Adiado devido a uma
causa justa – a postagem alusiva ao Dia
Internacional da Mulher -, segue o espalhamento das Reflexões provocadas por "Sem tempo para nada". Gostei
demais do artigo de Márcia Tiburi e os três
próximos parágrafos resultam de uma compilação dos trechos que mais despertaram
minha atenção. Os grifos são meus.
O diagnóstico de que não temos tempo para nada se tornou comum em nossa sociedade hiperprodutiva. (...) Ninguém se diz trabalhador, diz-se "produtivo". Enfeitiçados pela lógica da produção em que estar em ação é a regra, (...) Essa fantasia da ação é produtora da angústia. (...) culpabilizados, endividados, se entregam de corpo e alma à engrenagem capitalista que, da fábrica ao mercado, não nos deixa quietos. É preciso estar distraído para agir conforme as regras do jogo e não em outra direção.
O imperativo do entretenimento que mata o tempo deveria ser contestado, mas ele é um dos elementos mais importantes do ritual religioso do capitalismo. Não ter, ou não gostar de televisões, computadores e outros instrumentos do entretenimento tais como redes sociais que garantem distração é uma espécie de heresia. Ninguém percebe que o jogo do "ter que fazer" é o mesmo do "ter que se distrair" e que ambos compõem um imperativo no quadro de um autoritarismo velado.
Na moral religiosa e capitalista da produtividade não há tempo para o tempo e nos ressentimos disso. Pois o tempo constitui uma das dimensões fundamentais da vida, a ponto de que podemos dizer que se confunde com ela. O tempo é também o que nos faz pensar. Pensar é um ato que depende do tempo que concedemos para a sua realização. Ao mesmo tempo, parar para pensar é criar tempo. O tempo, portanto, tem a dimensão do inútil que a todo momento queremos confrontar com nossa servidão à ação. Quanto menos tempo, menos chance de pensar que perdemos tempo na hiperprodutividade, autoritarismo em escala micrológica experimentada por todos em nossa época, seja como vítimas, seja como algozes.
"O diagnóstico de
que não temos tempo para nada se tornou comum em nossa sociedade
hiperprodutiva. (...) Quanto menos tempo, menos chance de pensar que perdemos
tempo na hiperprodutividade.". As duas frases anteriores são
respectivamente a primeira e a última do artigo de Márcia Tiburi. Ou seja,
Márcia começa e termina seu excelente artigo relacionando tempo e
hiperprodutividade. O prefixo "hiper" tem a ver com o estupendo
desenvolvimento tecnológico dos tempos mais recentes, mas a equivocada forma de
lidar com tempo e produtividade, no meu entender, remonta a um tempo remoto. O
quão remoto eu não sei, mas até 1748 ouso retroagir. Por que esse ano? Porque esse
é o ano em que, embora pouquíssimos saibam, Benjamin Franklin inventou o
aforismo "time is money".
Aforismo que, por cair
no gosto da maioria, ultrapassou a condição de aforismo e tornou-se para ela (a
maioria) um lema de vida. Um lema que leva pessoas a venderem cada vez mais
tempo para consequentemente obterem cada vez mais dinheiro, em uma civilização
onde tudo foi monetarizado. E para quem as pessoas vendem seu tempo? Para qualquer
um que lhes pague para produzirem qualquer coisa, seja lá o que for. Para produzirem
quantidades cada vez maiores, ou seja, com uma produtividade de crescimento
exponencial que busca a produtividade sem limites.
Produtividade de crescimento
exponencial, eis um insano desejo causador de tantos males nesta igualmente
insana civilização (sic). Produtividade sobre a qual Simone Weil (1909 – 1943),
escritora, mística e filósofa francesa que tornou-se operária da Renault para
escrever sobre o cotidiano dentro das fábricas, assim se expressou: "a
produtividade, que parecia beneficiar a todos pelo seu aumento exponencial, na
verdade se convertia, com o tempo, em uma força destruidora da natureza e do
trabalhador." Tendo vivido apenas 34 anos, Simone Weil conseguiu enxergar
o que cada vez mais pessoas não vêem ou, o que é pior, não querem ver, pois corrigindo
aquele antigo, e equivocado, ditado que diz que "É preciso ver para crer.",
a verdade é que "É preciso crer para ver." E ao contrário do que é válido
para a multiplicação, neste caso, a ordem dos fatores altera o produto. E como
altera!
