Muito antes do que eu
poderia imaginar, este blog volta a espalhar um artigo de Marcelo Gleiser. Publicado
na edição de 30 de junho de 2015 do jornal Folha de S.Paulo, ele é
intitulado Em 'Jurassic World',
o homem continua na época da caverna, foi mencionado na postagem anterior e
nesta é apresentado na íntegra. O anterior intitulado
'Unity', de Shaun Monson, mostra a interdependência das formas de vida foi espalhado há um mês.
Em 'Jurassic World', homem continua na época da caverna
Sequência de saga exibe civilização que não evoluiu na questão moral
Os dinossauros voltaram às telas com enorme
estardalhaço, graças à reedição da série "Jurassic Park", agora como "Jurassic
World – O Mundo dos Dinossauros", produzido por Steven Spielberg. Obviamente,
o fascínio com dinossauros assassinos continua: no primeiro fim de semana de
exibição, o filme se tornou a maior bilheteria de abertura do mercado
americano, faturando US$ 207,4 milhões.
A ideia é a mesma: um parque isolado – misto
de Disney World e Sea World – onde pessoas têm contato direto com animais
extintos há mais de 65 milhões de anos. Cientistas recriam o passado da vida na
Terra usando mosquitos preservados por todo esse tempo em pedaços de âmbar. São
mosquitos especiais, que sugaram o sangue dos monstros – como perfuraram as
carapaças não é explicado. Os genes das criaturas, ainda usáveis em parte, são
extraídos do sangue e complementados para recriar os sauros.
Passados 22 anos desde o primeiro filme, a
grande novidade é que o parque não se restringe a recriar seres extintos: para
o lucro crescer, o fator medo tem que crescer. Para tal, o dono do lugar, um
bilionário indiano, contrata um geneticista genial chinês; já aqui vemos o
sinal dos nossos tempos. Sem questionar consequências morais de seus atos, o cientista
cria um mutante, um monstro assassino que combina o poder do T.rex com a
inteligência do Velociraptor.
A lição mais direta do filme é que não
aprendemos com o passado. O homem continua agindo moralmente como quando nas
cavernas, com o agravante de termos uma crescente capacidade tecnológica.
Existe um paralelo entre os abusos da genética
no filme e a invenção da bomba atômica em 1945 e sua extensão à bomba de
hidrogênio em 1952. Alguns cientistas envolvidos no Projeto Manhattan, que
inventou a ogiva atômica, questionaram a moralidade de se criar uma arma com
tal poder destruidor – e, mais ainda, seu uso sobre uma população civil.
As bombas que destruíram Hiroshima e Nagasaki
provaram a viabilidade da tecnologia e encerraram a guerra no Pacífico. Mas,
com a Guerra Fria, seu poder não era suficiente. Daí a invenção da bomba de
hidrogênio. E daí a criação do dinossauro mutante, um Godzilla que não nasceu
por acidente, mas que foi desenhado, como já estão sendo outras criaturas.
Onde, nos pergunta o filme, encontrar o
equilíbrio entre os apetites do consumidor, o lucro do investimento e o perigo
de criarmos algo que não podemos controlar?
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Mais um artigo de Marcelo Gleiser focalizando
um filme de onde podem ser tiradas lições valiosas para a autodenominada espécie
inteligente do universo. "Para o lucro crescer, o fator medo tem que
crescer", afirma Gleiser em uma alusão ao lucro do produtor e dos patrocinadores
de um filme recente comparado com o de outro de tema semelhante lançado há 22
anos. Mas será que a veracidade de tal afirmação restringe-se à referida
comparação? Não, em um mundo que cultua o lucro material como valor supremo e no
qual os mais fortes dominam os mais fracos pela imposição dos mais variados
tipos de medo, parece-me óbvio que a afirmação de Gleiser seja aplicável a quase
tudo que nele se faz.
E para fazer o medo e consequentemente o lucro
crescerem, contratado por um bilionário indiano, um geneticista genial chinês,
sem questionar consequências morais de seus atos, cria um monstro assassino que
combina o poder do mais poderoso com a inteligência do mais inteligente dentre
os integrantes da família dos dinossauros. E já que estamos falando sobre um
filme, lembro aqui uma afirmação de Marcelo Coelho, em um artigo intitulado O lado humano, publicado na edição de 1º
de fevereiro de 2012 do jornal Folha de
S.Paulo: "O sujeito pode ser um policial assassino, um psiquiatra
corrupto, um jogador de pôquer especializado em maltratar velhinhas. O que
importa é que ele seja o mais esperto dos policiais, o mais brilhante dos
psiquiatras, o melhor jogador de pôquer do Oeste – basta isso para o filme nos
conquistar.".
Sim, como diz Marcelo Gleiser, eis o sinal dos
nossos tempos. O fascínio por poder e inteligência mesmo que (ou talvez
principalmente se) usados a serviço do mal e o desinteresse pelas consequências
morais de seus atos podem (nesta época em que vivemos) ser merecidamente incluídos
entre os causadores dos piores males que assolam esta civilização (sic) na qual
sobrevivemos.
"A lição mais direta do filme é que não
aprendemos com o passado. O homem continua agindo moralmente como quando nas
cavernas, com o agravante de termos uma crescente capacidade
tecnológica.", afirma Marcelo Gleiser me fazendo lembrar algo que li em um
livro intitulado O Ato da Vontade, de Roberto Assagioli (1888–1974), um
psiquiatra italiano, pioneiro nos campos de psicologia humanística e
transpessoal e criador da Psicossíntese.
"Se um homem de uma civilização anterior à nossa – um grego da Antiguidade, digamos, ou um romano – aparecesse de súbito entre os seres humanos do presente, suas primeiras impressões o levariam a considerá-los uma raça de mágicos, de semideuses. Mas fosse um Platão ou um Marco Aurélio e se recusasse a ficar deslumbrado ante as maravilhas materiais criadas pela tecnologia avançada e examinasse a condição humana com mais cuidado, suas primeiras impressões dariam lugar a uma grande consternação.Notaria logo que o homem, não obstante o imponente grau de domínio sobre a natureza, possui um controle muito limitado sobre o seu interior. (...) Verificaria que esse pretenso semideus que controla grandes forças elétricas com o mover de um dedo e inunda o ar de sons e imagens para divertimento de milhões de pessoas – é incapaz de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos."
Incapacidade que, no meu entender, está na
origem do equivocado comportamento citado por Marcelo Gleiser: "O homem continua
agindo moralmente como quando nas cavernas, com o agravante de termos uma
crescente capacidade tecnológica". O tempo passa, uma crescente capacidade
tecnológica fascina, de forma também crescente, a maioria dos seres desta
civilização, mas para a minoria formada pelos seres conscientes (tanto de
civilizações anteriores que de súbito por aqui aparecessem quanto desta) o que
chamaria e chama atenção não é o estupendo desenvolvimento tecnológico atingido,
e sim a estúpida persistência do homem em não interessar-se por outro
desenvolvimento: o moral. Desenvolvimento que lhe é imprescindível para usar com
sabedoria o tecnológico e dele tirar o melhor proveito.
"Onde encontrar o equilíbrio entre os
apetites do consumidor, o lucro do investimento e o perigo de criarmos algo que
não podemos controlar?", é a pergunta que encerra o artigo de Marcelo
Gleiser. E ao falar em "perigo de criarmos algo que não podemos controlar",
ele me faz lembrar uma frase de uma bela canção da Legião Urbana: "Nos perderemos
entre monstros da nossa própria criação". O nome da canção? Será. Será que já deveríamos ter
começado a nos interessar pela pergunta que encerra o instigante artigo de Gleiser?
Para ajudá-los a responder este será,
seguem alguns trechos da referida canção. Será
só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão? Será
que vamos conseguir vencer? Vencer o nosso fascínio por poder e
inteligência e começar a nos interessarmos pela nossa evolução moral.
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