Continuação de sexta-feira
Ao descer da canoa em Lambaréné,
Schweitzer avistou a colina onde esperava ver o prédio do antigo hospital,
entretanto o que se apresentou aos seus olhos perturbou a alegria de sua
chegada. Tudo o que havia sido construído com tanto amor e sacrifício
encontrava-se coberto de ervas e cipós que invadiam o interior do hospital,
cujo teto estava completamente destruído. Os missionários, que também tinham
ido recepcioná-lo, observavam, penalizados, a decepção e a angústia que transparecia
em seus olhos. Voltando-se para eles, Schweitzer disse com simplicidade,
revelando a sua força moral:
- Faremos tudo novamente.
Nos dias subsequentes, sem esperar a
restauração do hospital, Schweitzer deu início ao seu trabalho. Os doentes
chegavam cada vez em maior número, e ele os atendia sem contar as horas. Os
nativos ajudaram a retirar as ervas e os cipós do hospital semi-destruído, mas
o início de uma grave epidemia de desinteria que começou a se alastrar pelas aldeias
tornando evidente demais a necessidade de tomar uma urgente decisão: construir
um novo hospital. Schweitzer deliberou, então, fazer um relato para as
autoridades do Gabão pedindo providências. O recado era um só, inclusive para
os países da Europa que o haviam aplaudido em seus concertos e conferências.
- Todo um povo morre de fome porque
aqui não existe um pouco de arroz. Necessitamos de ajuda urgente, sem perda de
tempo!
A resposta foi rápida. Logo um barco
a motor foi enviado pela Seção Sueca dos Amigos de Lambaréné repleto de alimentos,
salvando, então, centenas de pessoas.
Sendo impossível impedir a
disseminação da epidemia, tornava-se mais do que urgente a construção do novo
hospital, e também a participação de mais médicos e enfermeiros. Quanto aos
médicos e enfermeiros, a resposta ao apelo de Schweitzer foi rápida. O recado
que fora dado tocara o coração de muitos. Três médicos e duas enfermeiras em
pouco tempo se apresentaram dispostos a dar início ao projeto.
Quanto à construção do hospital, após
encontrar o local considerado adequado e o terreno estar preparado, com a
participação remunerada de parentes dos internados e de alguns trabalhadores
especializados cedidos pela França, em atendimento a um pedido de ajuda feito
por Schweitzer feito à Europa, ela obteve êxito e no dia 21 de janeiro de 1927,
Lambaréné amanheceu em festa, por conta da transferência dos enfermos para as
enfermarias recém-construídas. O edifício se erguia sobre pilotis, evitando que
mesmo na época das enchentes, o hospital fosse invadido pelas águas. A cobertura
era de telhas onduladas e os doentes infectados por qualquer enfermidade
contagiosa permaneciam em pavilhão isolado, distante dos outros.
O que foi realizado com ajuda de
tantos produziu um efeito multiplicador. Cada vez mais, médicos e enfermeiros se
ofereciam para tratarem dos enfermos do Hospital da Floresta Virgem, como ficou
conhecido. Embora o sucesso obtido, Schweitzer já começava a sentir saudade de
Hélène e de Rhena. Afetado pela malária, ele resolveu, portanto, voltar à
Europa, pelo menos por algum tempo. Afinal, tendo certeza de que o Hospital
funcionaria sem sua presença permanente, podia partir com tranquilidade, a fim
de usufruir a presença da companheira que tanto o ajudara a realizar seu sonho
e de sua filha, com quem ainda não convivera o suficiente para lhe dar o
carinho que lhe devia. Na época do Natal de 1930, completamente refeito e
saudável, Schweitzer voltou para Lambaréné com a esposa e a filha.
Ao ver o novo hospital, Hélène foi
tomada por um sentimento de alegria e surpresa. Não esperava encontrar tanta
diferença entre a nova construção e o antigo galinheiro onde tudo começara. A
partir daquele momento, o Hospital da Floresta Virgem seria seu lar, e todos os
doentes ali recolhidos seriam sua família, bem como seriam seus amigos os que
com eles convivessem.
A visão permanente da floresta, dos
pássaros e de outros animais despertava em Schweitzer o antigo sentimento de
amor e respeito pela vida e "por tudo que respira". Era a "Reverência pela vida", expressão
cunhada em momento de inspiração num rio africano, em meio a hipopótamos,
quando fora socorrer uma pessoa. Deixando-se levar por esse sentimento, ele
decidiu organizar locais próprios para recolher e proteger os animais, e sempre
encontrava um tempo para passar por esse abrigo, acompanhando o desenvolvimento
de cada um deles.
