Por mais incrível que
possa parecer para as gerações mais novas, já houve tempos em que este planeta
era habitado por pessoas de muitos tamanhos, e não apenas os PP, P, M, G, GG e XG padronizados pelos fabricantes
de roupas. Tempos em que existiam lojas que vendiam tecidos com os quais
profissionais autônomos (alfaiates e costureiras) confeccionavam roupas sob
medida, ou seja, em conformidade com o tamanho de quem as vestiria. Tempos
sinistros, não?!
Lido o parágrafo acima, entre aqueles que já
leram algumas postagens deste blog, alguns poderão pensar algo mais ou menos
assim: Normal ele nunca deve ter sido, mas agora parece ter pirado de vez.
Afinal, o que o início desta postagem tem a ver com algo intitulado Reflexões provocadas por "É preciso coragem", considerando
que "É preciso coragem" é uma
reportagem que focaliza o tema liderança. Então, para evitar que pensamentos
como esse se consolidem, o melhor a fazer é começar a dar as devidas
explicações.
Entre as lojas de
tecido citadas no primeiro parágrafo, havia uma cujo slogan era: "Casas Huddersfield: difícil de pronunciar, mas fácil de encontrar!".
Slogan que, mutatis mutandis,
resulta em: "Líderes:
fácil de pronunciar, mas difícil de encontrar!". Tranquilizei-os?
Se a resposta for sim, passemos às reflexões sobre liderança. Se for não, passemos
também.
"Líderes: fácil de pronunciar, mas difícil de encontrar!". Durante
as 3,7 décadas em que atuei no teatro corporativo, alguns milhares de vezes
ouvi alguém pronunciar a palavra líder, mas jamais encontrei algum líder. Parafraseando
a afirmação de Simon Sinek ("Nós
seguimos os bons líderes não porque precisamos, mas porque queremos"),
no teatro corporativo "Nós seguimos as
más autoridades, não porque queremos, mas porque precisamos". Porque
precisamos preservar nossos empregos. Sobre autoridades e preservação de
empregos, extraí da entrevista com Sinek o trecho apresentado abaixo.
"A liderança é sobre cuidar das pessoas
pelas quais você é responsável. Aqueles que se esquecem disso não são líderes,
são simplesmente autoridades que mandam usando ferramentas como medo ou a
necessidade que o empregado tem de manter aquele trabalho.", diz Sinek, em
total conformidade com a paráfrase feita por mim no parágrafo anterior. Vocês concordam?
Uma coisa da qual não gosto na afirmação
"Nós seguimos os bons líderes não
porque precisamos, mas porque queremos" é da expressão "bons líderes", pois, no meu
entender, ser líder é algo hamletiano:
"Ser ou não ser, eis a questão!". Considerando que ser líder é ter a
capacidade de inspirar pessoas, não existe bom nem mau líder, pois, ou o
indivíduo tem tal capacidade e é líder ou não a tem e não é. Em uma postagem
intitulada Reflexões
provocadas por "O mau líder", publicada em 20 de abril de
2012, eu já externara minha opinião sobre a questão de bons ou maus líderes.
"Liderar não é sobre estar no comando. É sobre cuidar das pessoas que estão sob o seu comando. (...) Os líderes que comem por último até poderiam comer primeiro, pois o cargo permite. Eles poderiam, também, conseguir regalias e vantagens por conta da posição que ocupam. Mas não fazem isso. Os verdadeiros líderes preferem sacrificar seus interesses para cuidar da vida das pessoas que fazem parte de sua equipe – e nunca sacrificam a vida do time para cuidar de seus próprios interesses. (...) O líder tem que agir de acordo com o interesse coletivo.".
O parágrafo acima é uma compilação de trechos
da entrevista de Sinek e contém afirmações com as quais concordo, mas também
algumas das quais discordo. Entre aquelas das quais discordo estão as
seguintes: "Os líderes até poderiam comer primeiro, pois o cargo permite.
