terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Viva a Des-ilusão (I)

Esta postagem apresenta a primeira de duas partes nas quais dividi o capítulo homônimo encontrado no livro Setas no caminho de volta, uma coletânea de artigos do Professor Hermógenes, publicado no ano 2000. Para quem não conhece José Hermógenes (1921 – 2015), segue o que é dito na segunda "orelha" do livro. "Potiguar de nascimento, José Hermógenes, conhecido pelo público como Professor Hermógenes, foi um dos pioneiros a divulgar no Brasil a medicina holística, adotando um estilo de vida mais saudável, o yoga, a meditação, a alimentação balanceada, as orações e as técnicas simples de massagem e relaxamento."
Viva a Des-ilusão
Se eu tivesse de fundar uma nova religião, lhe daria o nome de "desilusionismo". (Hermógenes)
Vacina Contra Desilusão
Há sempre a possibilidade de sermos desiludidos, seja por uma pessoa que entendíamos ser da nossa confiança, seja por alguém que tínhamos por amigo fiel, seja pela doutrina que sempre acreditamos ser a única verdadeira, por um mentor ou sacerdote que reverenciávamos como se fosse um santo, seja por alguém a quem excessiva e imprudentemente amávamos, convencidos de seu amor, de sua fidelidade, de sua honradez, de sua perfeição...
Em casos tais, o normal é sofrer e sofrer muito; revoltar-se e se deprimir. Isto é normal. Mas não devemos permitir que nos estresse, deprima, revolte, nos enraiveça... Onde nos abrigar contra as desilusões? Elas são inevitáveis. Nosso abrigo está em subirmos para um nível mais alto de compreensão em que a perturbação não nos alcance.
Só se desilude quem antes se deixou iludir. Claríssimo, não é? Comece, portanto, por evitar se render aos encantos, aos sortilégios, de alguém ou de algo, principalmente de você mesmo. Psicólogos observaram que no âmago do ego, silenciosamente, inconscientemente, se esconde um maroto e sutil "me engana que eu gosto". E é assim que somos vitimados pelo engodo mágico das aparências. Não somente o das aparências sedutoras, mas também o das feiosas.
O "não se deixar iludir", que estou sugerindo – bem sei – é tão difícil quanto ver somente o branco do tubo de imagem da TV (TVs não foram sempre como são hoje), quando está transmitindo um programa interessante. Ora, se fosse fácil, sofreríamos bem menos, seria um definitivo adeus à multifária gama de quimeras, fantasias, apegos, ansiedades, angústias, repugnâncias, temores, tristezas, servidões, dependências, incertezas... É dificílimo não se iludir. Mas impossível não é.
Discernimento
Aprimorar o discernimento é uma das maiores conquistas que precisamos e podemos realizar. Parar de tomar o temporário como eterno, o aparente como realidade, o embuste como verdade, o cambiante por imutável, o falso por verdadeiro, o acidental por essencial, o impróprio por conveniente, o mal pelo bem, o mau pelo bom é a melhor defesa contra amargor, irritação, tristeza, abatimento, revolta, raiva...
Da mesma forma que prevenir doenças é melhor que remediá-las, evitar iludir-se é preferível a des-iludir-se depois. Essa é a razão por que os sábios tanto exercitam e exercem o discernimento. Cultivar discernimento, no entanto, não nos deve tornar agnósticos, pedantes, inflados de suspeitas e preconceitos, erradios, com medo de gente, temerosos de tomar decisões... Não é admissível este viver sempre "de pé atrás." Ser cauteloso e prudente é muito diferente de ser indeciso ou estagnado pelo medo de errar.
Desilusão não deveria machucar
Lamentavelmente, em geral, as ilusões são mais sedutoras que a libertadora capacidade de as desfazer. Nunca fui procurado por alguém se sentindo feliz por ter se des-iludido em relação a qualquer coisa. Ao contrário, eles chegam invariavelmente amargurados por terem descoberto que o Fulano, ou a ideologia, ou o contrato, ou o antigo credo, ou o sócio... haviam traído sua boa-fé. Tais pessoas se espantam quando sugiro que festejem a des-ilusão.
Por que, quando, por exemplo, morre um ser amado, o normal é o desespero e a depressão? Só pode ser porque o ser amado, que era mortal, imprudentemente era visto como imortal. Pelo mesmo auto-engodo, entra em parafuso o indivíduo sem discernimento que confia na perenidade de suas tão idolatradas propriedades. Por que tantos matam e se matam à caça de dinheiro? Porque se iludem, vendo o dinheiro como o fim maior de suas vidas, quando não é. O dinheiro não passa de um meio.
Enquanto a ilusão nos retém num ponto qualquer do caminho, a des-ilusão vem nos desencalhar, e só desencalhados conseguimos avançar. Então por que lamentar? Não é melhor festejar o desencalhe?
Se nos deixamos iludir, o que nos resta é procurar identificar por que e como aconteceu. Nada a lamentar. Nada de amaldiçoar aquele que não correspondeu à nossa confiança. E está na hora de reafirmar que perdoar é fantasticamente bom. Às vezes, o que chamamos traição acontece porque estivemos, lamentavelmente, esperando colher flores de uma planta brava que só tinha espinhos para dar. A culpa é da planta ou nossa? Temos sempre o que aprender da experiência desagradável. E sempre temos de festejar a des-ilusão. Isso nos ajuda a continuar caminhando no rumo da Verdade que liberta.
A sabedoria pertence aos cabelos brancos.1
Aquele que ama a sabedoria ama a vida.2
Quem se apega a sabedoria é um homem feliz.3
1Jo 12:12.
2Ecl 4:13.
3Prov 3:18.
Continua na próxima terça-feira

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