terça-feira, 16 de agosto de 2016

A violência que cerca nossas vidas

Neste blog em que as postagens costumam ter alguma relação com a anterior, após "Quero ir embora do Brasil!", segue mais um artigo de Miriam Goldenberg publicado em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo. Intitulado A violência que cerca nossas vidas ele foi publicado na edição de 26 de julho de 2016. Mas, a afinidade entre as duas postagens não se restringe a autoria dos textos, pois abrange também o fato de os dois artigos evidenciarem que a mudança do nosso modo de agir é condição sine qua non para tornar melhor o país em que vivemos.
A violência que cerca nossas vidas
Os brasileiros estão sofrendo com a extrema violência no país, como um músico de 47 anos:
"Eu também morro um pouco junto com todos que estão sendo assassinados, roubados, estuprados. Perdi a esperança de que o Brasil renasça das cinzas e da podridão. Costumava acompanhar obsessivamente todas as notícias dos jornais e televisão. Agora, não aguento mais ouvir casos e mais casos de violência e de corrupção. Parece uma novela velha e interminável, que repete os mesmos capítulos todos os dias. Nenhum filme vai conseguir reproduzir o drama que estamos vivendo".
A violência acabou afetando o seu trabalho.
"Sinto uma angústia enorme, uma impotência, uma espécie de ressaca física e emocional. Estou exausto, desanimado e deprimido. Estou me sentindo inútil, nada do que faço tem importância e significado com tanta miséria e violência. Não estou conseguindo produzir nada, parece que estou paralisado, esperando o país mudar para retomar os meus projetos. Só canto aquela música: 'Não, não posso parar, se eu paro, eu penso. Se eu penso, eu choro'."
Uma professora de 53 anos disse que nunca se sentiu tão insegura e vulnerável.
"As pessoas estão muito mais agressivas. São violências diárias, cotidianas, sem qualquer motivo. Um vendedor me trata mal, um aluno me ignora, um colega que me desrespeita, motoristas que me cortam e me xingam, um ex-marido que só me critica e me desvaloriza. A falta de reconhecimento também é uma violência. Preciso me controlar para não chorar nestes momentos. O clima de violência, roubalheira e desrespeito é tamanho que afetou todo mundo. Todos que conheço estão muito irritados, intolerantes e violentos. Está muito difícil sobreviver no meio de tanta violência".
Ela tomou a decisão de remar contra a maré. De tanto levar "porradas", decidiu reagir de uma forma diferente. Em vez de responder com a mesma agressividade, tenta ser cada vez mais atenciosa, carinhosa e delicada. Quanto mais violenta é a pessoa, mais educada ela é. Resolveu que não vai se contaminar com esse clima de ódio.
A gentileza gera gentileza e pode ser a única maneira de combater a energia negativa e a agressividade
Se violência gera violência, é possível que gentileza gere gentileza. Será que agindo assim vamos conseguir desarmar a energia negativa e a agressividade que nos cercam?
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"Ela (uma professora de 53 anos) tomou a decisão de remar contra a maré. (...) Em vez de responder com a mesma agressividade, tenta ser cada vez mais atenciosa, carinhosa e delicada. Quanto mais violenta é a pessoa, mais educada ela é. Resolveu que não vai se contaminar com esse clima de ódio." E ao agir assim, a professora me fez lembrar a seguinte passagem do livro Buscando o Equilíbrio – Reflexões sobre a vida, o conhecimento, as relações pessoais e profissionais, de Heródoto Barbeiro e José Renato Sátiro Santiago Jr.
Decidindo como agir
Um colunista, ao acompanhar um amigo a uma banca de jornais, cumprimentou o jornaleiro amavelmente e, como retorno, recebeu um tratamento rude e grosseiro. Ao pegar o jornal que tinha sido atirado em sua direção, o amigo do colunista sorriu polidamente e desejou um bom final de semana ao jornaleiro. Ao descerem juntos a rua, o colunista perguntou ao amigo:
- Ele sempre o trata com tanta grosseria?
- Sim, infelizmente foi sempre assim...
- E você é sempre tão polido e amigável com ele?
- Sim, procuro ser.
- Por que você é tão educado, já que ele é tão grosseiro com você?
- Porque não quero que ele decida como devo agir.
"Se violência gera violência, é possível que gentileza gere gentileza. Será que agindo assim vamos conseguir desarmar a energia negativa e a agressividade que nos cercam?". Com essas palavras Miriam Goldenberg encerra o seu artigo.
Sim, "é possível que gentileza gere gentileza", mas o que a professora do artigo de Miriam e o colunista da passagem do livro de Heródoto e Sátiro fizeram vai muito além de tal possibilidade. Eles fizeram violência gerar gentileza. Por que agiram assim? Porque, por motivos que só eles podem explicar, conseguiram aceitar um ensinamento que, para a imensa maioria, é dificílimo aceitar. Qual é o ensinamento? A imprescindibilidade da troca do "Olho por olho, dente por dente" pelo "Oferecimento da outra face quando alguém nos bater em uma delas", recomendada pelo Cristo. Como conseguiram isso? Entendendo que oferecer a outra face deve ser interpretado como oferecer o oposto do que recebemos, ou seja, agirmos de forma oposta àquela como agiu quem nos maltratou. Afinal, dependendo do referencial adotado, as duas faces do rosto podem ser vistas como situadas em lados opostos em relação a uma linha vertical imaginária que estivesse na direção do nariz, não é mesmo?
Para quem preferir o ensinamento de outro mestre, segue uma afirmação atribuída a Buda: "Jamais, em todo o mundo, o ódio acabou com o ódio; o que acaba com o ódio é o amor." Ódio e amor, mais duas coisas opostas, não é mesmo?! Ou seja, mestres sempre se entendem, e uma coisa que eles fazem é propagar os mesmos ensinamentos, embora com diferentes palavras. Além dos dois citados, existem outros que por este planeta passaram em diferentes épocas e em diferentes lugares. O problema é a nossa insistência em não querer entender nenhum deles. Ô, raça teimosa!
Sim, "é possível que gentileza gere gentileza", mas há outra coisa que a gentileza pode gerar. Qual? Perplexidade. Há uma afirmação de Mark Twain da qual gosto demais e que creio caber muito bem nesta postagem. "Faça sempre o bem. Você agradará a alguns e deixará os outros perplexos", diz ele. Afirmação que, no meu entender, pode ser reescrita assim: "Seja sempre gentil. Você agradará a alguns e deixará os outros perplexos" Sim, "é possível que gentileza gere perplexidade"; e que perplexidade gere vontade de retribuir à gentileza.
Repetindo algo dito acima, o modo de agir da professora e do colunista sugere que, de alguma forma, eles tenham aprendido um ensinamento que, para a imensa maioria, é dificílimo aceitar. E ao falar em dificílimo de aceitar, me vem à mente a afirmação feita pelo protagonista do filme Patch Adams – O amor é contagioso, ao ouvir que o que pretendia fazer era algo muito difícil: "Tudo o que vale a pena fazer é difícil.".
Nossa! Onde é que fui buscar a lembrança de um filme intitulado O amor é contagioso? Para uma postagem intitulada A violência que cerca nossas vidas, chegar a um ponto onde é dito que "o amor é contagioso" creio que seja uma advertência para encerrá-la, evitando assim a ocorrência de um contágio de lembranças que faça com que ela jamais acabe. Até a próxima!

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