E poderiam, também, conseguir regalias e vantagens por conta da posição que
ocupam.". E para justificar minha discordância, recorro às próprias
palavras de Sinek citadas no final do parágrafo anterior. Vocês concordam que
"Quem prefere sacrificar seus interesses para cuidar da vida das pessoas
que fazem parte de sua equipe, que nunca sacrifica a vida do time para cuidar
de seus próprios interesses e que age de acordo com o interesse coletivo",
jamais cogitará da possibilidade de "conseguir regalias e vantagens por
conta da posição que ocupa."?
Não, líderes não fazem o que podem fazer, e
sim, o que devem fazer; não fazem o que é permitido fazer, e sim, o que é
correto fazer, pois, de alguma forma, seguem a seguinte afirmação atribuída ao
líder Paulo de Tarso: "Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.".
Aqueles que agem de modo contrário ao que acabo de dizer, no meu entender,
jamais deverão ser considerados líderes. Pelo mesmo motivo (explicado no
terceiro parágrafo acima) pelo qual não gosto da expressão "bons
líderes" não gosto também da expressão "verdadeiros
líderes".
"Gerentes se concentram em sistemas,
métricas, processos e resultados. Líderes mantêm o foco na percepção de como as
ações do time influenciam nos resultados. Gerentes olham para os números.
Líderes olham para o 'nós'.", diz Sinek. E ao dizê-lo me faz lembrar a
seguinte afirmação de Antoine de Saint-Exupéry: "Se quiseres construir um
navio, não reúna pessoas para elaborar planos, distribuir tarefas, buscar
ferramentas, cortar madeira, mas desperta neles o desejo de buscar a amplidão
dos mares. Então, construirão o navio por si.". Saint-Exupéry enxergava diferenças entre gerentes e líderes. Será que nós enxergamos?
"Liderança não é sobre enviar uma mensagem. É sobre a mensagem em si. Pense no Dr. Martin Luther King: 250.000 pessoas foram ouvi-lo falar de perto. Não houve lembretes por e-mail, campanha no Facebook ou hashtags para atrair essa multidão. Todos eles se reuniram porque tinham algo em comum (...) Dr. King foi capaz de criar um movimento forte porque não ficou parado esperando por um futuro melhor. Ele não fez o discurso do 'Eu tenho um plano'. Ele fez o discurso do 'Eu tenho um sonho' e transformou em palavras o que ansiava. Com isso, Dr. King nos deu um mundo do qual poderíamos fazer parte e no qual poderíamos contribuir. Ele não quis tentar provar como poderia resolver tudo sozinho. Ele criou as condições (e o desejo) para que nós fizéssemos isso juntos, ao lado dele."
"Liderança não é sobre enviar uma
mensagem. É sobre a mensagem em si.", diz Simon Sinek, me fazendo lembrar a
seguinte afirmação de um grande líder. "Eu não tenho mensagem. Minha
mensagem é minha vida.", disse Mahatma Gandhi.
"Martin Luther King não fez o discurso do
'Eu tenho um plano'. Ele fez o discurso do 'Eu tenho um sonho' e com isso nos
deu um mundo do qual poderíamos fazer parte e no qual poderíamos contribuir.
Ele não quis tentar provar como poderia resolver tudo sozinho. Ele criou as
condições (e o desejo) para que nós fizéssemos isso juntos, ao lado dele."
Vocês conseguem enxergar no parágrafo acima
alguma semelhança com a afirmação de Saint-Exupéry citada quatro parágrafos
acima? Será que existe alguma semelhança entre "não falar sobre um plano,
e sim sobre um sonho e criar as condições (e o desejo) para fazer as coisas
juntos" e "não reunir pessoas para elaborar planos, mas despertar
nelas o desejo de buscar a amplidão dos mares e levá-las a construírem o navio
por si"? Para mim, existe uma enorme semelhança. E para vocês?
Sim, como diz Simon Sinek, para ser líder
"É preciso coragem". A coragem que Gandhi e Luther King tinham. Mas
não é apenas para ser líder que "é preciso coragem", pois coragem é
algo que se precisa até para se viver, como afirma Guimarães Rosa: "O
correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."
Sim, "O que a vida quer da gente (de líderes e de liderados) é
coragem.". Coragem para fazermos o que seja necessário, pois, como disse
Winston Churchill, fazer o possível é inútil. Será que ainda lhes resta alguma
dúvida de que "É preciso coragem"?
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