Produtividade crescente
que, segundo o professor de filosofia Matêus Ramos Cardoso, é um dos grandes
males que assolam o nosso ser. O parágrafo abaixo resulta de uma compilação de
trechos de seu extraordinário artigo intitulado A viagem suicida pós-moderna publicado na edição de
novembro de 2014 da revista Filosofia.
Artigo que provocou uma postagem homônima
publicada em 1º de dezembro de 2014. Uma postagem que vale a pena ser lida!
"O modo de vida hodierno é caracterizado pela constante necessidade de produção, que cresce a cada instante. (...) A máxima cartesiana é substituída pela máxima contemporânea: 'Produzo, logo existo!'" (...) É raro o momento em que não temos o que fazer, e quando este momento acontece, não conseguimos desfrutar do ócio, pois a culpa de "não estar produzindo nada", assola nosso ser.
Porém, enquanto, de
alguma forma, a produtividade depender da participação do elemento humano,
creio que a conquista da produtividade sem limites esbarrará em um limite que
considero insuperável: a incapacidade do metabolismo humano resistir a longos
períodos de trabalho sem intervalos que possibilitem a reposição, pelo menos
parcial, de suas forças vitais. As consequências de rejeitar o que acabo de
dizer poderão ser vistas em uma próxima postagem que espalhará um texto intitulado Anfetamina espiritual que
desde a sua publicação na edição de 22 de dezembro de 2013 do jornal O
Estado de S. Paulo aguarda um momento propício para seu espalhamento por
este blog.
É por aceitarem a
existência do limite citado no parágrafo anterior que, embora a contragosto, os
detentores dos meios de produção concedem aos seus trabalhadores, ou melhor,
aos seus "produtivos" períodos regulares de liberação de suas
tarefas. Períodos que precisam ser preenchidos com atividades que impedindo-os de
perceberem sua deplorável condição humana, impeça-os também de refletir sobre
ela e, consequentemente, o que poderia despertar neles a vontade de articularem-se
em prol da busca de uma melhor condição humana. Sendo assim, qual será a melhor
forma de preencher tais períodos? Com entretenimento, ou melhor, com distrações.
Sim, com distrações, pois como diz Márcia Tiburi, "É preciso estar
distraído para agir conforme as regras do jogo e não em outra direção."
Outra direção que possibilite aos "produtivos" sair daquela
condição identificada por Márcia Tiburi: "Ninguém percebe que o jogo do 'ter
que fazer' é o mesmo do 'ter que se distrair' e que ambos compõem um imperativo
no quadro de um autoritarismo velado.". Sim, o jogo do 'ter que fazer' é o
mesmo do 'ter que se distrair' e ambos compõem um imperativo de um
autoritarismo velado. O autoritarismo de tirar dos "produtivos"
qualquer possibilidade de disporem de tempo. Afinal como diz Márcia Tiburi na
última frase de seu artigo, "Quanto menos tempo, menos chance de pensar
que perdemos tempo na hiperprodutividade (...)". Menos chance de
refletirmos sobre nossa resignada "servidão à ação". Ação que, na
maioria das vezes, deveria ser contestada por nós, por interessar apenas aos
que nos pagam por ela e por, até mesmo, prejudicar a maioria; a maioria da qual
nós mesmos fazemos parte. Resumindo: o interesse daqueles que se consideram donos
deste planeta é que todo o nosso tempo seja consumido com ação e que nada sobre
para gastar com reflexão. Compreendido?
"Na moral religiosa e capitalista da
produtividade não há tempo para o tempo e nos ressentimos disso. Pois o tempo constitui uma das dimensões
fundamentais da vida, a ponto de que podemos dizer que se confunde com ela.", diz Márcia
Tiburi no início do último parágrafo de seu excelente artigo. "O tempo se confunde com a vida", digo eu, resumindo a
frase de Márcia. E ao fazer tal resumo lembro um excelente artigo de Luiz
Roberto Londres publicado na edição de 26 de maio de 2003 do Jornal do Brasil com o título "Time is
life".
Artigo que será espalhado por este blog na próxima postagem.
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