quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Não há nada a acrescentar

A dois dias da chegada da primavera, este blog espalha algumas extraordinárias ideias contidas em um conto de Shundo Aoyama Rôshi incluído em seu livro Para uma pessoa bonita – Contos de uma mestra zen.
Não há nada a acrescentar
No Risshun, o primeiro dia de primavera de acordo com o antigo calendário lunar, enquanto colocava um galho de ameixeira no tokonoma, senti meu coração invadido pela alegria ao constatar que a primavera tinha finalmente começado a respirar. De repente, pareceu-me que essa sensação fosse o auge da felicidade.
De fato essa felicidade só pode ser experimentada por aqueles que repetidamente visitam a ameixeira durante o inverno, sob o vento gélido, esperando ansiosamente que surjam os primeiros botões. É também um sentimento que só pode ser vivido por aqueles que têm um jardim, ou campos, onde a Mãe Natureza assegura sempre a alternância das quatro estações.
Atualmente, nas floriculturas e quitandas, podemos encontrar sempre flores e verduras de todas as estações, cultivadas em estufas. As crianças que crescem em ambientes onde não há nenhum contato com a natureza não conseguem decifrar e sentir a promessa das flores primaveris que desabrocham no início da primavera, resistindo ao frio cortante, nem das flores que só abrem suas pétalas quando convidadas pelas brisas outonais.
Nas lojas – onde o ano inteiro encontramos toda a variedade de flores, verduras e frutas de qualquer estação, mesmo fora de época – basta pagar para conseguir qualquer coisa. Podemos adquirir de besouros a guarus; precisamos apenas pagar. Mas, dessa maneira, não conseguimos mais experimentar a emoção do primeiro desabrochar, nem as saudades e o carinho de nos despedir das flores que já estão caindo.
Em uma sociedade que caminha em direção à massificação, o homem vive à deriva, sem conhecer o maravilhoso sentimento de gratidão pela primeira colheita de tomates ou pepinos. Não podemos mais apreciá-los realmente, depois de os ter colocado no altar de Buda em sinal de agradecimento. Não há mais encanto em pescar um guaru com as próprias mãos em concha, vacilando contra a corrente. Muito menos em experimentar o pesar e a dor pelas pessoas que estão morrendo.
As crianças que crescem em um ambiente em que a terra não pode ensinar esses sentimentos, e onde tudo se compra com o dinheiro, não podem desenvolver sensibilidade e delicadeza.
Não é por acaso que se diz "Mãe Terra": isto mostra que também nós, seres humanos, somos filhos da Terra, filhos da natureza. Sinto um arrepio na coluna ao imaginar uma sociedade futura na qual a Terra seja constantemente saqueada, tornando-se um lugar hostil e árido. Como pudemos chegar a este ponto?
Tudo surge dos desejos egoístas dos seres humanos. Não temos paciência de esperar que a natureza nos dê tudo em seu devido tempo. Queremos contemplar nossas flores preferidas em qualquer época do ano, comer sempre as verduras e frutas que desejamos. A isso se junta a ganância daqueles que se prestam a atender tais desejos, sempre em busca de lucros, e daí surge a corrida do ouro. A ciência é utilizada sem nenhum controle para satisfazer esta avidez e, assim, a corrida se torna cada vez mais louca e acirrada. Terminamos por construir um mundo sem coração, em que existem apenas o materialismo e um pragmático espírito comercial.
No entanto, não podemos esquecer que também nosso coração, ao viver em um mundo tão artificial, acaba por se transformar em algo endurecido, sem emoções, como plástico.
Nesse coração de plástico, onde não há vida nem morte, não é possível entrar o ensinamento de Buda nem sua verdade, segundo a qual "viver e morrer é o Nirvana".
O Mestre Uchiyama Kosho dizia frequentemente: "Porque o Caminho que existe é perfeito, não há necessidade de mais nada. Ele é completo e se basta tranquilamente a si mesmo. Apenas os seres humanos, infelizmente dotados da faculdade de pensar, querem acrescentar alguma coisa. Desse modo, tudo fica bloqueado, como uma dor de barriga ou numa indigestão".
Nossa civilização é totalmente insensata, buscando apenas acumular mais e mais. Se não mudarmos nosso direcionamento, no futuro a Terra não será mais habitada pelos seres humanos.
Seguindo os ensinamentos de Buda, que nos mostra os princípios que regem o Universo, é preciso resgatar um coração que se emocione com uma flor apenas, que derrame lágrimas pela morte de um inseto. Um coração que ame não apenas a própria vida, mas também a vida dos outros. Um coração que aprecie a existência de cada elemento neste mundo.
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A visão permanente da floresta, dos pássaros e de outros animais despertava em Albert Schweitzer o antigo sentimento de amor e respeito pela vida e "por tudo que respira". Era a "Reverência pela vida", expressão cunhada em momento de inspiração num rio africano, em meio a hipopótamos, quando fora socorrer uma pessoa.
O parágrafo acima foi extraído da postagem anterior. Relendo-o com atenção, será que vocês conseguem enxergar a afinidade entre a "Reverência pela vida" e o que é dito no último parágrafo do excelente texto da mestra zen Shundo Aoyama Rôshi?
Sem nada a acrescentar nesta postagem, mas com muito a refletir sobre o que nela é dito, com a esperança de voltar a este blog no quinto dia desta primavera para espalhar algumas reflexões provocadas pelo belíssimo conto da mestra zen, desejo a vocês uma ótima primavera.

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