terça-feira, 31 de maio de 2016

O filósofo e o caldeirão

Que "a vida é uma caixinha de surpresas" é algo que se pode aprender ao ouvir a história de Joseph Climber. Surpresas que podem ser agradáveis ou desagradáveis e que quando agradáveis devem ser espalhadas. Foi o que resolvi fazer ao encontrar na edição de 15 de maio de 2016 do jornal O Globo, uma reportagem intitulada A filosofia de Sandel no caldeirão da ética brasileira, assinada por Chico Otávio.
Tendo algum conhecimento sobre Michael Sandel e sobre a ética (sic) brasileira, foi inevitável interessar-me pelo intrigante titulo. Interesse que aumentou ao ler o subtítulo: Professor de Harvard conhece o 'jeitinho' em debate na TV e dá a receita para o país tirar o melhor proveito ético da crise. Prossegui com a leitura e na primeira frase do segundo parágrafo deparei com uma surpresa. "Michael Sandel gravou para o Caldeirão do Huck na tarde de quinta-feira, no Rio, no mesmo instante em que o presidente interino, Michel Temer, fazia o discurso de posse em Brasília.", eis a frase.
Um filósofo no Caldeirão do Huck! É ou não é uma surpresa?! Li a reportagem até o final e resolvi elaborar a partir dela uma postagem para o blog Lendo e opinando. Uma postagem a ser publicada sem demora devido à última frase nela apresentada: "O Caldeirão com Michael Sandel vai ao ar no dia 4 de junho." Sim, por mais incrível que possa parecer, a intenção é convidar as pessoas a assistirem tal edição do referido programa, pois, no meu entender, assistir Michael Sandel é algo que vale a pena, independentemente do lugar em que ele se apresente.
Neste blog, para não interromper uma sequência em andamento, deixei para este momento uma postagem focalizando a surpreendente ida de Michael Sandel ao Caldeirão. A intenção de espalhar ideias de Sandel já é antiga, mas algo que jamais imaginei é que a primeira postagem envolvendo o famoso filósofo contemporâneo fosse provocada por uma ida dele ao Caldeirão do Huck. Não, não há como negar que "a vida é uma caixinha de surpresas".
Michael Sandel é um filósofo americano, titular do famoso curso "Justiça", da Universidade Harvard, professor de tal Universidade e autor dos livros Justiça – o que é fazer a coisa certa; O que o dinheiro não compra – Os limites morais do mercado; Contra a perfeição – Ética na era da engenharia genética, todos publicados em português. Seguem alguns trechos extraídos da referida reportagem.
Convencido de que as escolhas éticas do dia a dia moldam o caráter dos cidadãos, o filósofo vê nos escândalos recentes que provocaram a mudança de comando no Brasil uma oportunidade de consolidação da democracia:
- Uma das maneiras de se aprofundar a democracia é reduzir o poder corruptor do dinheiro em campanhas políticas por meio de leis mais fortes que regem financiamento de campanha, algo que não conseguimos fazer nos EUA. A outra é incentivar os movimentos da sociedade no sentido de permitir que as pessoas se façam ouvir, dotando os cidadãos de competências que as decisões democráticas exigem.
Sandel também aposta no desenvolvimento de uma nova geração de líderes, "que não estejam contaminados pela associação com os partidos políticos desacreditados", e na busca de uma abordagem mais ética no debate das grandes questões, incluindo os valores. O filósofo defende ainda que a mídia mostre-se mais interessada no diálogo público sobre questões éticas e que o currículo escolar seja transformado para incluir a educação ética e cívica.
"Uma das maneiras de se aprofundar a democracia é reduzir o poder corruptor do dinheiro em campanhas políticas (...), algo que não conseguimos fazer nos EUA.", diz Michael Sandel. E ao falar em "aprofundar a democracia", me faz lembrar uma afirmação que fiz em várias das postagens mais recentes deste blog: "Nessa ideia de algo ainda não consumado eu incluo coisas como civilização, sociedade, democracia e cidadania.". Sim, democracia é algo ainda superficial, e consequentemente ainda não consumado, no mundo em que vivemos. Algo que não se conseguiu aprofundar nem mesmo naquele país que arvora-se em modelo de democracia, e de tudo que se possa imaginar.
Sandel "defende ainda que a mídia mostre-se mais interessada no diálogo público sobre questões éticas e que o currículo escolar seja transformado para incluir a educação ética e cívica.". Realmente, Sandel defende coisas difíceis, hein! Em um mundo onde as instituições escolares foram transformadas em formadoras de mão de obra para um cada vez mais escasso mercado de trabalho, pretender que no currículo escolar seja incluída a educação ética e cívica é algo pelo qual muito terá que se lutar. E esperar que a minoria cada vez menor de bilionários donos das megacorporações que controlam a mídia interesse-se pelo diálogo público sobre questões éticas é algo que jamais caberá na minha imaginação, por mais ingênuo que eu pudesse ser.
