quarta-feira, 29 de julho de 2015

Investimos pouco tempo nas relações que realmente importam (final)

Continuação de sexta-feira
Você também diz que é comum transferir a autoestima para o que os outros pensam, e que nos tornamos dependentes disso.
Sim, principalmente se você não tem uma comunidade de pessoas com quem possa dividir suas histórias. Nessas situações, você acaba caindo no conto da publicidade e da TV, mostrando vidas perfeitas, quando, na verdade, estamos todos em conflitos constantes.
Como sair disso?
É importante construir um network – de uma ou duas pessoas que realmente se importam com você. Que gostam de você não porque suportam seus defeitos e vulnerabilidades, mas gostam justamente por causa deles. Pessoas com quem você possa ser você mesmo. E ter muito claro que opinião realmente é importante. Quando minha carreira decolou, recebi um monte de mensagens maravilhosas e também algumas críticas. E escolhi me focar nas pessoas que eu amo, não nas resenhas boas ou ruins. Essa foi uma ótima escolha, porque são as pessoas que querem minha autoestima, que ficam felizes quando tenho êxito em algo. Portanto, há três ou quatro pessoas cujas opiniões eu deixo que me influenciem.
Por isso você fala tanto em compaixão?
Sim, porque não acho que podemos ter compaixão por outros se não tivermos compaixão por nós mesmos. Somos tão duros conosco, e a cultura midiática vende isso tão bem... um julgamento constante. É só avaliar o índice de cirurgias plásticas, tanto nos EUA como no Brasil. Somos os líderes nesse pesadelo (risos). Passamos tanto tempo nos sentindo os piores, que não sobra para dar a outros, entende.
Você faz a diferenciação entre compaixão e empatia.
Na minha visão, empatia é um conjunto de habilidades. Compaixão é uma crença e uma visão de mundo. Compaixão é algo tão profundo que, quando alguém próximo de nós sofre, sofremos junto. Empatia é a maneira pela qual praticamos compaixão.
"Empatia é a maneira pela qual praticamos compaixão"
E a comiseração?
É péssimo, porque é pena. Empatia cura a vergonha, já comiseração ajuda a alimentá-la.
Outro aspecto que você levanta em suas discussões é sobre o perfeccionismo ser um grande mecanismo de defesa. O que quer dizer com isso?
Não acho que sejamos escravos do perfeccionismo. O que realmente pensamos é que, se fizermos as coisas perfeitamente, vivermos de acordo com o que é correto, se trabalharmos de maneira perfeita, poderemos minimizar ou evitar situações de vergonha, culpa, julgamentos e críticas. Ou seja, quanto mais perfeito eu for, menos vou sofrer e me machucar. A triste realidade é que, nesse contexto, ninguém nos enxerga de verdade. Ninguém nos ama. É um cenário realmente exaustivo.
Você observou, em sua pesquisa, muitos que passam por essa situação?
A grande maioria, sim. Acho que quem consegue não ceder a essas situações está tentando minimizá-las o tempo todo. Acontece comigo, por exemplo. Quando dou uma conferência para um público de pesquisadores, psicólogos ou qualquer um que, por uma razão ou outra, possa julgar meu trabalho, eu mudo de postura. Coloco uma espécie de máscara. Evito contar minhas histórias pessoais, ser engraçada, tento usar uma linguagem bem clínica. Tudo isso para me proteger. É nesse tipo de situação que tenho de fazer uma escolha consciente de ser eu mesma.
Isso não é utópico? Podemos aceitar as imperfeições, mas como se encaixar em um universo em que todos julgam o tempo todo?
A maneira de compartilhar as coisas é imperfeita. Você cria identificação quando assume suas imperfeições. Na questão do julgamento, acredito que só julgamos coisas com as quais temos alguma suscetibilidade de nos sentir envergonhados. Não é uma regra, mas observamos que pessoas que estão bem resolvidas com seu corpo tendem a ser menos críticas com o corpo dos outros. E por aí vai. Isso vale para maternidade, trabalho e outras situações.
Falando de gênero, acredita que as mulheres passam por mais situações suscetíveis à vergonha do que os homens?
De jeito nenhum. São apenas situações diferentes. Digamos que homens e mulheres têm a mesma quantidade de conflitos com relação à vergonha. O que acontece é que a mensagem e as expectativas que circunscrevem esses conflitos são organizados por gêneros. A questão para a mulher é fazer tudo perfeitamente e parecer linda fazendo isso. Não é apenas questão de ser perfeita, mas de passar a ideia de que está se desdobrando em mil com a maior facilidade do mundo. Isso é impossível.
Como é essa divisão?
Para os homens, é difícil mostrar emoções e vulnerabilidade. Na minha pesquisa, muitos homens se mostram com vergonha de assuntos que têm relação com dinheiro e status profissional. No caso das mulheres, sempre surgem inseguranças com a aparência e a imagem do corpo. Além de muitos casamentos que têm alianças frágeis, tipo "eu continuo bonita e você continua ganhando bem". Mulheres envelhecem, homens perdem seus empregos, isso faz parte da vida.
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A entrevista concedida pela pesquisadora Brené Brown dá o que pensar!

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