Persistindo na ideia Por um mundo melhor (vocês concordam que é imprescindível encontrar um jeito de
melhorá-lo?), segue uma entrevista com alguém que há quarenta anos empenha-se nessa
causa. A entrevista, concedida por José Ramos-Horta a Inês Alberti, em Cascais,
Portugal, foi publicada na edição de setembro de 2015 da revista GALILEU e vale
a pena ser lida. Há pessoas que têm muito a ensinar às demais e Ramos-Horta é
uma delas.
"Acho que os jovens devem ter falhado"
O prêmio Nobel da paz
José Ramos-Horta, ex-presidente do Timor-Leste, diz estar preocupado com a
situação do Oriente Médio e afirma não saber se o mundo será melhor daqui a 20
anos
Antes de me
cumprimentar, José Ramos-Horta, prêmio Nobel da paz, esfrega das mãos o açúcar
em pó do pastel de nata que estava petiscando até ser interrompido pela minha
chegada. Aos 65 anos, ele me recebe simpático e bem-disposto no litoral de
Portugal, onde participa de um encontro com jovens locais. Ramos-Horta ficou
conhecido no mundo todo há 40 anos, quando levou suas ideias de liberdade e
independência à sede da ONU, em Nova York, tornando-se o diplomata mais novo da
história. Três dias mais tarde, seu país, o Timor-Leste – libertado havia pouco
dos colonizadores portugueses – foi ocupado pela Indonésia. Depois disso,
Ramos-Horta passou 25 anos exilado, e em 1996 recebeu o prêmio Nobel da paz por
seu esforço para encontrar uma solução justa e pacífica para o conflito no
Timor-Leste. Em 2007 ele foi finalmente eleito presidente do país asiático, e
enquanto ainda estava no cargo fez "muito lobby" para que o Brasil fosse
escolhido como sede das Olimpíadas de 2016. GALILEU conversou com o estadista
sobre a atuação das grandes potências nos conflitos mundiais e o papel dos
jovens na sociedade. Inês Alberti, de Cascais.
Atualmente o Brasil vive uma grande crise econômica. Qual é
a sua opinião sobre a situação do país?
Não sou especialista,
mas conheço o Brasil. Fiz um lobby intenso para que o Rio de Janeiro fosse
anfitrião dos Jogos Olímpicos. Fui a Copenhague [onde aconteceu a votação para
a sede do evento] e me esforcei bastante para ganhar votos para o Brasil. Inclusive
recebi cartas do presidente Lula me agradecendo. Crises todos os países
atravessam. O Brasil é riquíssimo, dinâmico, e acredito que essa fase vai ser
superada, como já foram outras crises, inclusive mudando a moeda tantas vezes
para controlar a inflação. Vejo com tristeza as dificuldades que o Brasil
enfrenta, mas a situação é diferente. Antigamente, o país não tinha qualquer
reserva. Hoje tem US$ 200 bilhões. Ao mesmo tempo, com muita coragem, o governo
começa a fazer cortes. O problema é que esses cortes estão afetando justamente
os mais pobres. Os ricos continuam ricos, e os pobres é que estão pagando a
fatura.
O que o preocupa mais no mundo?
Uma coisa que me
preocupa muito é a evolução da situação no Oriente Médio – Iraque, Síria, Líbia.
A proliferação de armas, os milhões de jovens que testemunham a violência todos
os dias e o impacto que isso vai ter em suas vidas, no que vão ser. Provavelmente
se tornarão pessoas muito rancorosas, tentadas a cair no extremismo, apelarão
para a violência para vingar a morte dos pais, dos irmãos... Isso tem impacto
também nas comunidades muçulmanas na Europa. A esmagadora maioria dos
muçulmanos que moram na Europa é formada por pessoas intimamente ligadas aos
valores da humanidade. Podem sentir-se discriminados, mas resistem ao ódio e à
violência. Contudo há pequenos grupos que não estão dispostos a ouvir discursos
sobre tolerância quando, no dia a dia, são vítimas de exclusão e discriminação
nos bairros pobres da França e da Inglaterra, por exemplo.
E qual é a solução?
A solução seria a
longo prazo. A Europa, os Estados Unidos, o Japão e a China podiam juntar
esforços e lançar uma espécie de plano Marshall para os países pobres
africanos, de onde vêm as pessoas que buscam uma vida melhor na Europa. Os
Estados Unidos, em vez de gastarem milhões em apoio aos refugiados, deveriam
financiar um plano para o desenvolvimento dessas regiões, a fim de diminuir o
êxodo desorganizado de refugiados para a Europa.
Há uma imobilidade das grandes potências, muita conversa,
mas poucos resultados práticos?
É quase um diálogo de
surdos. Não de mudos porque falam muito, mas surdos porque não ouvem uns aos
outros. Além disso, o diálogo acontece só entre as elites – quem está nos bairros,
nas comunidades nem tem noção de que esses encontros de líderes acontecem.
Em 1975, com apenas 25 anos, o senhor foi à sede da ONU
discursar pela liberdade do seu país. Hoje está aqui participando de um encontro
com jovens. Acha que os jovens de hoje têm capacidade de fazer mais pelo mundo
do que as gerações anteriores?
Já participei de
muitas conferências dedicadas aos jovens que tinham como lema algo na linha "o
futuro é de vocês". Essas conferências acontecem a cada dez anos, e a verdade é
que o mundo não melhora muito. Acho que os jovens devem ter falhado. Quando o
futuro chega, eles fazem o mesmo que seus pais: vão para Wall Street ganhar
muito dinheiro e pouco fazem pelo resto do mundo. O problema não é quando são
jovens, é quando chegam aos 30 e esquecem os ideais do passado. Não sou romântico
o suficiente para dizer que daqui a 20 anos o mundo será melhor. Prefiro ir lá
ver.
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O problema não é quando são jovens, é quando chegam aos 30
e esquecem os ideais do passado. Esquecer os ideais do passado é simplesmente
desperdiçar no presente a oportunidade de construir um futuro melhor. Perder o
idealismo é algo extremamente lamentável! Onde perdemos nosso idealismo?
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