Em uma civilização onde
os indivíduos são estimulados a falar cada vez mais, felizmente ainda existem
pessoas que, trafegando na contramão, defendem a prática de se falar menos. Uma
delas é Mirian Goldenberg, antropóloga e professora da Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Esta postagem apresenta o artigo intitulado A arte de se calar publicado em sua
coluna no jornal Folha de S.Paulo em 9
de agosto de 2016.
A arte de se calar
A arte de calar, um
tratado escrito em 1771, afirma que o primeiro grau de sabedoria é saber se
calar, o segundo é moderar-se no discurso e o terceiro é não falar demais. No
tratado estão os seguintes princípios:
1. Só se deve deixar
de se calar quando há algo a falar que valha mais do que o silêncio.
2. Há um tempo de se
calar, assim como há um tempo de falar.
3. O tempo de se calar
deve sempre vir em primeiro lugar e nunca se pode falar bem quando não se
aprendeu antes a calar.
4. Não há menos
franqueza ou imprudência em se calar quando se é obrigado a falar do que
leviandade e indiscrição em falar quando se deve calar.
5. É certo que há
menos risco em se calar do que em falar.
6. O homem nunca é tão
dono de si mesmo quanto no silêncio.
7. Quando se tem uma
coisa importante para falar, é necessário dizê-la primeiro a si mesmo para evitar
que haja arrependimento quando já não se tiver o poder de voltar atrás no que
se declarou.
8. Quando se trata de
guardar um segredo, calar-se nunca é demais.
9. O silêncio do sábio
vale mais do que o arrazoado do filósofo.
10. O silêncio muitas
vezes passa por sabedoria em um homem limitado e capacidade em um ignorante.
11. Mais vale passar
por não ser um gênio de primeira grandeza, permanecendo em silêncio, do que por
louco, abandonando-se à comichão de falar demais.
12. A característica de um homem corajoso é falar
pouco e executar grandes ações. A característica de um home de bom senso é
falar pouco e dizer sempre coisas razoáveis.
13. Se houver muita
paixão em falar uma coisa, este será um motivo suficiente para se calar.
14. O silêncio é
necessário em muitas ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem-se reter
alguns pensamentos, mas não se deve camuflar nenhum.
A arte de se calar
provoca uma reflexão mais do que necessária em um momento em que muitos
brasileiros parecem ter opinião sobre tudo, falam compulsivamente e são contra
os que têm ideias diferentes. Não é à toa que muitas pessoas reclamam que os
outros não sabem escutar com atenção e respeito as suas opiniões.
Em tempos de muito
ruído, tagarelice e blá-blá-blá, com tantas queixas sobre a falta de escuta e
de diálogo, você sabe quando é o momento certo de se calar?
Ficar em silêncio provoca uma reflexão no momento em que
muitos parecem ter uma opinião sobre tudo
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Dos 14 princípios que
compõem o tratado citado por Mirian Goldenberg há três deles sobre os quais creio
ter algo interessante para falar.
O primeiro princípio - Só se deve deixar de se calar quando há
algo a falar que valha mais do que o silêncio – faz-me lembrar a seguinte passagem do livro Tópicos Especiais em Física das Calamidades:
"Às vezes as pessoas dizem coisas só para encher o silêncio. Ou para chocar e provocar. Ou como exercício. Aeróbica verbal. Musculação loquaz. Há inúmeras razões. Só muito raramente as palavras são usadas estritamente por seus significados denotativos."
Vocês
concordam que "Dizer coisas só para encher o
silêncio" é simplesmente o contrário de "Só deixar de se calar
quando há algo a falar que valha mais do que o silêncio"?
O segundo princípio - Há um tempo de se calar, assim como há um tempo
de falar – faz-me lembrar o seguinte aforismo atribuído a
Confúcio:
"Se encontrais uma pessoa a quem vale a pena falar e não lhe falais, perdeis a pessoa; se encontrais uma pessoa a quem não vale a pena falar, e lhe falais, perdeis, isto é, desperdiçais as vossas palavras. Sábio é o que não perde pessoas, nem palavras."
Vocês
concordam que além de "haver um tempo de se calar e um tempo de
falar", há também "alguém com quem se deve falar e alguém com quem se
deve calar"?
O terceiro princípio - O tempo de se calar deve sempre vir em
primeiro lugar e nunca se pode falar bem quando não se aprendeu antes a calar –,
no meu entender, explica porque a imensa maioria das pessoas não fala bem: a humanidade
se cala cada vez menos. Por quê? Porque de toda a infinidade de coisas que até
hoje lhe foi oferecida pela tecnologia, uma das que mais fascina a tal da espécie
inteligente do universo é a possibilidade de falar cada vez mais, e eu explico.
Limitadas pela imprescindibilidade
de ter perto de si a pessoa com quem desejavam falar ou de ter alguém por quem enviar
uma comunicação escrita, uma carta, por exemplo, com o surgimento do telefone,
as pessoas passaram a ter a possibilidade de falar também com quem delas
estivesse geograficamente distante, o que as levou a falarem mais. Porém, nessa
nova possibilidade ainda havia uma limitação: para que se pudesse falar, o
interlocutor precisava estar, ao mesmo tempo, em algum lugar onde houvesse um aparelho
telefônico instalado.
Limitação que foi eliminada
a partir do momento em que, além da telefonia fixa, o estupendo desenvolvimento
tecnológico atingido por esta civilização (sic) passou a oferecer também a
telefonia móvel. Ou seja, com o surgimento de um aparelho telefônico que pode
ser levado de um lugar para outro, a humanidade passava a ter a possibilidade
de falar durante o tempo todo. Possibilidade que ela agarrou não com unhas e
dentes, e sim com orelhas e dedos, inicialmente, e com olhos e dedos,
posteriormente, e eu explico.
Com orelhas e dedos
nos tempos em que os aparelhos telefônicos possibilitavam apenas a comunicação
por voz; com olhos e dedos a partir do momento em que os smartphones (telefones inteligentes) passaram a possibilitar o
envio de mensagens escritas. E foi assim que, presenteada com a invenção do
telefone inteligente, a autodenominada espécie inteligente do universo não
parou mais de falar e hoje fala durante o tempo todo, o que torna cada vez mais
difícil aprender a se calar.
Na esperança de que, na
elaboração desta postagem, eu tenha encontrado o momento certo de me calar, termino-a
com a mesma indagação com a qual Mirian Goldenberg encerra seu artigo: "Em tempos de muito ruído, tagarelice e
blá-blá-blá, com tantas queixas sobre a falta de escuta e de diálogo, você sabe
quando é o momento certo de se calar?"
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