ora, sem conhecer a si mesmo, sem conhecer sua própria maneira de pensar e a razão por que pensa certas coisas; sem conhecer os seus condicionamentos, sem saber por que você tem certas crenças sobre arte, religião, sua nação, seu semelhante, como você pode pensar corretamente sobre algo? Sem conhecer o seu interior, a substância do seu pensamento e de onde ele vem, sua busca é completamente inútil e suas ações não têm significado.
Antes de podermos descobrir qual é a finalidade da vida e qual o significado de tudo o que vemos – as guerras, os antagonismos nacionais, os conflitos, a confusão geral – precisamos descobrir a nós mesmos. Isso parece muito simples; no entanto, é extremamente difícil. Para observar a si mesmo e ver como funciona o seu próprio pensamento, é preciso estar extraordinariamente vigilante.
Quando uma pessoa começa a perceber melhor os meandros do próprio pensar, de suas reações e sentimentos, começa, igualmente, a ter um melhor conhecimento não só de si mesma, mas também daqueles com quem se relaciona. Conhecer a si mesmo é estudar a si mesmo em ação, ou seja, nos relacionamentos. A dificuldade está em sermos muito impacientes; queremos ir adiante, chegar a um alvo. Assim, falta tempo e ocasião para darmos a nós mesmos uma oportunidade de auto-observação.
Nós também somos obrigados a desempenhar várias atividades – ganhar o sustento, criar os filhos – e assumimos uma série de deveres perante várias organizações; temos tantos compromissos, em diferentes sentidos, que quase não sobra tempo para a reflexão, a observação e o estudo de nós mesmos. Mas a responsabilidade pelos efeitos disso é do próprio indivíduo, não de outros.
"Assumimos uma série de deveres perante várias organizações; temos tantos compromissos, em diferentes sentidos, que quase não sobra tempo para a reflexão."
Esse interesse que se observa, no mundo inteiro, por gurus e seus sistemas, parece-me profundamente vazio. Podemos percorrer a Terra toda, mas sempre teremos que voltar a nós mesmos. Como, em geral, estamos completamente alheios a nós mesmos, é extremamente difícil começar a perceber claramente o processo do nosso pensar, sentir e agir.
Quanto mais nos conhecemos, mais clareza há. O autoconhecimento não tem fim; não se chega a uma realização final, a uma conclusão. É um rio infinito. Ao penetrá-lo mais e mais, o homem encontra a paz. Só quando a mente está tranquila – em virtude do autoconhecimento, não de uma disciplina imposta – só então, nessa tranquilidade, nesse silêncio, a realidade pode despontar. Só então pode haver a felicidade suprema, a ação criadora.
Se formos capazes de compreender a nós mesmos e de, com essa compreensão, fazer nascer essa felicidade criadora, essa experiência de algo que não vem da mente, então haverá uma transformação nas nossas relações imediatas e, consequentemente, também no mundo em que vivemos.
*************
"Assumimos uma série de deveres perante várias organizações; temos tantos compromissos, em diferentes sentidos, que quase não sobra tempo para a reflexão.", diz Krishnamurti. Será que vale a pena usar esse tempo, que quase não sobra, para refletir sobre o que é dito no texto a ele atribuído?

Nenhum comentário: