Lançando mão de um
texto recente, focalizei na postagem anterior aquela que na pirâmide de
aspirações da classe empresarial ocupa a segunda posição mais alta: enfraquecer
cada vez mais os laços que a unem aos outrora denominados funcionários, hoje
chamados de colaboradores. A famigerada terceirização. Em conformidade com a
ideia de usar a sequência de postagens para encadear temas afins e recorrendo
aos meus alfarrábios, lanço mão de um antigo texto e focalizo nesta a aspiração
máxima de tal classe: romper completamente tais laços, livrando-se
definitivamente de colaboradores de carne e osso e passando a contar apenas com
os mecanizados e / ou automatizados.
Um antigo texto publicado na edição de 16 de
novembro de 1996 da extinta revista Manchete,
em uma coluna intitulada Análise,
assinada pelo jornalista, professor e
advogado Carlos Chagas, com o seguinte título: O empresário sem funcionários. Escrito há quase dezenove anos (além
do motivo citado no parágrafo anterior), espalho-o neste blog por incluí-lo entre
os textos que atestam a veracidade da seguinte afirmação de Gunther Anders,
filósofo alemão, em 1957: "O fascínio pelo progresso nos faz cegos para o
apocalipse."
O empresário sem funcionários
Calígula queria que os
romanos tivessem uma cabeça. Para degolá-los
De Calígula, dizia-se
desejar que os romanos tivessem uma só cabeça para poder degolá-los de uma só
vez. Pois não é que dois mil anos depois a moda voltou? E pegou. Porque a
prática da estratégia do singular César vem encontrando cada vez mais
discípulos entre nós.
Numa dessas colunas de
variedades onde, não raro, o responsável é surpreendido pela inserção de notas
que não redigiu, e, esperamos, com a totalidade das quais não precise
concordar, publicou-se preciosidade digna dos tempos em que degolar era um
prazer.
Diz a nota que antes
mesmo de ser inaugurada uma fábrica provisória de veículos já tinha produzido
550 caminhões. Com o complemento: "e só com 100 funcionários...".
Pelo jeito o
inspirador da informação, tanto faz se localizado na fábrica, na Avenida
Paulista ou em alguma Bolsa de Valores, exultou por conta do pequeno número de operários
aos quais precisou pagar salários. Mais feliz certamente ficaria se os 550 caminhões
tivessem sido feitos por 50 funcionários. Maravilhado se diria caso tudo se
produzisse com cinco. Como chegaria ao orgasmo se os caminhões pudessem ser
montados sem nenhum funcionário.
A gente fica pensando
onde nos levará esse modelo canibalesco que flui da chamada globalização da
economia. Porque ao menos pela lógica e pela ética, como também pela política,
o planeta gira em torno do sol como o habitat de todos, jamais para se
transformar em condomínio ou propriedade privada de uns poucos. Todos têm o
direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, a ir e vir e, sem esquecer,
todos têm o direito ao trabalho. Querer mudar os pilares da filosofia e tornar
o trabalho algo supérfluo, lentamente dispensável, mais do que discriminar a
maior parte da Humanidade significará condenar o indivíduo à miséria, ao
abandono e à barbárie. Essa forma cruel de livre concorrência entre a
guilhotina e o pescoço sentencia o trabalhador a mero detalhe, peça descartável
da atividade econômica.
A gente fica pensando
onde nos levará esse modelo canibalesco que flui da chamada globalização da
economia
Seguindo adiante tal
processo, logo o gênero humano estará constituído por aqueles que dirigem a
produção despojada do trabalho e aqueles que à margem de tudo, sem trabalho,
terminarão segregados em guetos, até em continentes inteiros, condenados ao
desaparecimento e, antes dele, no máximo, às migalhas da caridade.
Serão esses os novos
tempos determinados pelo que alguns pascácios chamam de o fim da História?
Servirá o avanço da tecnologia para criar legiões de desempregados? Tamanha
ingenuidade seria aceita placidamente por essa maioria? A continuarem as coisas
como vão logo emergirá a revolta como única saída. A mudança de sistema tão
velhaco quanto inócuo através da rebelião.
Boa parte dos
responsáveis pelos destinos das nações parece estar perdendo o rumo, depois de
haver perdido o pudor. Na medida em que aceitam e até incentivam e estimulam relacionamento
tão canhestro das relações entre as forças de produção, apenas se aproximam da
figura de seu patrono histórico. No caso, o Calígula. Tem sido dito com certa
ênfase até mesmo que o poder público não existe para atender os pobres, pessoas
ou nações. Cada qual que concorra livremente...
Só que nesse exato
momento o modelo segue o caminho da vaca. Vai para o brejo. Porque se a lei é a
do mais forte, do mais rico, até do mais inteligente, o mínimo a fazer será
demonstrar a irracionalidade da proposta antes que sucumbam os mais
inteligentes, os mais ricos e os mais fortes, diante da inexorável evidência de
que a natureza das coisas levará à destruição essa ordem infernal. Jamais
chegaremos ao limite em que o empresário desejará que todos os seus empregados
tenham uma só carteira de trabalho para poder demiti-los de uma só vez...
Como contra a natureza
das coisas ninguém investe impunemente, seria bom que certos colunistas
tomassem cuidado. Porque se 550 caminhões chegarem a ser produzidos sem nenhum
operário, também terá chegado o dia em que suas colunas acabarão feitas apenas
com notas vindas de procedência externa. Será então a hora das lamentações...
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Será que antes da hora das lamentações..., vale a pena encontrarmos tempo
para a hora das reflexões?
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