quinta-feira, 21 de maio de 2015

Reflexões provocadas por "Silêncio, por favor"

Ao citar, em "Silêncio, por favor" (postagem anterior), declarações feitas pelo escritor George Prochnik em uma entrevista a ela concedida, Lúcia Guimarães me faz lembrar uma reportagem-entrevista intitulada "O silêncio não pode ficar nos guetos de religiões" publicada na edição de 8 de junho de 2010 (3 anos e 4 meses antes do artigo de Lúcia) do jornal Folha de S.Paulo. Por quê? Porque além da coincidência do tema há também a coincidência do entrevistado. Sendo assim, aproveito estas Reflexões provocadas por "Silêncio, por favor" para espalhar algumas ideias de George Prochnik apresentadas na citada reportagem-entrevista.
Segundo a reportagem-entrevista, para escrever seu livro In Pursuit of Silence, Listening for Meaning in a Word of Noise, "O escritor norte-americano George Prochnik saiu em busca do silêncio pelo mundo. Passou uma temporada em monastérios, visitou projetos e conversou com quem pesquisa o efeito do silêncio no corpo e na mente." Indagado sobre por que decidira escrever sobre o silêncio, Prochnik respondeu assim: "Comecei a perceber que era cada vez mais difícil encontrar locais quietos. Eu queria saber se isso era verdade ou se eu havia me tornado mais sensível ao barulho com a idade. Depois de viajar pelo mundo, vi que minha suspeita sobre a mudança em nosso ambiente acústico estava correta."
Confirmada sua suspeita, segundo Prochnik, a primeira condição para encontrar locais quietos é "aprender a nos desplugar dos portais de estimulação visual e acústica dos quais somos dependentes. Precisamos redescobrir o mundo sem MP3 (lembrem que a reportagem é de 2010), celulares e outros aparelhos que nos colocam em bolhas sonoras e nos protegem do barulho maior do mundo exterior".
Indagado sobre a possibilidade de encontrar o silêncio de verdade, Prochnik responde assim: "O silêncio real, para mim, é o equilíbrio entre som e silêncio que nos permite estar abertos ao mundo. Se as pessoas pudessem usufruir de momentos mais quietos, seria mais fácil se abrir e se identificar com o mundo."
Passando da reportagem-entrevista para o artigo de Lúcia Guimarães, quero destacar aqui o seguinte o seguinte trecho. "Mas, da conversa com Prochnik, as histórias que mais me assustaram foram sobre o desenvolvimento de crianças", diz Lúcia. Mas, da conversa de Lúcia com Prochnik, a história que mais me assustou foi "a relação entre o silêncio e a democracia", digo eu. Relação sobre a qual Lúcia confessa jamais ter pensado e para a qual o episódio que "está na origem dos Estados Unidos, no final do século 18", dado como um exemplo por Prochnik, parece-me tê-la despertado.
"Reunidos na Filadélfia, os fundadores da república, antes de redigir a Constituição, mandaram cobrir de terra a rua de pedras em frente ao Independence Hall. Queriam abafar o trote dos cavalos e outros ruídos de tráfego. Queriam se concentrar para imaginar a nova democracia."
"A interrupção da concentração por ruídos em volta, ainda que seja a TV ligada na sala ao lado, se reflete, sim sobre o curso da reflexão e consequentemente, sobre a independência do pensamento." E com esta afirmação, Lúcia conclui o parágrafo no qual é citado o histórico episódio. E embora discorde de mim, em relação ao que seja mais assustador em sua conversa com Prochnik, o fato é que Lúcia encerra seu artigo citando exatamente aquilo que mais me assustou.
"Ao acompanhar certos debates em curso, seja o de políticos no Congresso ou o que divide músicos e biógrafos, lembro da tarde com George Prochnik no Central Park. Os xingamentos, os argumentos simplistas confirmam que o volume do barulho contribui para abafar a democracia."
Mutatis mutandis, "Ao acompanhar certas manifestações em curso, seja a de políticos no Congresso ou a de segmentos da população nas ruas, lembro da tarde de Lúcia Guimarães com George Prochnik no Central Park. Os xingamentos, os argumentos simplistas confirmam que o volume do barulho contribui para abafar a democracia". E diante de tal lembrança, não consigo acreditar que seja a partir de panelaços, de buzinaços ou de qualquer outro tipo de estardalhaços que, algum dia, ainda venhamos a estabelecer uma verdadeira democracia. O que seja uma verdadeira democracia é assunto para ser focalizado em alguma (s) postagem (ns) futura (s).
Voltando a citar passagens da reportagem-entrevista, quero destacar aqui a resposta dada por George Prochnik à pergunta que a encerra: "Você acha que as pessoas se preocupam com o mundo barulhento onde vivem?". Pergunta que ele responde assim:
"Sim, mas elas se sentem travadas. Parece ser um problema muito grande para resolver. E elas são viciadas em barulho – muitas não desligam o iPod e ligam a TV ou o som em qualquer momento em que estão em casa. Não podemos esperar progresso nesse sentido até reconhecermos que o mundo nunca será mais quieto se não começarmos a nos desplugar de vez em quando. Muita gente simplesmente não tem nenhuma experiência de uma vida quieta. Como vamos pedir a alguém para ser menos barulhento se não sabe o que é o silêncio?"
Não saber o que é o silêncio! É apontando esse desconhecimento que a reportagem-entrevista é encerrada. Desconhecimento que, em conformidade com a "lei" dos desconhecimentos sucessivos, leva a grande maioria dos seres pertencentes à autodenominada espécie inteligente do Universo a outro desconhecimento: o da imprescindibilidade da "prática" do silêncio como condição para a obtenção e a manutenção de seu equilíbrio não apenas físico, mas também, e principalmente, mental. Equilíbrio sem o qual tal espécie prosseguirá por essa coisa que ela chama de vida realizando uma autêntica viagem suicida pós-moderna.
Sendo assim, diante da imprescindibilidade de chamar atenção para a extrema importância da "prática" do silêncio, embora, neste momento, eu não pretenda prosseguir com este assunto, deixo aqui uma "ameaça": a de voltar a ele antes do próximo Dia do Silêncio (7 de maio). Aguardem-me!

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