Competição ou
cooperação, eis a questão apresentada no final da postagem anterior com
a promessa de ser focalizada nesta. Promessa cumprida com o espalhamento de um
excelente texto de Leonardo Boff intitulado "Competição ou cooperação?"
publicado no extinto Jornal do Brasil "on paper". A
data de publicação é revelada no final da postagem.
Competição ou cooperação?
Há um fato que faz
pensar: a crescente violência em todos os âmbitos do mundo e da sociedade. Mas
há um que é perturbador: a exaltação aberta da violência, não poupando sequer o
universo do entretenimento infantil. Chegamos a um ponto culminante com a
construção do princípio da autodestruição. Por que chegamos a isso? Seguramente
são múltiplas as causalidades estruturais e não podemos ser simplistas nesse campo.
Mas há uma estrutura, erigida em princípio, que explica em grande parte a
atmosfera geral de violência: a competitividade ou a concorrência sem limites.
Ela vigora
primariamente no campo da economia capitalista de mercado. Comparece como o
motor secreto de todo o sistema de produção e consumo. Quem for mais apto
(forte) na concorrência quanto aos preços, às facilidades de pagamento, à
variedade e à qualidade, esse vence. A competitividade opera implacável
darwinismo social: seleciona os mais fortes. Estes, diz-se, merecem sobreviver,
pois dinamizam a economia. Os mais fracos são peso morto, por isso são
incorporados ou eliminados. Essa é a lógica feroz.
Os mais fracos são peso morto; é a lógica feroz
A competitividade
invadiu praticamente todos os espaços: as nações, as regiões, as escolas, os
esportes, as igrejas e as famílias. Para ser eficaz, a competitividade deve ser
agressiva. Quem consegue atrair mais e dar mais vantagens? Não é de admirar que
tudo passe a ser oportunidade de ganho e se transforme em mercadoria, do
eletrodoméstico à religião. Os espaços pessoais e sociais que têm valor, mas
que não têm preço, como a gratuidade, a cooperação, a amizade, o amor, a
compaixão e a devoção, ficam cada vez mais acantonados. Mas esses são os
lugares onde respiramos humanamente, longe do jogo dos interesses. Seu
enfraquecimento nos faz anêmicos e nos desumaniza.
Na medida em que
prevalece sobre outros valores, a competitividade provoca mais e mais tensões,
conflitos e violências. Ninguém aceita perder nem ser engolido pelo outro. Luta
defendendo-se e atacando. Ocorre que após a derrocada do socialismo real, com a
homogeneização do espaço econômico de cunho capitalista, acompanhada pela
cultura política neoliberal, privatista e individualista, os dinamismos da
concorrência foram levados ao extremo. Em consequência os conflitos
recrudesceram e a vontade de fazer guerra não foi refreada. A potência
hegemônica, os Estados Unidos, é campeã em competitividade, usando todos os
meios, inclusive armas, para sempre triunfar sobre os outros.
Como romper essa
lógica férrea? Resgatando e dando centralidade àquilo que outrora nos fez dar o
salto da animalidade à humanidade. O que nos fez deixar para trás a animalidade
foi o princípio da cooperação e de cuidado. Nossos ancestrais antropóides saíam
em busca de alimento. Ao invés de cada qual comer sozinho como os animais,
traziam ao grupo e repartiam solidariamente entre si. Daí nasceram a
cooperação, a socialidade e a linguagem. Por esse gesto inauguramos a espécie
humana. Face aos mais fracos, ao invés de entregá-los à seleção natural,
inventamos o cuidado e a compaixão, para mantê-los vivos entre nós.
Hoje como outrora são
os valores ligados à cooperação, ao cuidado e à compaixão que limitarão a
voracidade da concorrência, desarmarão os mecanismos do ódio e darão rosto
humano e civilizado à fase planetária da humanidade. Importa começar já agora,
para que não seja tarde demais.
*************
A competitividade invadiu praticamente todos os espaços: as nações, as regiões, as escolas, os esportes, as igrejas e as famílias. (...) Na medida em que prevalece sobre outros valores, a competitividade provoca mais e mais tensões, conflitos e violências. Ninguém aceita perder nem ser engolido pelo outro. Luta defendendo-se e atacando. (...) Os espaços pessoais e sociais que têm valor, mas que não têm preço, como a gratuidade, a cooperação, a amizade, o amor, a compaixão e a devoção, ficam cada vez mais acantonados. Mas esses são os lugares onde respiramos humanamente, longe do jogo dos interesses. Seu enfraquecimento nos faz anêmicos e nos desumaniza.
Como romper essa lógica férrea? Resgatando e dando centralidade àquilo que outrora nos fez dar o salto da animalidade à humanidade. O que nos fez deixar para trás a animalidade foi o princípio da cooperação e de cuidado. Nossos ancestrais antropóides saíam em busca de alimento. Ao invés de cada qual comer sozinho como os animais, traziam ao grupo e repartiam solidariamente entre si. Daí nasceram a cooperação, a socialidade e a linguagem. (...) Face aos mais fracos, ao invés de entregá-los à seleção natural, inventamos o cuidado e a compaixão, para mantê-los vivos entre nós.Hoje como outrora são os valores ligados à cooperação, ao cuidado e à compaixão que limitarão a voracidade da concorrência, desarmarão os mecanismos do ódio e darão rosto humano e civilizado à fase planetária da humanidade. Importa começar já agora, para que não seja tarde demais. (os grifos são meus).
É conclamando-nos à prática da cooperação
que Leonardo Boff encerra seu excelente texto e o faz afirmando que "Importa
começar já agora, para que não seja tarde demais.". E o "já
agora" era 9 de julho de 2004 (data de publicação do texto). Decorridos onze
anos considero o texto ainda atual, pois, no meu entender, ainda não é significativa
a quantidade dos que atenderam a conclamação de Leonardo Boff.
Impingida por meios de comunicação a serviço dos que se consideram os donos do mundo como algo imprescindível
e indiscutível, e aceita de forma passiva e irrefletida pela maioria de uma
dita espécie inteligente (sic) do universo, a competitividade sem limites levará
(ou será que já levou?) tal espécie a um estágio evolutivo pelo qual ela já havia
passado. "O que nos fez deixar para trás a animalidade foi o
princípio da cooperação", diz Leonardo Boff. E parafraseando-o eu digo: o que
nos fará deixar para frente o retorno
à animalidade é o princípio da competição.
"Hoje como outrora são os
valores ligados à cooperação (...) que (...) desarmarão os mecanismos do ódio e
darão rosto humano e civilizado à fase planetária da humanidade.", afirma
Leonardo Boff.
Competição ou cooperação, eis a questão! Questão
decisiva para a preservação da referida espécie. Questão cujas opções –
competição ou cooperação – já provocaram neste blog algumas postagens, dentre
as quais as citadas abaixo.
Por que se incomodar? (30.06.2011), Competitividade na escola é criticada
(04.07.2011), A competitividade nossa de todos os dias (08.07.2011), O Programa do Senhor (13.07.2011), O Milho Bom (13.03.2013), Competição a toda prova (07.02.2015), Abaixo a competição (19.02.2015), Reflexões provocadas por "Abaixo a competição" (02.03.2015).
Nenhum comentário:
Postar um comentário