terça-feira, 11 de outubro de 2016

Somente ouvimos o que queremos ouvir

Depois de fazer apologia da Arte de se calar, este blog traz um texto que, dependendo de como seja interpretado, serve para duas coisas que considero relevantes: reforçar a apologia feita na postagem anterior e fazer uma nova. Qual é a nova? A da arte de saber ouvir o que se precisa ouvir.
Intitulado Somente ouvimos o que queremos ouvir, o texto apresenta um episódio narrado no livro Buscando o Equilíbrio – Reflexões sobre a vida, o conhecimento, as relações pessoais e profissionais, de Heródoto Barbeiro e José Renato Sátiro Santiago Jr.
O reforço da apologia da Arte de se calar é feito pela seguinte indagação: Se as pessoas somente ouvem o que querem ouvir, será que faz algum sentido falarmos durante o tempo todo? A apologia da arte de saber ouvir o que se precisa ouvir é feita pelo que é dito após a apresentação do episódio narrado no livro.
Somente ouvimos o que queremos ouvir
Um padre de uma pequena cidade do interior notou que seu estoque de vinho estava diminuindo muito rapidamente. Após analisar inúmeras possibilidades, chegou à conclusão de que o vinho poderia estar sendo roubado.
No entanto, algo intrigava o padre, pois ele acreditava que o possível ladrão não levava o vinho, e, sim, bebia-o. Como o sacristão tinha chegado, algumas vezes, bêbado à igreja, o padre passou a desconfiar dele. Depois de criar certa coragem, resolveu inquiri-lo no confessionário.
- Sacristão, você tem ideia de quem possa estar roubando o vinho da sacristia?
O sacristão disse:
- Padre, por favor, fale mais alto, pois no lugar que estou não consigo ouvi-lo.
O padre encheu os pulmões e gritou:
- Sacristão, quem está roubando o vinho da sacristia?
E mais uma vez o sacristão respondeu:
- Sabe, padre, daqui realmente não se ouve nada mesmo. Quer conferir? O senhor sai daí e vem para cá e eu saio daqui e vou para o seu lugar.
E fizeram a troca de lugares. Então, o sacristão passou a perguntar:
- Padre, quem está namorando a irmã Mana?
E o padre respondeu:
- É, meu filho, você tem toda razão: daqui, deste lado, não dá para ouvir nada mesmo...
Moral da história: as pessoas somente ouvem o que querem ouvir, o que é coerente com seus preconceitos, inferências e valores.
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Ler que a moral da história é que "as pessoas somente ouvem o que querem ouvir" faz-me lembrar A arte de se calar. Afinal, se as pessoas ouvem somente o que querem ouvir, falar demais é algo que, no meu entender, não faz sentido. E falar em não fazer sentido e em ouvir somente o que agrade a quem ouve, leva-me, pelo método das recordações sucessivas, a lembrar uma passagem de Sede de Sentido, um livro de Viktor Emil Frankl, criador da que ficou conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia: a logoterapia que, em uma tradução literal, significa terapia através do sentido. As anteriores são as de Sigmund Freud e de Alfred Adler.
"Quando lhe pediram, em certa ocasião, para caracterizar a diferença entre a psicanálise de Freud e a logoterapia por ele desenvolvida, o prof. Viktor Frankl pediu ao interlocutor, um médico americano, que definisse em duas palavras a psicanálise. A resposta foi: 'Na psicanálise, o paciente tem de deitar-se num divã e contar coisas que, às vezes, são muito desagradáveis de serem contadas'. Ao que o psiquiatra vienense retrucou: 'Pois na logoterapia o paciente pode ficar sentado normalmente, mas tem de ouvir coisas que, às vezes, são muito desagradáveis de serem ouvidas'."
Desenvolver a capacidade de "ouvir coisas que, às vezes, são muito desagradáveis de serem ouvidas", mas que precisam ser ouvidas, e abandonar a estúpida prática de "somente ouvirmos o que queremos ouvir", eis duas ações imprescindíveis à eliminação de equívocos que cometemos e à nossa transformação em indivíduos melhores.
Em indivíduos melhores que pela prática de ações providas de sentido passarão a contribuir para a melhoria da qualidade da sociedade na qual sobrevivemos, pois, como digo no meu perfil no blog, sou alguém que acredita que "a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes". Isso faz sentido para vocês?
Para quem quiser ler algo sobre sentido, seguem três sugestões: Sede de Sentido, Consequências da sede de sentido, Dificuldades para matar a sede de sentido.

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