Mais tranquilo, porque o trabalho transcorria perfeitamente
organizado, ele passou a ocupar-se em escrever. Seu objetivo era passar suas
experiências adquiridas e acumuladas ao longo de todos aqueles anos aos que se
mostrassem interessados em conhecer o trabalho e também colaborar para a
felicidade daqueles que, durante tanto tempo, tinham vivido esquecidos em sua
ignorância e em sua miséria. Schweitzer e Hélène dedicaram seus últimos anos de
vida aos que buscavam o Hospital, e ele, especialmente, dedicou-se a cultivar
seus dons musicais.
Quando uma vez lhe trouxeram uma criança apresentando uma doença
que os médicos não conseguiram diagnosticar, para Schweitzer não foi difícil
dar o diagnóstico, pois sua missão, nesta vida, fora salvar vidas! Depois de
auscultar a criança, ouvir carinhosamente suas queixas, medicou-a, e em breve
tempo ela estava curada. Mas decerto não foi sua longa experiência que curou a
criança, e sim o amor com que ele cumpria a "sua missão". O amor que desde
a primeira vez que Schweitzer chegou à Lambaréné, fez nascer nos nativos o
sentimento de que o "grande doutor branco" adivinhava o que eles
tinham.
Ao longo dos últimos anos vividos em Lambaréné, Schweitzer
acompanhou todos os eventos ocorridos no mundo, tais como: a crise econômica
dos Estados Unidos, a ascensão de Hitler e a Segunda Guerra Mundial. Sete anos
após o término da Segunda Guerra Mundial, Schweitzer era um exemplo vivo do
quanto os homens podem se unir ajudando-se mutuamente, abandonando de vez as
diferenças de raça, cor ou nacionalidade, o que o levou a ganhar o Prêmio Nobel
da Paz, em 1952. Nos dias 28, 29 e 30 de abril de 1958, lançou em Oslo três
apelos contra a ameaça atômica – a maior ameaça ao mundo e à humanidade.
Por sua luta para despertar no homem o respeito pela vida, foi
agraciado com medalhas, diplomas e condecorações – e foi considerado por outro Albert,
um tal de Einstein (já ouviram falar?), como o "maior homem vivo".
Schweitzer morreu em 4 de setembro de 1965 aos noventa anos, cercado
por seus doentes e animais, dos quais cuidara por toda sua vida. Os que
recordam a sua dedicação aos pobres e esquecidos encontrarão em Lambaréné, duas
sepulturas, uma ao lado da outra, sempre cobertas de flores, simbolizando o
amor e a união de duas almas que entrelaçaram suas mãos no serviço do Eterno
Bem e a gratidão eterna daqueles aos quais serviram sem cansaço. E encontrarão
também as flores de uma saudade que jamais terá fim...
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E aí? Ainda soa-lhes estranho o título da postagem, conforme
indagado na primeira postagem da "trilogia"? Ou será que a estranheza
foi transferida para o modo como Schweitzer enxergava a vida? Modo que o levou,
em um momento de inspiração num rio africano, em meio a hipopótamos, quando
fora socorrer uma pessoa, a cunhar a expressão "Reverência pela vida". O que significa tal expressão? O
sentimento de amor e respeito pela vida e "por tudo que respira".
Por sua luta para
despertar no homem o respeito pela vida, foi agraciado com medalhas, diplomas e
condecorações – e foi considerado por outro Albert, um tal de Einstein (já
ouviram falar?), como o "maior homem vivo".
"Casas Huddersfield:
difícil de pronunciar, mas fácil de encontrar!", diz o slogan de uma antiga loja de tecidos.
"Schweitzer: difícil de
pronunciar, porém mais difícil ainda de encontrar!", digo eu, pois,
no meu entender, a dificuldade para encontrar indivíduos com tamanho moral e
espiritual parecido com o de Schweitzer é ainda maior do que para encontrar uma
agulha em um palheiro. Mas será que interpretar sua vida como um conjunto de diretrizes
que nos é oferecido para que dele escolhamos alguma (s) para colocarmos em
prática em prol da "Reverência pela
vida", não é algo que esteja ao nosso alcance? O que vocês acham?
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