quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Reflexões provocadas por "Solução para nossos conflitos"

Conflitar: estar em oposição; colidir. Colidir: ir de encontro; chocar-se. Considerando o momento dicionário apresentado na frase anterior e a afirmação que "o que constitui a sociedade são os relacionamentos de uns com os outros", seguem algumas indagações. Será que a solução para os conflitos que afligem os integrantes de uma sociedade passa, inevitavelmente, por mudanças em seu modo de se relacionarem? Será que tais mudanças passam, inevitavelmente, por compreenderem a eles mesmos? Vocês concordam com o que é dito por Krishnamurti no parágrafo abaixo?
"Antes de agirmos e nos relacionarmos uns com os outros – o que constitui a sociedade – é essencial começar a compreender a nós mesmos. Porque, se não compreendermos a nós mesmos, como poderemos promover qualquer transformação na sociedade, nas relações, em tudo o que fazemos?"
Se vocês concordam ou não é algo que não sei, mas, segundo Krishnamurti, que partiu desta dimensão em 1986, em sua época, a maioria parecia não concordar.
"Parece que o que menos desejamos é conhecer a nós mesmos. Mas essa é a única base sobre a qual podemos construir algo. Antes que possamos construir, precisamos saber o que somos. Porque o que somos, o mundo é. Se somos mesquinhos, invejosos, vaidosos, ambiciosos, aquilo que criamos em torno de nós também é assim; a sociedade em que vivemos também é assim."
Por que assim parecia a Krishnamurti? Será que havia alguma dificuldade para as que pessoas pudessem conhecer a si mesmas? Será que as palavras de Krishnamurti apresentadas nos dois próximos parágrafos respondem a indagação da frase anterior?
"Conhecer a si mesmo é estudar a si mesmo em ação, ou seja, nos relacionamentos. A dificuldade está em sermos muito impacientes; queremos ir adiante, chegar a um alvo. Assim, falta tempo e ocasião para darmos a nós mesmos uma oportunidade de auto-observação."
"Nós também somos obrigados a desempenhar várias atividades – ganhar o sustento, criar os filhos – e assumimos uma série de deveres perante várias organizações; temos tantos compromissos, em diferentes sentidos, que quase não sobra tempo para a reflexão, a observação e o estudo de nós mesmos. Mas a responsabilidade pelos efeitos disso é do próprio indivíduo, não de outros."
Ditas há, no mínimo 30 anos, pois, conforme dito acima, ele partiu desta dimensão em 1986, as palavras de Krishnamurti me fazem lembrar algo que li recentemente. Em resposta a uma pergunta de uma entrevista publicada na edição de 16 de outubro de 2016 da Revista O Globo, em uma reportagem assinada por Arnaldo Bloch, o filósofo alemão Markus Gabriel diz o seguinte:
"Um critério para uma sociedade mais justa deveria incluir o direito humano a ter tempo na vida para discutir a questão de quem somos. Quem não tem tempo sequer para isso jamais poderá viver uma 'boa vida'. Para mim é um imperativo categórico que haja espaço de educação e reflexão para todos. (...) Mas é difícil chegar com os pressupostos econômicos em vigor."
E de lembrança em lembrança, o método das recordações sucessivas me faz lembrar algo que li em outra reportagem de Arnaldo Bloch. Uma reportagem publicada na edição de 28 de agosto de 2016 da Revista O Globo apresentando uma entrevista com Alberto Manguel, autor do livro Uma história natural da curiosidade. Respondendo à pergunta – O que é educar, hoje? -, ele diz:
"O mundo hoje é uma só sociedade de consumo que, para funcionar, deve educar o cidadão a não pensar. Os valores são apenas aqueles da facilidade, da rapidez, do banal. Essa educação necessariamente se opõe à inclinação natural do ser humano que é a de parar, refletir, levar a curiosidade ao fundo. Apesar do esforço de alguns professores, prevalece o impedimento à reflexão. Nossos centros de estudo não são mais escolas: são centros de adestramento para criar escravos que devem cumprir certas funções no seio de uma usina. Estamos no modelo de Chaplin em 'Tempos modernos'. Isso permite que uma máquina econômica falida e infernal continue a nos engolir e se alimentar do sangue de nossos filhos, chamada 'modelo econômico'".
