"O Mestre Uchiyama Kosho dizia frequentemente: 'Porque o Caminho que existe é perfeito, não há necessidade de mais nada. Ele é completo e se basta tranquilamente a si mesmo. Apenas os seres humanos, infelizmente dotados da faculdade de pensar, querem acrescentar alguma coisa.'"
Saber que
o Mestre Uchiyama Kosho dizia que "não há necessidade de mais nada"
me faz lembrar algo dito por outro mestre. Indagado sobre como fazia uma
escultura, Michelangelo respondeu assim: "Simplesmente retiro do bloco de
mármore tudo o que não é necessário". Ou seja, para se realizar uma obra
prima a ação é a de retirar, não a de acrescentar.
Fazer da
vida uma obra prima! Ou seja, retirar do modo de viver tudo o que não seja
necessário, eis uma das condições para se alcançar algo tão almejado pela dita espécie
inteligente do universo: a felicidade. Então, por que são tão poucos os que se
dispõem a viver assim? Porque, como diz a mestra Shundo Aoyama, "Nossa civilização é totalmente insensata,
buscando apenas acumular mais e mais".
Acumular
mais e mais, pois em uma civilização onde vale mais quem tem mais, toda e
qualquer novidade, por mais desnecessária que seja, rapidamente torna-se artigo
de primeira necessidade. Até porque, na insensatez citada na frase final do
parágrafo anterior, está incluído o desejo de não ser visto como alguém que não
consegue acompanhar o estonteante desenvolvimento tecnológico que lhe é
oferecido. E tontas com a possibilidade que a tecnologia lhes oferece de
satisfazer todo e qualquer desejo que possuam, por mais disparatado que seja,
as pessoas seguem pela vida querendo tudo imediatamente, como nos diz a mestra Shundo Aoyama em seu belíssimo conto.
"Não temos paciência de esperar que a natureza nos dê tudo em seu devido tempo. Queremos contemplar nossas flores preferidas em qualquer época do ano, comer sempre as verduras e frutas que desejamos. A isso se junta a ganância daqueles que se prestam a atender tais desejos, sempre em busca de lucros, e daí surge a corrida do ouro. A ciência é utilizada sem nenhum controle para satisfazer esta avidez e, assim, a corrida se torna cada vez mais louca e acirrada. Terminamos por construir um mundo sem coração, em que existem apenas o materialismo e um pragmático espírito comercial."
"No entanto, não podemos esquecer que também nosso coração, ao viver em um mundo tão artificial, acaba por se transformar em algo endurecido, sem emoções, como plástico."
"Terminamos por
construir um mundo sem coração, em que existem apenas o materialismo e um
pragmático espírito comercial. (...) Um mundo tão artificial que chega ao ponto
de transformar em algo endurecido o coração daqueles que nele vivem." Endurecimento
que começa a ser feito ainda em tenra idade, como explica a mestra Shundo Aoyama.
"As crianças que crescem em ambientes onde não há nenhum contato com a natureza não conseguem decifrar e sentir a promessa das flores primaveris que desabrocham no início da primavera, resistindo ao frio cortante, nem das flores que só abrem suas pétalas quando convidadas pelas brisas outonais. (...) As crianças que crescem em um ambiente em que a terra não pode ensinar esses sentimentos, e onde tudo se compra com o dinheiro, não podem desenvolver sensibilidade e delicadeza."
Vocês concordam que
não poder desenvolver sensibilidade e delicadeza implica na transformação do
coração em algo endurecido? Será que não poder desenvolver sensibilidade e
delicadeza tem alguma relação com a construção da sociedade hostil e árida (expressão usada no conto) em que
sobrevivemos? No meu entender, sim. E no de vocês?
"Nas lojas – onde o ano inteiro encontramos toda a variedade de flores, verduras e frutas de qualquer estação, mesmo fora de época – basta pagar para conseguir qualquer coisa. Podemos adquirir qualquer coisa; precisamos apenas pagar. Mas, dessa maneira, não conseguimos mais experimentar a emoção do primeiro desabrochar, nem as saudades e o carinho de nos despedir das flores que já estão caindo."
O parágrafo acima é mais uma passagem do conto
da mestra Shundo Aoyama que me
faz lembrar algo que li, e jamais esqueci. São de um livro de autoria do
Professor José Hermógenes, cujo título não anotei, as seguintes palavras:
"O milionário paga ao jardineiro para aparar a grama e cuidar das flores. Mas, coitado vive tão apressado. Não lhe sobra tempo para gozar a beleza de SEU jardim, que ele financia. Paga para dizer que o jardim é SEU."
"Podemos adquirir
qualquer coisa, precisamos apenas pagar", diz a mestra zen. "O milionário paga ao jardineiro para cuidar do jardim. Paga para
dizer que o jardim é SEU." Ou seja, paga para iludir-se, pois interpretada
à luz da questão sobre ser de fato e ser de direito, a conclusão quanto a quem
seja o dono do jardim será a seguinte: de direito é o milionário; de fato é o
jardineiro.
"Mas, dessa
maneira, não conseguimos mais experimentar a emoção do primeiro desabrochar,
nem as saudades e o carinho de nos despedir das flores que já estão
caindo.", diz a mestra zen em seu conto. Não poucas vezes, já me
surpreendi despedindo-me das flores que já estão caindo e agradecendo-lhes pela
beleza que trouxeram a este mundo, digo eu nesta postagem. E ao dizê-lo sei que
provoco na maioria dos que lerem-na dúvidas quanto à sanidade mental
deste blogueiro. Dúvidas que considerando
algo que ouvi ontem, durante um almoço com ex-colegas de trabalho que tornaram-se
meus amigos, justamente no dia em que eu pretendia publicar esta postagem, parece-me
já terem sido eliminadas por uma ex-colega de trabalho.
O que foi que ouvi? Algo
mais ou menos assim: a fulana dizia que o Guedes é maluco. Lamentavelmente, devido
ao fato de o elogio não ter sido feito diretamente ao maluco, fico
impossibilitado de agradecer à ex-colega normal. Afinal, considerando que a insana civilização na qual sobrevivemos
tem tudo a ver com as ações e as omissões de um estupendo (ou seria estúpido?)
contingente formado por pessoas normais
(aquelas que seguem as normas, independentemente de quais sejam elas), ser
classificado como maluco, de certa forma, significa ter uma menor parcela de culpa na construção
de tal civilização (sic), não é mesmo? Será que algum dia ainda terei uma oportunidade
para agradecer à minha ex-colega normal? Tomara que sim.
Nossa! Acho que falei
demais. A quem quiser ler algo sobre sanidade mental recomendo a leitura da
postagem Saúde mental, publicada
neste blog em 7 de maio de 2013. Sobre falar demais, recomendo a leitura da
postagem A arte de se calar cuja publicação
está prevista para o próximo dia 4 de outubro, neste blog.
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