quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Onde perdi meu idealismo? (I)

Em resposta à pergunta que encerra a postagem anterior, segue a primeira de duas postagens homônimas de um capítulo do livro Bem-vindo à sabedoria do mundo – O que as grandes religiões nos ensinam para viver melhor, de Joan Chittister. Elaboradas apenas com trechos do referido capítulo, a finalidade ao dividi-los em duas postagens é aumentar a probabilidade de elas serem lidas por mais pessoas, pois nesta frenética e superficial sociedade a quantidade de pessoas dispostas a ler algo maior que um tweet é cada vez menor. O problema é que a compreensão de qualquer coisa que seja verdadeiramente importante jamais será possível se restringirmos nossa leitura a tweets. Compreendido?
Onde perdi meu idealismo?
Há anos não via Dan – na verdade, há tanto tempo que precisei olhar outras duas vezes para então reconhecê-lo. Não era que ele tinha envelhecido. Ao contrário, estava mais bonito do que quando o conheci há uns anos. Agora, seu cabelo curto, escuro e ondulado tinha um brilho no corte que fizera. O colarinho da camisa branca estava engomado. E a gravata era de seda. Nenhuma dúvida sobre isso: era de seda. Essa era a verdadeira diferença.
Da última vez que vira Dan, seu cabelo era tão comprido que escondia o colarinho da camiseta pólo de algodão. Usava uma calça jeans gasta em volta dos bolsos. Ele nunca vestia uma camisa branca naquele tempo, nem sabia o que era uma gravata.
Eu me segurei antes que a alegria do reconhecimento em meu rosto pudesse virar incredulidade. "Dan, como é bom vê-lo outra vez", eu disse. "O que está fazendo por aqui?". Logo em seguida percebi que o "aqui" tinha um leve toque de assombro. Aqui era uma empresa americana. Eu poderia ter imaginado Dan em um albergue da juventude, claro, ou na fila da sopa, talvez, ou até mesmo em uma sala de aula. Mas aqui, no departamento financeiro de uma pequena faculdade, de uma cidade pequena, em um território rural afeito ao Partido Republicano? Difícil.
Era um trabalho bom, uma coisa muito decente para fazer, mas bem diferente de qualquer coisa que Dan já quis fazer. No mínimo, ele tinha chegado tarde a tal adequação.
Quando o encontrei pela primeira vez, Dan estava a caminho de Washington para participar de uma grande manifestação pela paz. Então, ele tinha saído de um protesto contra o militarismo americano, que era chamado de Escola das Américas na época, uma escola americana de treinamento militar na Geórgia. Dan, que era um pacifista profissional, disse que o lugar fora usado para treinar exércitos estrangeiros em guerrilha e técnicas "investigativas" – em outros contextos chamava-se "tortura", quando alguns países as praticavam. Por muito tempo, ele tinha se arriscado a ser preso ali, todos os anos.
Depois disso, Dan morou por algum tempo em uma comunidade, em seguida vagou pelo Meio-Oeste e simplesmente desapareceu. Nenhum cartão de Natal. Nenhum telefonema. Nenhuma visita repentina a caminho da próxima tentativa quixotesca para resgatar o mundo da iminência de sua própria destruição.
"Você tem ido às assembléias da Pax Christi ultimamente?", perguntei, tentando reacender velhas recordações. Havia uma leve sugestão de rubor em sua bochecha, pensei, conforme me respondeu. "Não", ele disse, "não faço mais nada disso. Você sabe, aqui", mostrou com a mão a paisagem do campus e encolheu um pouco os ombros, "essas coisas não passam de estardalhaço."
Ao que parecia, esses assuntos nem eram agora objetos de muita preocupação para Dan. De alguma maneira, Dan tinha mudado, afastando-se das ideias que uma vez tinham sido o ímã de sua vida, estando mais quieto, mais seguro, em envolvimentos mais socialmente aceitáveis. Ele tinha, como suponho que alguns diriam, "amadurecido". Pelo menos, tinha amadurecido mais além daqueles momentos precoces de consciência e comprometimento, para um tipo de resignação adulta, talvez, ou mesmo desilusão.
Qualquer que fosse a situação, não era incomum. A maioria de nós refreia as esperanças e as garantias ao longo do caminho. Quaisquer que sejam nossas primeiras paixões, no fim das contas nos tornamos "razoáveis". Ou, se não razoáveis, definitivamente resignados com a vida "do jeito que ela é". Nós simplesmente nos rendemos. No fim, descobrimos que aquilo que nos fez gastar tanta energia quando jovens simplesmente não vai acontecer. Às vezes, chegamos mesmo a duvidar de que deveria.
O idealismo, de todas as energias da alma, pode ser a mais vulnerável. Nada mais em nosso íntimo cede tão facilmente diante do fracasso, do racionalismo, da dúvida – nem o amor, nem a raiva, nem a ambição. O amor persiste diante da rejeição, em geral até o extremo da tolice. A raiva se reabastece várias vezes, até mesmo quando o fogo que a alimentou parece extinto. A ambição corrói a alma até muito tempo depois que as oportunidades desaparecerem ou que toda a esperança de realização estiver perdida. A brisa mais leve da lembrança serve para reacender todos eles. Mas é diferente com o idealismo.
Por ser gerado mais pela visão do que pela probabilidade, o idealismo abre caminho, ao que parece, para uma de duas coisas. Ou há um retorno rígido a compromissos passados: "Os abutres estão certos: a paz não é possível.". Ou afunda em um tipo de desespero vazio, na resignação sem recompensa de esperança – ou esperança de recompensa: "Você sabe, aqui, essas coisas não passam de estardalhaço.".
Continua na próxima segunda-feira

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