Reflexões provocadas por "A mentira que vivemos"

"A vida não é um filme. O roteiro ainda não foi escrito. Nós somos os escritores."

Usadas por Spencer Cathcart para terminar seu extraordinário vídeo, considero as palavras acima bastante adequadas para iniciar estas reflexões. Sim, diferentemente do que, cercando-nos com uma fantasia e dizendo-nos que é a realidade, o pequeno grupo de corporações que possui os meios de comunicação quer nos fazer acreditar, a vida não é um filme do qual somos meros espectadores.

E neste ponto considero conveniente um aviso: os trechos em itálico apresentados acima e todos os demais apresentados nesta postagem foram extraídos do vídeo https://www.youtube.com/watch?v=ipe6CMvW0Dg

Não, sermos meros espectadores é algo que não nos convém, caso ainda nos reste um mínimo de dignidade e de amor próprio que possibilite dispormo-nos a atuar no sentido de mudar para melhor este mundo composto, em sua maioria, por indivíduos que teimosamente insistem em esperar que alguém traga a mudança que lhes interessa, sem nunca pensarem em mudar a si mesmos.

Mudar a si mesmos! Parar de esperar pela mudança, e ser a mudança que se quer ver! Seja a mudança que você quer ver no mundo, disse Gandhi no século passado; repetiu Spencer Cathcart em seu vídeo; destaquei eu nesta postagem. Seja a mudança que você quer ver, pois esperar que ela venha dos políticos, como diz Cathcart, é ilusão. E é por estarmos iludidos que não percebemos que os políticos não nos servem; que eles servem àqueles que os financiam no poder. "Viva a Des-ilusão", diz o título das três postagens que antecederam "A mentira que vivemos".

Iludida e / ou vivendo uma mentira! Que coisa, hein! Em que triste condição encontra-se a dita espécie inteligente do universo! Uma espécie composta de seres inteligentes o suficiente para fazerem o seu trabalho, mas não para questionar porque o fazem. Então eles trabalham, e o trabalho os deixa sem tempo para viver a vida para a qual trabalham. Trabalham em troca de dinheiro. Dinheiro que é simplesmente a ferramenta usada para os controlar. Pedaços de papel sem valor de que dependem para se alimentar, se mover, se entreter.

Pedaços de papel de que dependem para se entreter! Entretenimento! Eis outra forma de os controlar. Uma forma de os controlar, por ser algo que os impede de pensar. "A diversão é uma droga, ela nos livra de pensar", eis uma frase dita por Márcia Tiburi em uma palestra com a qual concordo plenamente. Uma frase que, ao classificar a diversão como uma droga, me faz lembrar a seguinte passagem do livro When Society Becomes an Addict, de Anne Wilson Schaef. Os grifos são meus.

"O elemento mais bem-ajustado da nossa sociedade é a pessoa que não está morta nem viva, apenas entorpecida, enfim um morto-vivo, um zumbi. Quando morta, ela não é capaz de fazer o trabalho da sociedade. Quando plenamente viva, está sempre dizendo "Não" a muitos dos processos da sociedade, ao racismo, à poluição ambiental, à ameaça nuclear, à corrida armamentista, recusando-se a beber água contaminada e a comer alimentos cancerígenos. Por isso, a sociedade tem o maior interesse em estimular aquelas coisas que tiram o nosso vigor, que nos mantêm ocupados com nossos dilemas e nos conservam ligeiramente entorpecidos e semelhantes a zumbis. Desse modo, nossa moderna sociedade de consumo funciona, ela própria, como um viciado."

Manter as pessoas entorpecidas de modo a não torná-las incapazes de fazer o trabalho da sociedade, mas deixando-as em uma condição na qual sua participação na sociedade ocorra da forma que convêm àquelas corporações que, em função de seus tamanhos tamanho cada vez maiores, acabam tornando-se as definidoras do rumo desta insana civilização (sic). E de Anne Wilson Schaef eu retorno à Márcia Tiburi para estabelecer uma ligação entre o que é dito no parágrafo acima e um trecho de um artigo de Márcia publicado na edição de abril de 2015 da revista Cult. Artigo que será espalhado na íntegra na próxima postagem.

"É preciso estar distraído para agir conforme as regras do jogo e não em outra direção. (...) a distração precisa estar garantida. O imperativo do entretenimento que mata o tempo deveria ser contestado, mas ele é um dos elementos mais importantes do ritual religioso do capitalismo. Não ter, ou não gostar de televisões, computadores e outros instrumentos do entretenimento tais como redes sociais que garantem distração é uma espécie de heresia. Ninguém percebe que o jogo do 'ter que fazer' é o mesmo do 'ter que se distrair' e que ambos compõem um imperativo no quadro de um autoritarismo velado."

"Entorpecido para continuar sendo capaz de fazer o trabalho da sociedade", diz Anne Wilson Schaef. "Estar distraído para agir conforme as regras do jogo e não em outra direção", diz Márcia Tiburi. Vocês enxergam alguma relação entre as duas afirmações? No meu entender, elas têm tudo a ver.

Gostei demais do vídeo de Spencer Cathcart e achei maravilhosa a forma como ele o encerra. Após apontar uma série de coisas deploráveis que fazem parte da mentira que vivemos, o vídeo é encerrado de uma forma que eu classifico como esperançosa. Por quê? Porque, assim como eu, Cathcart também entende que o futuro é consequência do modo como cada um de nós comportar-se-á de hoje em diante.

Interessante também é que ele chega a dizer que muitas vezes quisera ter vivido em uma época anterior aos computadores, mas que percebe que há uma razão pela qual esta é a única vez que ele quer estar vivo. Gostei demais da forma como ele entende sua presença nesta dimensão deste planeta, neste momento. E para terminar esta postagem, segue uma compilação dos parágrafos finais de seu extraordinário vídeo. Os grifos são meus.

"Muitas vezes eu queria viver em uma época antes dos computadores, quando não tínhamos telas para nos distrair. Mas eu percebo que há uma razão pela qual esta é a única vez que eu quero estar vivo. Porque aqui, hoje, temos uma oportunidade que nunca tivemos antes. A internet nos dá o poder de compartilhar uma mensagem e unir milhões ao redor do mundo. Enquanto ainda podemos, devemos usar nossas telas para nos reunir, ao invés de nos afastar.

Não se trata de salvar o planeta. O planeta estará aqui quer estejamos ou não. A Terra já existe a bilhões de anos, cada um de nós será sortudo se durar oitenta. Somos um flash no tempo, mas o nosso impacto é para sempre.

Para melhor ou pior, nossa geração irá determinar o futuro da vida neste planeta. Podemos, ou continuar a servir a este sistema de destruição até que nenhuma memória de nossa existência permaneça. Ou podemos acordar.

Somos os rostos de todos os que vieram antes de nós. E agora é a nossa vez. Você pode escolher esculpir o seu próprio caminho ou seguir a estrada que inúmeros outros já seguiram.

A vida não é um filme. O roteiro ainda não foi escrito. Nós somos os escritores.

Esta é a sua história, a história deles, nossa história.

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Podemos, ou continuar a servir a este sistema de destruição. Ou podemos acordar. Podemos, ou continuar vivendo a mentira. Ou podemos despertar para a verdade. Acordar, despertar para a verdade...e poder encontrar algum tempo para realizar algo que faça sentido neste insano mundo onde a maioria de seus integrantes passa por essa coisa por eles denominada vida, "sem tempo para nada".