sexta-feira, 24 de julho de 2015

Investimos pouco tempo nas relações que realmente importam (I)

Depois de espalhar a afirmação do filósofo australiano Roman Krznaric que diz que colocar-se no lugar do outro é a verdadeira revolução e a compreensão do mestre libanês Gibran Khalil Gibran sobre o que seja amizade, em uma, digamos, globalização de ideias capazes de melhorar pessoas, e consequentemente melhorar o mundo do qual elas fazem parte, segue uma postagem espalhando a advertência da pesquisadora americana Brené Brown sobre o pouco tempo que investimos nas relações que realmente importam. Advertência feita em entrevista publicada na edição de 10 de fevereiro de 2014 do jornal O Estado de S. Paulo, em uma página intitulada Direto da Fonte - Sonia Racy, assinada (naquela edição) por Marília Neustein.
'Investimos pouco tempo nas relações que realmente importam'
Best seller nos EUA, pesquisadora americana convida seu público a refletir sobre o fortalecimento das relações humanas - baseando-se na prática da empatia.
A carreira da pesquisadora Brené Brown mudou radicalmente depois de uma palestra intitulada O Poder da Vulnerabilidade - que ministrou em 2010, em Houston, EUA. A convite da fundação americana TED (Techonology, Entertainment, Design), a conferência foi um fenômeno mundial - com mais de 13 milhões de visualizações só no site da organização. Tamanha visibilidade levou a conferencista a transformar sua fala - baseada em uma década de estudos sobre vulnerabilidade, coragem, merecimento e vergonha - no livro A Coragem de Ser Imperfeito, publicado no Brasil pela Sextante e que chegou à primeira posição na lista dos mais vendidos do The New York Times.
Tanto na versão impressa quanto na falada, Brené bate nas mesmas teclas e defende que alguns aspectos do comportamento humano devem ser praticados: compaixão, empatia, partilhamento de histórias e, acima de tudo, a aceitação de situações de vulnerabilidade. Segundo a pesquisadora, evitamos ocasiões em que nos sentimos vulneráveis por medo da vergonha e do julgamento dos outros: "Esse papo de que a sociedade valoriza só quem é independente e não precisa de ninguém é um dos maiores mitos modernos", afirma. "Para superar a vergonha, temos de compartilhar nossas histórias. Mas não com todos ou qualquer um, mas, sim, com aqueles que merecem ouvi-las", explica.
Para a americana, que conversou por telefone com a coluna, um fator que contribui para a ansiedade e o crescimento de uma autocrítica exagerada são as redes sociais, que enfraquecem vínculos verdadeiros: "Passamos muito tempo nos comunicando com estranhos e pouco tempo investindo em relações que realmente importam", afirma. Essa prática, diz, pode também afetar a todos: "As pessoas olham para uma versão editada da vida dos outros nas redes sociais e a comparam com a sua vida real. E isso alimenta a vergonha".
A seguir, os principais trechos da entrevista. 
Em seu livro, você afirma que as "conexões" são a fonte de felicidade das relações. Como construir esses vínculos em tempos cibernéticos?
É muito importante não confundir comunicação e conexão. Facebook, Twitter, e-mails etc. nos ajudam na comunicação. Entretanto, essas ferramentas nem sempre ajudam a criar vínculos verdadeiros entre as pessoas. Relações de verdade exigem vulnerabilidade. Se, hipoteticamente, eu postar algo como "fui demitido do meu trabalho hoje" no meu Facebook, talvez dois ou três amigos comentem algo do tipo "que pena", "sinto muito", esse tipo de coisa. Agora, se eu for demitido e telefonar para alguém dizendo que estou passando por um momento muito difícil, isso vai exigir algo a mais dessa pessoa - vai exigir seu tempo, abertura emocional para escutar, atenção.
E qual a consequência disso?
O desafio é que construímos uma comunidade de pessoas com quem falamos o tempo todo, mas, se ficarmos doentes, ou perdermos nossos pais, tivermos problemas com filhos, são outras pessoas que virão em casa nos trazer sopa e dar um real apoio, entende? O perigo é que passamos muito tempo nos comunicando com estranhos e pouco tempo investindo nas relações que realmente importam.
Passamos muito tempo nos comunicando com estranhos"
Acredita que as redes sociais contribuem para o narcisismo?
A maioria das pessoas relaciona narcisismo com pessoas que acham que são melhores do que os outros. No entanto, isso não é verdade. A base do narcisismo está na vergonha. Alguém que só posta fotos filtradas e editadas de si mesmo acredita que essa versão irreal é a única capaz de ser aceita e amada. Na verdade, é mais um sinal de vergonha do que de narcisismo. Porque, quando esse indivíduo tiver de mostrar o "real", será um problema. O outro conflito dessa situação é que olhamos para uma versão editada da vida de alguém e comparamos com nossa vida real. E isso também alimenta a vergonha.
Grande parte de sua pesquisa é baseada na vergonha. Como você acha que isso afeta nossa sociedade atualmente?
Existem três coisas que fazem a vergonha crescer: clandestinidade, silêncio e julgamento. Para superar a vergonha, temos de compartilhar nossas histórias. Não com todos ou qualquer um, mas com aqueles que merecem ouvi-las. Quem são essas pessoas? Aquelas em quem confiamos e que irão responder a nossas histórias com empatia e compaixão. Uma vez que a vergonha é tratada com supressão, ela cresce.
Você afirmou que a vergonha nunca é um sentimento bom e que pode ser a raiz de sentimentos e ações destrutivas.
Sim. Pesquisadores têm uma técnica para medir a vergonha nas pessoas. E, por meio dessas pesquisas, descobrimos que indivíduos que têm um alto índice de sentimento de vergonha podem ser violentos ou criminosos. Então, esse discurso de "você deveria ter vergonha do que fez" não é correto, porque a vergonha não é a cura, mas a causa de muitos problemas.
Acredita que sofremos de uma síndrome de meritocracia e é por isso que os indivíduos não estão preparados para lidar com as incertezas?
Esse papo de que a sociedade valoriza só quem é independente e não precisa de ninguém é um dos maiores mitos modernos. Durante minha pesquisa, entrevistei pessoas bem-sucedidas, desde grandes executivos até artistas. Todos falaram sobre o apoio e a ajuda que receberam até chegarem no auge. Então, quando temos vergonha de pedir ajuda a alguém, é porque inventamos uma história em nossa cabeça: pessoas de sucesso nunca precisaram de ajuda. E isso não é verdade.
Acha que isso vale também para a vida afetiva?
Isso é algo que aprendi na minha pesquisa sobre vulnerabilidade. Nossa habilidade de viver de coração aberto, entregue, nunca será maior que a capacidade de ter o coração ferido. Vulnerabilidade, incertezas, riscos, exposição emocional são os lugares de nascimento do amor, da intimidade e da confiança. Sempre que eu falo de vulnerabilidade nesse aspecto dou o exemplo de dizer "eu te amo" em primeiro lugar. É assustador, porque, se você fala, pode ter uma enorme frustração. Mas, se você não falar, a probabilidade de ser infeliz é ainda maior.
Continua na próxima quarta-feira

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