A dois dias da chegada
da primavera, este blog espalha algumas extraordinárias ideias contidas em um conto
de Shundo Aoyama Rôshi incluído em seu
livro Para uma pessoa bonita – Contos de uma mestra zen.
Não há nada a acrescentar
No Risshun, o primeiro
dia de primavera de acordo com o antigo calendário lunar, enquanto colocava um
galho de ameixeira no tokonoma, senti meu coração invadido pela alegria ao
constatar que a primavera tinha finalmente começado a respirar. De repente,
pareceu-me que essa sensação fosse o auge da felicidade.
De fato essa
felicidade só pode ser experimentada por aqueles que repetidamente visitam a
ameixeira durante o inverno, sob o vento gélido, esperando ansiosamente que
surjam os primeiros botões. É também um sentimento que só pode ser vivido por
aqueles que têm um jardim, ou campos, onde a Mãe Natureza assegura sempre a
alternância das quatro estações.
Atualmente, nas
floriculturas e quitandas, podemos encontrar sempre flores e verduras de todas
as estações, cultivadas em estufas. As crianças que crescem em ambientes onde
não há nenhum contato com a natureza não conseguem decifrar e sentir a promessa
das flores primaveris que desabrocham no início da primavera, resistindo ao
frio cortante, nem das flores que só abrem suas pétalas quando convidadas pelas
brisas outonais.
Nas lojas – onde o ano
inteiro encontramos toda a variedade de flores, verduras e frutas de qualquer
estação, mesmo fora de época – basta pagar para conseguir qualquer coisa.
Podemos adquirir de besouros a guarus; precisamos apenas pagar. Mas, dessa
maneira, não conseguimos mais experimentar a emoção do primeiro desabrochar, nem
as saudades e o carinho de nos despedir das flores que já estão caindo.
Em uma sociedade que
caminha em direção à massificação, o homem vive à deriva, sem conhecer o
maravilhoso sentimento de gratidão pela primeira colheita de tomates ou
pepinos. Não podemos mais apreciá-los realmente, depois de os ter colocado no
altar de Buda em sinal de agradecimento. Não há mais encanto em pescar um guaru
com as próprias mãos em concha, vacilando contra a corrente. Muito menos em
experimentar o pesar e a dor pelas pessoas que estão morrendo.
As crianças que
crescem em um ambiente em que a terra não pode ensinar esses sentimentos, e
onde tudo se compra com o dinheiro, não podem desenvolver sensibilidade e
delicadeza.
Não é por acaso que se
diz "Mãe Terra": isto mostra que também nós, seres humanos, somos
filhos da Terra, filhos da natureza. Sinto um arrepio na coluna ao imaginar uma
sociedade futura na qual a Terra seja constantemente saqueada, tornando-se um
lugar hostil e árido. Como pudemos chegar a este ponto?
Tudo surge dos desejos
egoístas dos seres humanos. Não temos paciência de esperar que a natureza nos
dê tudo em seu devido tempo. Queremos contemplar nossas flores preferidas em
qualquer época do ano, comer sempre as verduras e frutas que desejamos. A isso
se junta a ganância daqueles que se prestam a atender tais desejos, sempre em
busca de lucros, e daí surge a corrida do ouro. A ciência é utilizada sem
nenhum controle para satisfazer esta avidez e, assim, a corrida se torna cada
vez mais louca e acirrada. Terminamos por construir um mundo sem coração, em
que existem apenas o materialismo e um pragmático espírito comercial.
No entanto, não
podemos esquecer que também nosso coração, ao viver em um mundo tão artificial,
acaba por se transformar em algo endurecido, sem emoções, como plástico.
Nesse coração de
plástico, onde não há vida nem morte, não é possível entrar o ensinamento de
Buda nem sua verdade, segundo a qual "viver e morrer é o Nirvana".
O Mestre Uchiyama
Kosho dizia frequentemente: "Porque o Caminho que existe é perfeito, não
há necessidade de mais nada. Ele é completo e se basta tranquilamente a si
mesmo. Apenas os seres humanos, infelizmente dotados da faculdade de pensar,
querem acrescentar alguma coisa. Desse modo, tudo fica bloqueado, como uma dor
de barriga ou numa indigestão".
Nossa civilização é
totalmente insensata, buscando apenas acumular mais e mais. Se não mudarmos
nosso direcionamento, no futuro a Terra não será mais habitada pelos seres
humanos.
Seguindo os
ensinamentos de Buda, que nos mostra os princípios que regem o Universo, é
preciso resgatar um coração que se emocione com uma flor apenas, que derrame
lágrimas pela morte de um inseto. Um coração que ame não apenas a própria vida,
mas também a vida dos outros. Um coração que aprecie a existência de cada
elemento neste mundo.
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A visão permanente da floresta, dos
pássaros e de outros animais despertava em Albert Schweitzer o antigo
sentimento de amor e respeito pela vida e "por tudo que respira". Era a "Reverência pela vida", expressão
cunhada em momento de inspiração num rio africano, em meio a hipopótamos,
quando fora socorrer uma pessoa.
O parágrafo acima foi
extraído da postagem anterior. Relendo-o com atenção, será que vocês conseguem enxergar
a afinidade entre a "Reverência pela
vida" e o que é dito no último parágrafo do excelente texto da mestra zen Shundo Aoyama Rôshi?
Sem nada a acrescentar
nesta postagem, mas com muito a refletir sobre o que nela é dito, com a
esperança de voltar a este blog no quinto dia desta primavera para espalhar algumas
reflexões provocadas pelo belíssimo conto da mestra zen, desejo a vocês uma ótima
primavera.
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