Na busca de informações sobre o autor do
artigo O jorro do hidronegócio, encontrei (no site http://www.candido.bpp.pr.gov.br) uma entrevista
por ele concedida ao Cândido, jornal da Biblioteca Pública do Paraná, onde
Sérgio Augusto faz a seguinte revelação.
"Gasto horas percorrendo links atrás de
links para conhecer melhor um assunto sobre o qual escreverei (ou tentarei
escrever) um artigo para o jornal, em geral para o 'Aliás' do Estadão, que
trata de questões mais ligadas à atualidade. Às vezes me meto a tratar de temas
com os quais tenho pouca intimidade, justamente para superar essa lacuna. Há
pouco gramei, em versão kindle,
trezentas páginas de um fascinante estudo sobre o hidronegócio global— The Price of Thirst (O preço da sede) —
porque cismei de tocar no problema da falta d’água em São Paulo. Talvez jamais
o lesse se não tivesse de escrever sobre a escassez e a comercialização da água
no planeta."
Em O jorro do hidronegócio ele diz: "Amparada por quatro bolsas de estudo,
Karen Piper (autora do livro citado no artigo), passou uma década viajando e
recolhendo dados para seu livro.".
Ou seja, para produzir um artigo com dez
parágrafos, Sérgio Augusto "gramou, em versão kindle, trezentas páginas de um livro para o qual Karen Piper
passou uma década viajando e recolhendo dados". Sim, produzir algo que
preste requer esforço e dedicação, duas coisas, digamos, fora de moda, nestes
tempos em que a leitura de qualquer texto que excede dois parágrafos é deixada,
não de lado, e sim para trás, sob a alegação de ser longo demais. Feito este
desabafo (como diria o meu eterno amigo Demílson), passemos às reflexões
prometidas no título. Afinal, quatro parágrafos já foram gastos até aqui, não é
mesmo?
Em O jorro do hidronegócio é dito que desde 2012, a companhia responsável
pelo abastecimento de água sabia do risco de desabastecimento e que naquela
época "limitou-se a alertar investidores da Bolsa de Nova York para a
estiagem prevista e seu impacto nas finanças da empresa". Por que ela fez
isso? Porque é assim que agem as companhias, conforme explica Zygmunt Bauman em
uma passagem de seu livro Globalização:
As consequências humanas (publicado pela Jorge Zahar Editor, em 1999)
apresentada no parágrafo abaixo.
"A companhia pertence às pessoas que nela
investem – não aos seus empregados, fornecedores ou à localidade em que se
situa.". Foi assim que Albert J. Dunlap, o célebre
"racionalizador" da empresa moderna (um dépeceur – um "açougueiro", um "esquartejador"
– na maliciosa, mas precisa definição do sociólogo Denis Duclos, do Centro
Nacional de Pesquisas Sociais da França resumiu seu credo no autocongratulante
relato de suas atividades que a Times Books publicou para esclarecimento e
edificação de todos os que buscam o progresso econômico.
"A companhia pertence às pessoas que nela
investem"! Sendo assim, é apenas aos investidores que elas dão satisfações. E em
relação aos clientes, como é o comportamento das companhias? De mutável
dependência. Como assim? Enquanto dependerem de clientes para crescerem, o
comportamento será de consideração por eles, mas assim que atingirem um tamanho
que as transformem em corporações, a dependência muda de lado, pois daí em
diante são os clientes que passam a depender delas. E então, simultaneamente, ocorre
também a mudança no comportamento da companhia em relação aos clientes: termina
a consideração e começa o descaso.
"Hoje comandado por corporações sem a
visibilidade da Shell, Exxon, BP, Petrobrás, mas, no seu setor, igualmente
poderosas e sedentas de lucro, o hidronegócio sacia a sede de lucro de Suez,
Veolia, Thames, American Water, Bechtel e Dow Chemicals (sim, aquela mesma que
fabricava bombas de napalm e agente laranja usadas na Guerra do Vietnã). Juntas
essas seis empresas controlam mais de 70% da água 'privatizada'. Como as irmãs do petróleo, elas controlam a sua, a minha, a nossa água". Eis mais uma passagem instigante do artigo de
Sérgio Augusto. Passagem muito bem complementada pelo trecho apresentado a
seguir.
Poderosas e sedentas de lucro! "O New
York Times cantou a pedra em 2006. "Sede dá lucro" alardeava o
título de uma reportagem ("There's money in thirst"), com informações
inéditas sobre o mercado hídrico, que àquela altura já valia centenas de
bilhões de dólares. "Mais promissor que a exploração de petróleo",
concluía a reportagem."
"Sede dá lucro" alardeava o título
de uma reportagem do New York Times. E
se dá lucro, obviamente haverá sempre quem se interesse em criá-la. Como fazê-lo?
Criando a escassez de água, pois escassez implica em valorização que por sua
vez resulta em lucro para quem dispuser do que é escasso, não é mesmo? Escassez
causada por alguns fatores, mas dentre os quais destaca-se uma insana
exploração do solo, pois "Água é o que não falta", como afirma Sérgio
Augusto em mais uma passagem selecionada para esta postagem.
"Água é o que não falta. A Terra ainda
dispõe da mesma quantidade de H2O do tempo dos dinossauros; o que
mudou foi sua localização, alterada por mudanças climáticas e pela exploração
do solo. Faltam sim reservatórios, açudes e aquíferos que não estejam quase
exclusivamente a serviço da agricultura ou administrados por corporações
internacionais, que se comportam como se explorassem minerais, madeiras e
energia solar."
Na condição de jornalista que em geral escreve
sobre questões mais ligadas à atualidade, Sérgio Augusto se dispôs a gramar
trezentas páginas de um fascinante estudo para escrever um artigo onde esclarece
o motivo da escassez da água e adverte sobre males oriundos da comercialização
da água no planeta.
Na condição de alguém que acredita que a
quantidade de advertências sobre determinada coisa é diretamente proporcional à
probabilidade de nelas vermos sentido e consequentemente começarmos a nos
movimentar com a finalidade de eliminar a necessidade de continuar
repetindo-as, tomar conhecimento das advertências de Sérgio Augusto e de Shekhar
Kapur levou-me a querer compartilhar com vocês um antigo artigo onde um conhecido
jornalista, também escritor, adverte sobre uma condenável atitude de uma
geração de uma determinada classe de um determinado país. Que atitude é essa? A
equivocada mania de pretender resolver problemas públicos por meio de soluções
(sic) privadas. O país, a classe e a geração, vocês saberão ao lerem o referido
artigo na próxima postagem, pois nesta o tamanho que costuma desanimar uma
grande quantidade de leitores já foi atingido. Compreendido?
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