terça-feira, 24 de maio de 2016

Reflexões provocadas por "A tênue divisão entre anjo e macaco"

"A grande lição é que a superfície de civilização sobre a qual nos equilibramos é sempre muito fina." (...) "A palavra civilização, num de seus sentidos iniciais, se referia ao processo de animais humanos sendo civilizados – com o que queremos dizer, suponho, atingir um reconhecimento mútuo de dignidade humana, ou pelo menos aceitar em princípio o desejo desse reconhecimento. (...) Lendo Jack London outro dia, passei por uma palavra incomum: 'descivilização'. O processo oposto, ou seja, aquele pelo qual as pessoas param de ser civilizadas e se tornam bárbaras." As palavras acima compõem uma compilação de algumas afirmações de Timothy Garton Ash em seu artigo A tênue divisão entre anjo e macaco.
Lendo a referência a Jack London, lembrei de uma antiga frase que já vi atribuída a vários autores: "O poder não muda as pessoas, apenas revela quem elas são verdadeiramente.". Frase que leva-me a redigir a seguinte: "Situações extremas não descivilizam as pessoas, apenas revelam que elas ainda não são civilizadas.", pois, conforme afirmei cinco postagens atrás, "Nessa ideia de algo ainda não consumado eu incluo coisas como civilização, sociedade, democracia e cidadania.". Coisas que jamais serão consumadas em sua plenitude, pois são construções permanentes que precisam ser aperfeiçoadas per omnia saecula saeculorum.
Afinal, sendo produtos das ações do homem, civilização, sociedade, democracia e cidadania são coisas cuja qualidade será sempre diretamente proporcional a qualidade dos homens que as produzem. No Quem sou eu (onde é apresentado o perfil do autor do blog) coloquei o seguinte conteúdo: "Alguém que acredita que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes". Substitua-se sociedade por civilização, democracia ou cidadania, e eu continuo acreditando. Ou seja, a qualidade de toda e qualquer coisa que se produz será sempre diretamente proporcional a qualidade de quem a produz e dos materiais (em alguns casos, dos ingredientes) usados em sua produção.
Sendo assim, per omnia saecula saeculorum, o homem prosseguirá mudando a qualidade das coisas que produz, dentre elas a da civilização. "A única coisa permanente é o estado de contínua mutação" é uma afirmação atribuída a um filósofo pré-socrático de nome Heráclito que, segundo historiadores, viveu na Grécia, no período compreendido entre os anos 535 a.C e 475 a.C. (aproximadamente). Estado de contínua mutação através do qual algum dia, por mais remoto que seja ele, e por mais incrível que possa nos parecer hoje, a população deste planeta terá, em sua maioria, indivíduos que conseguiram atingir um louvável grau de civilização. Um dia que, para os que acreditam no Sermão da Montanha, poderá ser considerado como o da chegada do tempo em que "os mansos herdarão a Terra". Em outras palavras, o dia em que os civilizados herdarão a Terra.
Sobre o Sermão da Montanha, creio que vale a pena citar aqui o que dele pensava Mahatma Gandhi. E para ajudá-los a dimensionar o valor da opinião de Gandhi, lembro aqui a opinião de Albert Einstein sobre ele, expressa na seguinte frase: "as gerações por vir terão dificuldades em acreditar que um homem como Gandhi realmente existiu e caminhou sobre a Terra". Segundo Gandhi, "se todos os demais livros sagrados da humanidade tivessem sidos perdidos, e restasse apenas o Sermão da Montanha, nada teria sido perdido". Gandhi é um dos homens que conseguiram atingir um elevadíssimo grau de civilização; é um autêntico civilizado.
"A palavra civilização, num de seus sentidos iniciais, se referia ao processo de animais humanos sendo civilizados – com o que queremos dizer, suponho, atingir um reconhecimento mútuo de dignidade humana, ou pelo menos aceitar em princípio o desejo desse reconhecimento.", diz Timothy Garton Ash. E ao dizê-lo me faz lembrar uma célebre afirmação de Alexis Carrel, cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo, que, em 1912, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia e, em 1935, publicou um livro intitulado O Homem, Esse Desconhecido, que foi traduzido e reeditado transformando-se num grande êxito mundial até a década de 1950. Qual é a afirmação? "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem".
Frase que selecionei para ilustrar os blogs em um espaço intitulado "E, para o resto da vida..." porque vejo a ideia de que a civilização tem como finalidade o progresso do homem como algo que devemos ter em mente para o resto da vida, pois só assim conseguiremos fazer a nossa parte na obtenção do referido progresso. Afinal, a qualidade de uma civilização é resultado das ações de todos os seus componentes.
A tênue divisão entre anjo e macaco, eis o título do artigo que provocou esta postagem. Postagem que provocou um comentário recebido por email que começa assim: "Prezado Guedes, O ser humano sempre foi e será um animal.". E-mail que comecei respondendo com os dois seguintes parágrafos.
"Sempre foi e sempre será", "nunca foi e nunca será", são afirmações que vão de encontro às minhas crenças, embora sejam afirmações que vão ao encontro das crenças da maioria.
Entre o complexo ou síndrome de Gabriela - "Eu nasci assim, eu cresci assim, e sou mesmo assim, vou ser sempre assim." e a afirmação "Somos o que somos e ao mesmo tempo o que fazemos para mudar o que somos.", de Eduardo Galeano, fico com Galeano, embora a maioria fique com Gabriela. E o "mudar o que somos", de Eduardo Galeano, eu entendo que seja mudar para melhor, pois, infelizmente, mudar também pode ser para pior.
Resposta na qual deixei de dizer que entre as minhas crenças está incluída a seguinte afirmação de Teilhard de Chardin, também colocada no espaço dos blogs já citado nesta postagem: "Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual; somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.". Crença que leva-me a acreditar na possibilidade do espessamento da "sempre muito fina superfície de civilização sobre a qual nos equilibramos", conforme as palavras de Timothy Garton. Espessamento que nos propicia a possibilidade de passar a agir cada vez menos como macacos e, consequentemente, cada vez mais como anjos.
Durante a elaboração das postagens, não são poucas as vezes que me vem à cabeça algo mais ou menos assim: onde é que eu estou com a cabeça para, em plena era da superficialidade e da distração inconsequente, meter-me a sair por aí tentando espalhar ideias cuja finalidade é provocar as pessoas a refletirem sobre as questões primordiais da vida? Que questões são essas? O que é o homem? De onde ele veio? Para onde ele vai? O que ele veio fazer neste mundo? Mas aí eu penso também: será que, depois que se adquire determinado grau de consciência, faz algum sentido deixar de dedicar-se a fazer tais provocações? E já que falei em provocações, termino esta postagem com uma feita por Abraham Maslow, um dos pais da psicologia humanística.
Os três próximos parágrafos foram extraídos do livro Pedagogia Iniciática – Uma escola de liderança, de Roberto Crema, um autêntico ser humano com quem tive a felicidade de conviver durante seminários que fiz na UNIPAZ – Universidade Internacional da Paz, da qual ele é hoje o Reitor. Os grifos são meus.
"Gosto muito desta provocação, que sempre evoco, do cientista e humanista Abraham Maslow, um dos pais da psicologia humanística: 'Num certo sentido, apenas os santos são a humanidade'. Ou seja, os demais não lograram o desabrochar deste embrião de plenitude encarnado em nós. Se você quiser saber quem são os verdadeiros seres humanos, recomendo que estude as existências de seres humanos plenos, popularmente conhecidos como santos. É preciso estudar seres humanos que deram certo.
O que é um ser humano? Você conhece algum ser humano pleno, inteiro, verdadeiro? Receio dizer que o ser humano pleno, nesse momento, é uma grande utopia. Utopia não no sentido do irrealizável, mas no sentido do irrealizado, do ainda não realizado, daquilo para o qual ainda não há espaço.
O ser humano pleno é uma promessa. Os antigos afirmavam que o ser humano ainda não nasceu; estamos sendo uma possibilidade, um potencial de florescimento. Se nós investirmos, com persistência e disciplina, na dimensão do corpo, da alma e do coração, em algum momento justo do caminho poderemos nos tornar seres humanos plenos."
Seres humanos plenos! Seres humanos civilizados? Creio que sim. Os três parágrafos acima já haviam sido apresentados na postagem A Humana Idade, em 12 de setembro de 2011. Postagem que, segundo minha insuspeita opinião, vale a pena ler ou reler.

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