Esta postagem
apresenta a primeira de duas partes nas quais dividi o capítulo homônimo
encontrado no livro Setas no caminho de
volta, uma coletânea de artigos do Professor Hermógenes, publicado no ano 2000. Para quem não
conhece José Hermógenes (1921 – 2015), segue o que é dito na segunda "orelha"
do livro. "Potiguar de nascimento, José Hermógenes, conhecido pelo público
como Professor Hermógenes, foi um dos pioneiros a divulgar no Brasil a medicina
holística, adotando um estilo de vida mais saudável, o yoga, a meditação, a alimentação
balanceada, as orações e as técnicas simples de massagem e relaxamento."
Viva a Des-ilusão
Se eu tivesse
de fundar uma nova religião, lhe daria o nome de "desilusionismo". (Hermógenes)
Vacina Contra Desilusão
Há sempre a possibilidade de sermos desiludidos,
seja por uma pessoa que entendíamos ser da nossa confiança, seja por alguém que
tínhamos por amigo fiel, seja pela doutrina que sempre acreditamos ser a única
verdadeira, por um mentor ou sacerdote que reverenciávamos como se fosse um
santo, seja por alguém a quem excessiva e imprudentemente amávamos, convencidos
de seu amor, de sua fidelidade, de sua honradez, de sua perfeição...
Em casos tais, o normal é sofrer e sofrer
muito; revoltar-se e se deprimir. Isto é normal. Mas não devemos permitir que
nos estresse, deprima, revolte, nos enraiveça... Onde nos abrigar contra as
desilusões? Elas são inevitáveis. Nosso abrigo está em subirmos para um nível
mais alto de compreensão em que a perturbação não nos alcance.
Só se desilude quem antes se deixou iludir.
Claríssimo, não é? Comece, portanto, por evitar se render aos encantos, aos
sortilégios, de alguém ou de algo, principalmente de você mesmo. Psicólogos
observaram que no âmago do ego, silenciosamente, inconscientemente, se esconde
um maroto e sutil "me engana que eu
gosto". E é assim que somos vitimados pelo engodo mágico das
aparências. Não somente o das aparências sedutoras, mas também o das feiosas.
O "não se deixar iludir", que estou
sugerindo – bem sei – é tão difícil quanto ver somente o branco do tubo de
imagem da TV (TVs não foram sempre como
são hoje), quando está transmitindo um programa interessante. Ora, se fosse
fácil, sofreríamos bem menos, seria um definitivo adeus à multifária gama de
quimeras, fantasias, apegos, ansiedades, angústias, repugnâncias, temores,
tristezas, servidões, dependências, incertezas... É dificílimo não se iludir.
Mas impossível não é.
Discernimento
Aprimorar o discernimento é uma das maiores
conquistas que precisamos e podemos realizar. Parar de tomar o temporário como
eterno, o aparente como realidade, o embuste como verdade, o cambiante por
imutável, o falso por verdadeiro, o acidental por essencial, o impróprio por
conveniente, o mal pelo bem, o mau pelo bom é a melhor defesa contra amargor,
irritação, tristeza, abatimento, revolta, raiva...
Da mesma forma que prevenir doenças é melhor
que remediá-las, evitar iludir-se é preferível a des-iludir-se depois. Essa é a razão por que os sábios tanto
exercitam e exercem o discernimento. Cultivar discernimento, no entanto, não
nos deve tornar agnósticos, pedantes, inflados de suspeitas e preconceitos, erradios,
com medo de gente, temerosos de tomar decisões... Não é admissível este viver
sempre "de pé atrás." Ser cauteloso e prudente é muito diferente de
ser indeciso ou estagnado pelo medo de errar.
Desilusão não deveria machucar
Lamentavelmente, em geral, as ilusões são mais
sedutoras que a libertadora capacidade de as desfazer. Nunca fui procurado por
alguém se sentindo feliz por ter se des-iludido
em relação a qualquer coisa. Ao contrário, eles chegam invariavelmente
amargurados por terem descoberto que o Fulano, ou a ideologia, ou o contrato,
ou o antigo credo, ou o sócio... haviam traído sua boa-fé. Tais pessoas se
espantam quando sugiro que festejem a des-ilusão.
Por que, quando, por exemplo, morre um ser
amado, o normal é o desespero e a depressão? Só pode ser porque o ser amado,
que era mortal, imprudentemente era visto como imortal. Pelo mesmo auto-engodo,
entra em parafuso o indivíduo sem discernimento que confia na perenidade de
suas tão idolatradas propriedades. Por que tantos matam e se matam à caça de
dinheiro? Porque se iludem, vendo o dinheiro como o fim maior de suas vidas,
quando não é. O dinheiro não passa de um meio.
Enquanto a ilusão nos retém num ponto qualquer
do caminho, a des-ilusão vem nos
desencalhar, e só desencalhados conseguimos avançar. Então por que lamentar?
Não é melhor festejar o desencalhe?
Se nos deixamos iludir, o que nos resta é
procurar identificar por que e como aconteceu. Nada a lamentar. Nada de
amaldiçoar aquele que não correspondeu à nossa confiança. E está na hora de
reafirmar que perdoar é fantasticamente bom. Às vezes, o que chamamos traição
acontece porque estivemos, lamentavelmente, esperando colher flores de uma
planta brava que só tinha espinhos para dar. A culpa é da planta ou nossa?
Temos sempre o que aprender da experiência desagradável. E sempre temos de
festejar a des-ilusão. Isso nos ajuda
a continuar caminhando no rumo da Verdade que liberta.
A sabedoria pertence aos cabelos brancos.1Aquele que ama a sabedoria ama a vida.2Quem se apega a sabedoria é um homem feliz.3
1Jo 12:12.
2Ecl 4:13.
3Prov 3:18.
Continua na próxima terça-feira
Nenhum comentário:
Postar um comentário