Segundo a reportagem, "Ao topar a ida ao Caldeirão, onde repetiu o modelo de palestras levado mundo afora, no qual interage com o público o tempo todo, Sandel disse que o objetivo era debater os aspectos positivos do jeitinho - "criatividade, encontrando um caminho através da burocracia ou ajudando um dos amigos" – e os negativos - "tirar vantagem dos outros ou desrespeitar a lei". Ele percebeu que o brasileiro, em geral, lida com duas éticas: a pública, que não se importa em jogar lixo na rua ou comprar um produto ilegal, e a doméstica, na qual o mesmo cidadão faz questão de manter a casa limpa e reclama quando vê um corrupto exibido na tela da TV."
Sim, "a vida é uma caixinha de surpresas", e no momento em que percebeu que o brasileiro lida com duas éticas, foi para Sandel que a caixinha de surpresas abriu-se. Duas éticas que podem ser sintetizadas em um estúpido lema seguido por uma estupenda quantidade de residentes neste país: "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Sobre o objetivo de Sandel ao participar de palestras nas quais interage com o público o tempo todo, ressalto aqui a menção feita na reportagem sobre a participação de Sandel em um evento realizado na véspera da gravação para o Caldeirão. Em um debate com jovens no Complexo do alemão, promovido pelas ONGs Mapa e Instituto PDR, ele disse não ver problemas em popularizar o ensino da filosofia, pondo a disciplina em contato com as camadas mais populares, como fez na TV.
- Alguns dos meus colegas acadêmicos escrevem sobre filosofia de uma forma altamente abstrata, técnica. Há um papel importante para o trabalho acadêmico especializado deste tipo. Mas eu também acho que é importante conectar a filosofia com o mundo, para nos ajudar a refletir sobre os dilemas éticos que enfrentamos em nossas vidas diárias. Eu acho que há espaço para ambas as abordagens para a filosofia. Para mim, a filosofia não reside nas nuvens, mas na cidade, onde os cidadãos se reúnem.
"Conectar a filosofia com o mundo, para nos ajudar a refletir sobre os dilemas éticos que enfrentamos em nossas vidas diárias. (...) Popularizar o ensino da filosofia, pondo-a em contato com as camadas mais populares, pois para ele a filosofia não reside nas nuvens, mas na cidade, onde os cidadãos se reúnem". Ao ler essas palavras de Sandel, lembrei do seguinte episódio atribuído a Confúcio.
Confúcio certa vez mostrou vontade de entrar em contato com algumas tribos selvagens. E lhe perguntaram:
"- Por que este desejo? Eles são selvagens!"
"- Mas se um tipo de homem mais adiantado não for até eles, como poderão sair do estado de selvagens?"
Guardadas as devidas proporções, o episódio acima leva-me ao seguinte questionamento. Se ninguém se dispuser a ir a ambientes onde a filosofia esteja ausente, como poderão os indivíduos que os frequentam aprender alguma coisa que seja capaz de torná-los aptos para "refletir sobre os dilemas éticos que enfrentam em suas vidas diárias"? Sendo assim, embora creia que não será assistindo regularmente ao Caldeirão que as pessoas tornar-se-ão eticamente melhores, creio, porém, que assistir a essa edição que conta com a presença do famoso filósofo contemporâneo seja uma oportunidade para nelas despertar algum interesse pela filosofia.
A deplorável condição moral em que está imerso este planeta tem tudo a ver com o desprezo que foi dado aos saberes humanísticos e a exagerada importância dada aos conhecimentos profissionalizantes. Saberes humanísticos cuja reabilitação é condição imprescindível para começarmos a mudar, para melhor, a triste condição em que nos encontramos, pois como afirmou Alexis Carrel "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem". É em função desse progresso que aprecio o trabalho de divulgação da filosofia realizado por Michael Sandel. "A humanidade não é ruim está apenas desinformada", diz uma frase usada na propaganda do primeiro filme da série X-MEN. Enxergo a atitude de Sandel como uma contribuição para informá-la sobre algo imprescindível ao progresso pelo qual ela deveria, verdadeiramente, interessar-se, o do homem.
A título de esclarecimento, comunico que esta postagem é muito diferente da publicada no blog Lendo e opinando. Aquela tem inclusive outro título, pois é homônima da reportagem: A filosofia de Sandel no caldeirão da ética brasileira.

Nenhum comentário: