quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Reflexões provocadas por "Onde perdi meu idealismo?"

Intitulado "Onde perdi meu idealismo?", ou seja, apresentando um título no singular, o capítulo do livro de Joan Chittister (espalhado nas duas postagens anteriores) usa um caso de perda de idealismo para chamar atenção para a pluralidade desse tipo de perda. Infelizmente, perder o idealismo é algo a que sucumbe a maioria da dita espécie inteligente do Universo. Será que faz sentido discordar das seguintes palavras de Joan Chittister?
"A maioria de nós refreia as esperanças e as garantias ao longo do caminho. Quaisquer que sejam nossas primeiras paixões, no fim das contas nos tornamos 'razoáveis'. Ou, se não razoáveis, definitivamente resignados com a vida 'do jeito que ela é'. Nós simplesmente nos rendemos. No fim, descobrimos que aquilo que nos fez gastar tanta energia quando jovens simplesmente não vai acontecer. Às vezes, chegamos mesmo a duvidar de que deveria."
(...) "Todos nós consideramos fácil fugir do ideal para o aceitável. É tão mais seguro, mais confortável, saber que cumprimos as regras, (...), que andamos nos caminhos das graças do mundo social, do que nos arriscar nas armadilhas do profeta. (...) Começamos a fazer o que é seguro em vez de fazer o que é sagrado. Começamos a defender o que é aceitável em vez de insistir no que é necessário."
"Começar a defender o que é aceitável em vez de insistir no que é necessário.". Defender o que é aceitável em uma sociedade insana em vez de insistir no que é necessário para curá-la de sua insanidade. Eis o que deixou Joan Chittister surpresa ao reencontrar Dan (o protagonista do caso de perda de idealismo por ela narrado), após alguns anos sem ter dele qualquer notícia, e tomar conhecimento das atividades com que ele passara a envolver-se. Surpresa que a levou a fazer o seguinte comentário.
"Estou certa de que Dan está até mesmo fazendo o bem. Se está fazendo ou não o que precisa ser feito, dizendo o que precisa ser dito, perguntando o que precisa ser perguntado, é outra questão. Essas coisas exigem coragem. Essas coisas exigem um enorme esforço espiritual. Essas coisas exigem imensa resiliência. Continuar dizendo "Por que não?" diante de um mundo que só diz "Porque" – porque sempre foi assim, porque é desse jeito que as coisas são, porque custaria muito dinheiro para fazer diferente, porque eu mandei – é exaustivo. Pode ser até mesmo enlouquecedor. Pode ser desanimador, certamente. Mas nunca pode ser inútil."
Sim, continuar questionando "Por que não?" acreditar que seja possível construir um mundo diferente desse que aí está "Porque sempre foi assim, porque é desse jeito que as coisas são, pode ser desanimador, certamente, mas nunca pode ser inútil". Sim, acreditar que seja possível fazer diferente e assim criar uma "versão" melhor do mundo em que vivemos jamais será inútil e acreditar no contrário é, simplesmente, fazer o jogo da minoria que se beneficia com a "versão" atual. Afinal, se, como diz Joan Chittister, "O idealismo, o espírito que leva uma pessoa a acreditar que o mundo pode ser melhor, que as coisas podem mudar, que um tempo novo há de vir, é hidropônico. Não cresce naturalmente sem ajuda", qualquer ajuda que a ele (o idealismo) se dê jamais pode ser inútil.
"Onde perdemos nosso idealismo?", eis a primeira de duas perguntas feitas no último parágrafo do texto de Joan Chittister. Pergunta que ela mesma responde assim: "Em nossa fome de aprovação". (...) "perdemos um pedaço do nosso idealismo a cada vez que escolhemos seguir as regras de uma sociedade em vez de seus ideais. Toda vez que buscamos aprovação no lugar do entendimento, no lugar da possibilidade, interrompemos outra parte da nossa alma."
Aprovação que, sob o pretexto de ser necessária a nossa própria sobrevivência, leva-nos a fazer coisas questionáveis por alguém que seja mais consciente. E ao dizer isto eu lembro de uma antiga charge de Millôr Fernandes. Uma charge onde é apresentado o curtíssimo diálogo reproduzido a seguir. Em uma mesa de bar um indivíduo diz a outro: "As vezes para sobreviver precisamos fazer certas coisas". Ao que o outro responde: "Mas depois de fazer certas coisas pra que sobreviver?". A charge de Millôr Fernandes pode até parecer contundente, mas será que vender nosso idealismo não está entre as "certas coisas" citadas na charge?
E após responder "Onde perdemos nosso idealismo?", Joan Chittister faz a segunda pergunta do último parágrafo de seu excelente texto: "Como podemos reavivá-lo?". Pergunta que ela responde assim: "Recusando-nos a ignorar os gritos das pessoas por causa do sistema, recusando-nos sempre a ficar calado.".
"Recusando-nos a ignorar os gritos das pessoas por causa do sistema."! De um sistema engendrado por uma dita espécie inteligente do Universo que diante de dois "co"s - competição e cooperação - optou pelo "co" equivocado, pelo "co" excludente, pela competição. Competição a cada dia mais desumana e, o que é pior, mais aceita como algo natural e inevitável. Competição que levou Terry Orlick a afirmar que "A competitividade humana simplesmente não é necessária para a sobrevivência do homem; no máximo, é uma ameaça a ela.". E ao considerar como ameaça a sobrevivência do homem algo que ao qual ele (o homem) já se rendeu por considerar inevitável, Terry Orlick me faz lembrar uma famosa afirmação de Albert Einstein da qual eu acho muito difícil discordar: "Existem apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao Universo".
Afinal, se "O idealismo, o espírito que leva uma pessoa a acreditar que o mundo pode ser melhor, que as coisas podem mudar, que um tempo novo há de vir, é hidropônico. Não cresce naturalmente sem ajuda", será que faz algum sentido acreditar ser possível construir um mundo melhor sem a cooperação de todos que o compõem? Sem a participação de um terceiro "co" - os cocriadores? Não, pra mim, isso não faz sentido. E tanto não faz que no Quem sou eu (onde é apresentado o perfil do autor do blog) coloquei o seguinte conteúdo: "Alguém que acredita que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes", ou seja, em uma sociedade todos são cocriadores de sua qualidade. Qualidade que resulta da escolha entre os dois outros "co"s - competição ou cooperação.
"Perdemos um pedaço do nosso idealismo a cada vez que escolhemos seguir as regras de uma sociedade em vez de seus ideais.", afirma Joan Chittister. Em outras palavras: Perdemos um pedaço do nosso idealismo a cada vez que escolhemos seguir a competição (uma das regras desta sociedade) em vez da cooperação (um de seus ideais). Competição ou cooperação, eis a questão! Questão que será focalizada na próxima postagem.

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