Tendo vindo ao Brasil por ocasião do lançamento do referido livro, Alberto Manguel foi alvo para reportagens em vários meios de comunicação e em várias delas encontrei afirmações que têm afinidade com esta postagem. Na edição de 30 de agosto de 2016 do jornal Folha de S.Paulo encontrei os dois parágrafos abaixo.
Para Manguel, o mundo contemporâneo não quer indivíduos que reflitam, por estar mais interessado em formar consumidores. "Há um vazio de educação sobre a memória do passado comum, de nossos valores. Não diria que já tivemos uma sociedade justa. Mas no passado havia um esforço para questionar momentos injustos."
Ainda segundo ele, o mundo vive um impasse político em que apenas são bradados slogans, repetindo a linguagem publicitária. E Manguel cita o Brasil como exemplo. "São corruptos acusando outros de corrupção. Nenhum vocabulário ético definiu uma situação assim: uma disputa entre aqueles que cometeram crimes e aqueles que cometeram crimes. Por isso [para algo assim existir], é preciso uma sociedade que não pensa." A imagem que vem à cabeça do autor é a do mundo imaginado por H. G. Wells em "A Máquina do Tempo": uma sociedade de seres bestiais que trabalham brutalmente e não pensam. Acima, uma classe desconectada da realidade dos que vivem abaixo dela.
Na edição de 12 de setembro de 2016 da revista Época encontrei o parágrafo abaixo.
"Ler literatura é meter o nariz no mais profundo da realidade", diz Manguel, numa defesa de que se encerrar na biblioteca não implica recusa do mundo. "Sem a literatura, somos surdos-mudos, e é isso que querem os políticos", diz ele. "As autoridades querem que não façamos perguntas e que não sejamos curiosos. Elas nos querem longe da literatura para que passemos a vida nos ocupando com jogos idiotas."
Refletir! Eis uma prática apontada como imprescindível pelos três autores citados nesta postagem.
"O mundo hoje é uma só sociedade de consumo que, para funcionar, deve educar o cidadão a não pensar. Essa educação necessariamente se opõe à inclinação natural do ser humano que é a de parar, refletir, levar a curiosidade ao fundo.", diz Alberto Manguel.
"Para mim é um imperativo categórico que haja espaço de educação e reflexão para todos. Um critério para uma sociedade mais justa deveria incluir o direito humano a ter tempo na vida para discutir a questão de quem somos. Quem não tem tempo sequer para isso jamais poderá viver uma 'boa vida'.", diz Markus Gabriel.
"Temos tantos compromissos, em diferentes sentidos, que quase não sobra tempo para a reflexão, a observação e o estudo de nós mesmos. Mas a responsabilidade pelos efeitos disso é do próprio indivíduo, não de outros.", diz Jiddu Krishnamurti.
Sim, como diz Krishnamurti, "a responsabilidade pelos efeitos disso é do próprio indivíduo, não de outros". Afinal, o desejo de outros, na quase totalidade das vezes, é algo que interessa a eles, mas não a nós. O que interessa aos outros, como diz Manguel, "é que passemos a vida nos ocupando com jogos idiotas." O que interessa aos outros, como diz Arnaldo Bloch, na frase final de seu artigo intitulado Pokémon Go Home, publicado na edição de 27 de agosto de 2016 do jornal O Globo, "é distrair a espécie, alienando-a do viver".
Após o que é dito acima, ainda lhes resta alguma dúvida que a solução para os nossos conflitos é responsabilidade da qual não devemos nos eximir? Afinal, se nós mesmos não buscarmos a solução para os nossos conflitos, quem fará isso por nós? Vocês já pararam para refletir sobre isso? Refletir, eis a questão. Segundo Alberto Manguel, "a inclinação natural do ser humano é parar, refletir, levar a curiosidade ao fundo". Será que ele está equivocado? Será que o fascínio pelas máquinas já fez com que deixássemos de ser humanos? Vocês ainda conseguem refletir sobre essas questões?

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