Continuação de quinta-feira
Parece que é totalmente inútil sair à
procura de soluções, trocar de instrutores e de gurus, praticar ioga, fazer
exercícios respiratórios, celebrar ritos, seguir mestres. Nada disso tem
significado, ainda que as próprias pessoas que seguimos digam que devemos
estudar a nós mesmos. Porque o que somos, o mundo é. Se somos mesquinhos,
invejosos, vaidosos, ambiciosos, aquilo que criamos em torno de nós também é
assim; a sociedade em que vivemos também é assim.
Parece, portanto, que antes de iniciar a
jornada para encontrar a realidade, para encontrar Deus, antes de agirmos e nos
relacionarmos uns com os outros – o que constitui a sociedade – é essencial
começar a compreender a nós mesmos. Eu considero realmente interessada a pessoa
que dá importância, em primeiro lugar,
a isso. Porque, se não compreendermos a nós mesmos, como poderemos promover
qualquer transformação na sociedade, nas relações, em tudo o que fazemos?
Isso não significa, porém, que o
autoconhecimento esteja em oposição aos relacionamentos, ou separado deles. Não
implica a exaltação do indivíduo como oposto à coletividade ou a outro
indivíduo. Não sei se vocês já empreenderam a sério o estudo de si mesmos,
observando cada palavra e as correspondentes reações; observando cada movimento
do pensamento e do sentimento – observando, simplesmente, mantendo a
consciência das reações corporais, quer a ação venha dos centros físicos ou de
uma ideia. Talvez alguns tenham feito isso, esporadicamente, como último
recurso, depois de tudo falhar, ou por se sentirem enfadados.
Ora, sem conhecer a si mesmo, sem
conhecer sua própria maneira de pensar e a razão por que pensa certas coisas;
sem conhecer os seus condicionamentos, sem saber por que você tem certas
crenças sobre arte, religião, sua nação, seu semelhante, como você pode pensar
corretamente sobre algo? Sem conhecer o seu interior, a substância do seu
pensamento e de onde ele vem, sua busca é completamente inútil e suas ações não
têm significado.
Antes de podermos descobrir qual é a
finalidade da vida e qual o significado de tudo o que vemos – as guerras, os
antagonismos nacionais, os conflitos, a confusão geral – precisamos descobrir a
nós mesmos. Isso parece muito simples; no entanto, é extremamente difícil. Para
observar a si mesmo e ver como funciona o seu próprio pensamento, é preciso
estar extraordinariamente vigilante.
Quando uma pessoa começa a perceber
melhor os meandros do próprio pensar, de suas reações e sentimentos, começa,
igualmente, a ter um melhor conhecimento não só de si mesma, mas também
daqueles com quem se relaciona. Conhecer a si mesmo é estudar a si mesmo em
ação, ou seja, nos relacionamentos. A dificuldade está em sermos muito
impacientes; queremos ir adiante, chegar a um alvo. Assim, falta tempo e
ocasião para darmos a nós mesmos uma oportunidade de auto-observação.
Nós também somos obrigados a desempenhar
várias atividades – ganhar o sustento, criar os filhos – e assumimos uma série
de deveres perante várias organizações; temos tantos compromissos, em diferentes
sentidos, que quase não sobra tempo para a reflexão, a observação e o estudo de
nós mesmos. Mas a responsabilidade pelos efeitos disso é do próprio indivíduo,
não de outros.
"Assumimos uma série
de deveres perante várias organizações; temos tantos compromissos, em
diferentes sentidos, que quase não sobra tempo para a reflexão."
Esse interesse que se observa, no mundo
inteiro, por gurus e seus sistemas, parece-me profundamente vazio. Podemos
percorrer a Terra toda, mas sempre teremos que voltar a nós mesmos. Como, em
geral, estamos completamente alheios a nós mesmos, é extremamente difícil
começar a perceber claramente o processo do nosso pensar, sentir e agir.
Quanto mais nos conhecemos, mais clareza
há. O autoconhecimento não tem fim; não se chega a uma realização final, a uma
conclusão. É um rio infinito. Ao penetrá-lo mais e mais, o homem encontra a
paz. Só quando a mente está tranquila – em virtude do autoconhecimento, não de
uma disciplina imposta – só então, nessa tranquilidade, nesse silêncio, a realidade
pode despontar. Só então pode haver a felicidade suprema, a ação criadora.
Se formos capazes de compreender a nós
mesmos e de, com essa compreensão, fazer nascer essa felicidade criadora, essa
experiência de algo que não vem da mente, então haverá uma transformação nas
nossas relações imediatas e, consequentemente, também no mundo em que vivemos.
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"Assumimos uma série de deveres perante
várias organizações; temos tantos compromissos, em diferentes sentidos, que
quase não sobra tempo para a reflexão.", diz Krishnamurti. Será que vale a pena
usar esse tempo, que quase não sobra, para refletir sobre o que é dito no texto
a ele atribuído?
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